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Crise diplomática

Após embate com Israel, Lula adota de vez discurso ideológico nas relações internacionais do Brasil

Lula
Com o Brasil na presidência do G20, Lula pretende investir na agenda global de temática esquerdista. (Foto: Ricardo Stuckert/Secom)

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Após proferir sua crítica mais contundente à operação militar israelense em Gaza, na manhã do último domingo (18) durante visita à Etiópia, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) incorporou de vez o viés ideológico às relações internacionais do Brasil. “O que está ocorrendo com o povo palestino não tem precedentes na história. Na verdade, tem. Quando Hitler decidiu exterminar os judeus”, declarou o presidente, provocando expressiva e imediata condenação por parte de Israel, que o declarou persona non grata, além de entidades judaicas, da oposição no Congresso e de líderes evangélicos.

Entre segunda (19) e terça-feira (20), Lula recebeu cinco manifestações de solidariedade vindas de líderes e chefes de Estado da América Latina, todos ligados ao movimento de esquerda internacional e ao bolivarianismo. Gustavo Petro, presidente da Colômbia; Miguel Díaz-Canel Bermúdez, presidente de Cuba; Nicolás Maduro, presidente da Venezuela; Evo Morales, ex-presidente da Bolívia; e José Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, fizeram postagens nas redes sociais em tom de apoio à fala do petista.

Dentre as mensagens, Maduro foi o mais audacioso ao revisar ideologicamente os acontecimentos, afirmando que “Hitler foi um monstro criado pelas elites ocidentais”. Petro, por sua vez, conclamou a “união de toda a região para pôr fim imediatamente à violência na Palestina”. Em apoio à tese de genocídio em Gaza, Morales destacou ser “privilégio para Lula” receber o título de persona non grata por Israel. Em uma abordagem mais contida, Mujica limitou-se a expressar vivas ao presidente brasileiro, enquanto Díaz-Canel manifestou a sua “admiração pela bravura” dele.

O empresário Alexandre Ostrowiecki, fundador da ONG Ranking dos Políticos, classificou de “um dos maiores desastres diplomáticos” já vistos a comparação que Lula fez da “guerra defensiva de Israel” com o Holocausto, elogiada pelo Hamas. “De um lado temos o presente conflito, envolvendo pequena nação democrática do Oriente Médio, invadida por assassinos e estupradores que se escondem por trás de civis. Do outro lado, temos um evento único, em que a ideologia nazista marcou população indefesa, para ser separada, roubada, humilhada, concentrada e, finalmente, envenenada aos milhões. Comparar as duas coisas é um desrespeito grotesco”, disse.

Pragmatismo pode conter crise, mas viés ideológico se fortalece

Eduardo Galvão, professor de políticas públicas do Ibmec-DF e diretor da consultoria BCW, a crise diplomática desencadeada pela postura polêmica de Lula evidencia uma complexidade crescente nas relações internacionais contemporâneas. “Apesar de a tensão entre as duas nações ter elevado preocupações imediatas, o impacto prático dela nos campos da diplomacia e do comércio exterior tende a ser limitado, em razão do pragmatismo econômico e político que quase sempre prevalece nesses casos”, disse.

Embora o foco atual seja o embate entre Brasil e Israel, o terceiro mandato de Lula coleciona investidas ideológicas voltadas ao fortalecimento do Sul global (outrora Terceiro Mundo), ao combate à dependência mundial do dólar e à busca de mais parcerias entre economias emergentes, muitas das quais sob comando de governos autoritários.

Com ótica esquerdista clássica, o mandatário brasileiro afirmou no dia 9 de setembro, durante discurso na Cúpula do G20 em Nova Délhi, na Índia, que “a inaceitável desigualdade global continua a crescer” como algo “socialmente construído”. Agora na presidência do bloco, tentará emplacar agenda de mitigação global da miséria.

Os Estados Unidos estão cientes desta tendência de Lula, mas evitam pressionar o presidente brasileiro. Cercado de expectativas, o encontro nesta quarta-feira (21) entre o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, e Lula acabou não levando a uma cobrança por desculpas a Israel.

Apesar de Blinken já ter tido em entrevista que a Casa Branca não comungava da polêmica acusação de genocídio em Gaza, a reunião foi amigável. A embaixada americana informou apenas que a conversa que antecede a reunião de chanceleres do G20 no Rio serviria para reafirmar o “interesse mútuo em garantir a paz internacional”. O cuidado revelou os desafios de coordenação de interesses e impasses atuais no mundo.

Discursos explicitam defesa de regimes autoritários de esquerda

Para o jurista Ives Gandra Martins, o verniz ideológico do governo Lula ficou estampado em falas do presidente que revelam sem pudor o seu alinhamento com ditadores e visões de mundo à esquerda.

“Lula declarou no 26º Encontro do Foro de São Paulo que tinha orgulho de ser chamado de comunista. Também é fato que afirmou literalmente se sentir feliz de ter colocado no Supremo Tribunal Federal um ministro comunista”, disse. Lula fez essa referência a Flávio Dino em 14 de dezembro, durante a abertura da Conferência Nacional da Juventude, em Brasília. Quanto ao encontro do Foro de São Paulo em 29 de junho na capital federal, estavam reunidos representantes de partidos e movimentos de esquerda de 27 países da América Latina e do Caribe.

Reforçando a postura antiamericana da esquerda, sobretudo na América Latina, Lula aproveitou sua visita à obra da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, em 18 de janeiro, para vincular a Operação Lava Jato a uma alegada conspiração internacional.

Em seu discurso, afirmou: “O que ocorreu foi uma mancomunação entre alguns juízes e procuradores deste país subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras”.

Martins lembrou ainda que Lula recebeu Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, com tapete vermelho e que tem relações de grande e explícita amizade com Daniel Ortega (Nicarágua) e com presidentes de Cuba, China e Rússia. Em 29 de junho, ao defender Maduro das acusações de crescente autoritarismo, Lula afirmou que “o conceito de democracia é relativo”. O jurista também critica a postura “praticamente antiocidental” do presidente nas críticas a Israel, em favor do Hamas.

Escalada do discurso ideológico de Lula se acelerou em 2024

No plano doméstico, a falas de Lula com cores acentuada à esquerda tem se intensificado a partir de 2024. Num discurso claramente ideológico, ele afirmou no último 18 de janeiro, durante entrevista à Globonews, que o empresário “não ganha muito dinheiro porque trabalha”, mas porque os trabalhadores dele trabalharam.

Ele sugeriu que as responsabilidades fiscal e social são antagônicas “por causa da ganância dos mais ricos”. O presidente retomou essa retórica em 30 de janeiro, ao afirmar no encerramento da Conferência Nacional de Educação, em Brasília, que brasileiros nascem pobres porque “gananciosos roubaram o direito deles de melhorar de vida”.

Com frequência, circula nas redes sociais vídeo antigo no qual Lula admite ter divulgado estatísticas falsas sobre o Brasil em foros internacionais. Além disso, há diversos registros históricos dele, já como presidente, que mostram sua proximidade com líderes controversos como Hugo Chávez e o sucessor Nicolás Maduro (Venezuela), os irmãos Fidel e Raúl Castro (Cuba), Mahmoud Ahmadinejad (Irã), Muammar Al Gaddafi (Líbia), Daniel Ortega (Nicarágua) e Yasser Arafat (Palestina). Recentemente, chamou a atenção sua recusa em rotular o Hamas como grupo terrorista.

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