O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está em viagem pela África nesta semana. Após passagem pela África do Sul, o petista cumpre agenda em Angola e, em seguida, parte para São Tomé e Príncipe, onde participa do Encontro dos Países de Língua Portuguesa. Em Angola, sem mencionar o passado de escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato envolvendo os dois países, o petista anunciou uma série de acordos comerciais e estratégicos.
Em sua passagem pelo território angolano, Lula foi acompanhado de uma comitiva de empresários, inclusive representantes da construtora Odebrecht – que atualmente se chama OCE. Durante a operação Lava Jato, a empresa foi uma das apontadas em esquemas de lavagem de dinheiro, propinas e foi acusada até de submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão em países da África, inclusive em Angola. Lula também foi acusado na época da Lava Jato de fazer lobby para a construtora no país.
Em uma extensa declaração assinada por Lula sobre retomada da relação com o país africano, o mandatário brasileiro anunciou a cooperação entre os dois países envolvendo saúde, o turismo sustentável, o comércio, a agricultura, a pecuária e transferência de tecnologia.
"A vinda a Angola simboliza o retorno do Brasil à África. Nos últimos anos, o Brasil tratou os países africanos com indiferença. Pela primeira vez desde a redemocratização, tivemos um presidente que não fez nenhuma visita à África. Embaixadas brasileiras foram fechadas. A cooperação foi abandonada. Deixamos de atuar juntos nos foros internacionais", disse o petista durante agenda no país.
Em meio a críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Lula ainda se comprometeu a "corrigir erros e alçar a parceria estratégica a um novo patamar". Esse movimento e aproximação, contudo, tem sido observado com cautela, sobretudo devido ao histórico de escândalos no país.
Os escândalos envolvendo Brasil e Angola
Os escândalos de corrupção envolvendo os dois países foram descobertos durante a operação Lava Jato. De acordo com as investigações, a construtora Odebrecht pagava propina a políticos em Angola para ser beneficiada em acordos e em decisões governamentais no país.
Além disso, a empresa ainda foi acusada de fraudar contratos e de utilizar a influência de Lula em Angola para ter vantagem em licitações de obras. Segundo a investigação, parte do dinheiro que deveria ser designado para essas obras era desviado para pagamento de subornos dentro e fora do Brasil.
O Brasil exportava bens e serviços para países africanos por meio de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Angola é apontada como o país que mais recebeu recursos do organismo, cerca de US$ 3 bilhões.
O dinheiro era destinado para obras no país, a exemplo da hidrelétrica de Cambambe. Lula foi acusado de ser o responsável por fazer o lobby dessa empreitada – as investigações revelaram que o então presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, pressionava o petista a "desenrolar" a liberação de recursos do BNDES para a obra.
Segundo a Lava Jato, Lula teria sido beneficiado com esses acordos e recebido milhões de dólares por isso. Além disso, um sobrinho do mandatário brasileiro também teria sido favorecido com o esquema organizado pela construtora em solo africano. A empresa Exergia Brasil, de Taiguara Rodrigues dos Santos, o sobrinho de Lula, teria recebido milhões de dólares em contratos para "prestar serviços" para a Odebrecht no país.
Além das acusações sobre corrupção e propina, a construtora ainda precisou assinar um acordo de R$ 10 milhões com a justiça brasileira por submeter trabalhadores em condições análogas à escravidão em Angola. O caso teria acontecido durante a construção Biocom, uma fábrica de açúcar e etanol no país africano.
Ao fim da investigação, Lula foi absolvido de parte das investigações e o processo acabou sendo trancado. O petista sempre negou as acusações.
Comércio Brasil-Angola e financiamento do BNDES
Apesar do passado turbulento, ainda há interesse do atual governo brasileiro em retomar negociações desse tipo no país africano. O desejo parte tanto do BNDES como do Ministério de Relações Exteriores do Brasil. De acordo com diplomatas da pasta, "Angola tem um bom histórico pagador com o Brasil".
A exemplo disso, o país teria quitado, em 2019, uma dívida com o governo brasileiro que venceria apenas neste ano. Para o presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, essa é uma negociação que faz sentido devido ao histórico de Angola de bom pagador, apesar de já ter atrasado algumas "parcelas".
"Angola nunca deu calote no Brasil. Já houve um momento em que atrasou os pagamentos, mas acredito que por ter visto que todos os outros [países] faziam isso. Angola tem este histórico pagador porque existe recurso para gerar renda ao país: o petróleo", opina o especialista. Com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 67,4 bilhões (R$ 328 bilhões), Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana.
Sobre a possibilidade de voltar a fazer financiamentos para o país por meio do BNDES, o presidente da AEB avalia que há benefícios. "Além de levar exportações, gera-se empregos. Sem esse financiamento não se gera nada", defende.
Em busca de maior segurança alimentar, o país também manifestou o desejo de intensificar o comércio de alimentos com o Brasil. Atualmente, esse é o maior mercado entre as duas nações. De acordo com balança comercial Brasil-Angola de 2022, carnes suína, de gado e de frango foram os principais produtos exportados pelo mercado brasileiro para o país africano.
O presidente da AEB ainda sugere uma fiscalização mais profunda dos acordos envolvendo os dois países, a fim de evitar que se repitam os erros do passado. "Não vejo a necessidade de criar mais normas, elas já são muitas e seguem critérios internacionais. Mas há esforços que podem deixar essas negociações menos frouxas. Se for para deixar essas negociações mais seguras, acredito que o caminho seria criar novos controles", afirma.
Acordos bilaterais também visam Defesa angolana
Na tentativa de retomar a relação bilateral com Angola, os dois países assinaram uma série de acordos nesta sexta-feira (25). O país africano ainda revelou interesse no Brasil para além dos financiamentos para bens e serviço.
Durante a visita de Lula ao país, o presidente angolano, João Lourenço, falou do interesse em comprar aviões de transporte militar KC-390, produzidos pela Embraer, e de revitalizar a frota de aviões de caça Tucanos e Super Tucanos que o país já possui.
"Angola tem condições de se tornar um polo da Embraer Defesa na África. A aquisição de aeronaves como o KC-390 e a revitalização da frota de Tucanos e Super Tucanos trariam transferência de tecnologia", disse o petista.
Além disso, os dois países ainda assinaram acordos na área da Defesa, com o intuito de fortalecer a Marinha angolana e as tropas para a Organização das Nações Unidas (ONU). "Estamos trabalhando numa cooperação que envolva treinamento de tropas angolanas no Brasil para as primeiras forças de desdobramento rápida de Angola a serviço da ONU", disse o embaixador brasileiro em Angola, Rafael Vidal.
Governo pressiona STF a mudar Marco Civil da Internet e big techs temem retrocessos
Professor, pupilo de Mujica e fã de Che Guevara: quem é Yamandú Orsi, presidente eleito do Uruguai
Clã Bolsonaro conta com retaliações de Argentina e EUA para enfraquecer Moraes
Novo bloqueio é remendo em contas esfarrapadas
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF