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Lula - Israel - Guerra - Hamas
Após repatriação de brasileiros, Lula volta a criticar Israel| Foto: EFE/Andre Borges.

Após o fim das negociações para a repatriação dos brasileiros que estavam na Faixa de Gaza, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a elevar o tom contra Israel. O petista estava evitando fazer comentários sobre a guerra nas últimas semanas devido à influência do país na retirada de estrangeiros da Faixa de Gaza. O receio era de que comentários sobre o país pudessem atrasar a negociação para retirada dos brasileiros e seus familiares. Entidades e parlamentares de oposição repudiaram as declarações de Lula contra Israel (leia abaixo).

Após a passagem do grupo pela fronteira do Egito, contudo, o mandatário brasileiro logo veio a público para fazer críticas a Israel. Nessa segunda-feira (13), o petista chegou a relativizar o conflito, assim como fez com a guerra entre Rússia e Ucrânia. “Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo, o Estado de Israel está cometendo mais um ato de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não estão em guerra, que as mulheres não estão em guerra. Ao não levar em conta que eles não estão matando soldados, eles estão matando junto crianças”, disse Lula.

Segundo Manuel Furriela, professor de direito e relações internacionais do Centro Universitário FMU, Lula abandonou a posição de neutralidade e pragmatismo que a diplomacia brasileira afirma ser sua marca para criticar Israel. Segundo Furriela, o povo palestino tem reivindicações legítimas, como a criação de seu Estado, mas não se pode aceitar os ataques terroristas do Hamas para reconhecer os direitos dos palestinos.

O petista fez declarações parecidas sobre a guerra na Europa. Após pouco mais de um ano do início do conflito entre as duas nações, Lula disse que a Ucrânia era tão responsável pela guerra quanto a Rússia — o conflito teve início em fevereiro de 2022 depois que o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou que suas tropas invadissem o território ucraniano.

"Fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado", disse Lula à revista Time em maio.

As recentes declarações foram dadas durante a chegada do grupo de 32 cidadãos que foram trazidos de Gaza a Brasília, onde o presidente, a primeira-dama e alguns ministros acompanharam a aterrissagem do grupo. Após outros nove voos de repatriados que chegaram à capital federal, esse foi o primeiro recepcionado pelo presidente Lula.

De acordo com o petista, a chegada do grupo ao país era o “coroamento de um trabalho sério do governo”. Há quase 40 dias o governo federal negociava a repatriação dos brasileiros que estavam na zona de conflito. Com a escalada da guerra e com as fronteiras de Israel fechadas, a única forma de deixar a região do conflito era pela saída de Rafah, na fronteira com o Egito. A passagem, contudo, levou semanas para ser aberta.

A diplomacia brasileira, inclusive Lula, chegou a dar telefonemas para o presidente do Egito e de Israel, também para o emir do Qatar e outros líderes internacionais que estavam envolvidos na saída de estrangeiros em Gaza. Os brasileiros, contudo, demoraram a ter os nomes incluídos em uma lista com permissão para deixar a região, enquanto os primeiros estrangeiros foram autorizados a sair no dia 1º de novembro.

Diplomacia evitou comentários sobre a repatriação de brasileiros para conter desgaste  

A Gazeta do Povo apurou que, devido ao momento de guerra e em razão dos brasileiros que ainda estavam em Gaza, o Palácio do Itamaraty e o Palácio do Planalto não queriam causar um estresse ainda maior com o governo israelense. Na contramão, contudo, membros do Partido dos Trabalhadores (PT), legenda de Lula, fizerem diversas críticas a Israel e ao embaixador do país no Brasil, Daniel Zonshine.

Na última semana, após Zonshine se encontrar com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso Nacional, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, usou seu perfil no X (antigo Twitter) para criticar o representante israelense. "Mais uma vez o embaixador de Israel no Brasil intrometeu-se indevidamente na política interna de nosso país, num ato público com o inelegível Jair Bolsonaro, realizado em pleno Congresso Nacional", escreveu.

A crítica foi mais uma em meio às notas de repúdio que a legenda divulgou ao citar o conflito no Oriente Médio. Em um dos textos, o PT chamou de “genocídio” as mortes na Faixa de Gaza e condenou Israel pela guerra. “Condenamos os ataques inaceitáveis, assassinatos e sequestro de civis, cometidos tanto pelo Hamas quanto pelo Estado de Israel, que realiza, neste exato momento, um genocídio contra a população de Gaza, por meio de um conjunto de crimes de guerra”, disse a legenda por meio de uma nota divulgada no dia 16 de outubro.

Narrativa parecida estava sendo adotada por Lula até poucas semanas. “É muito grave o que está acontecendo neste momento no Oriente Médio, ou seja, não se trata de ficar discutindo quem está certo, quem está errado, de quem deu o 1º tiro, quem deu o 2º. O problema é o seguinte aqui: não é uma guerra, é um genocídio que já matou quase 2 mil crianças que não têm nada a ver com essa guerra, que são vítimas dessa guerra”, disse o presidente em outubro.

Após a saída dos primeiros estrangeiros de Gaza, no dia 1º de outubro, Lula adotou um discurso mais apaziguador e passou a evitar declarações sobre a guerra. A reportagem apurou ainda que assessores do Planalto estavam trabalhando para conter o presidente — existia o receio de que atritos com Israel pudessem atrasar ainda mais o resgate dos brasileiros na Faixa de Gaza.

Relação estremecida com Israel volta a ganhar novos desdobramentos 

Apesar do discurso contido das últimas semanas, o presidente Lula voltou a criticar Israel antes mesmo da chegada dos repatriados ao Brasil. Na manhã da última segunda-feira (13), poucas horas depois dos brasileiros decolarem em direção ao Brasil, o mandatário disse que a “solução do Estado de Israel é tão grave quanto foi a do Hamas”.

A declaração foi dada durante a cerimônia de sanção do projeto de lei que atualiza a Lei de Cotas. O petista ainda afirmou que Israel estava “matando inocentes sem nenhum critério”. "Jogar bomba onde tem criança, onde tem hospital, a pretexto de que o terrorista está lá, [isso] não tem explicação. Primeiro vamos salvar crianças, mulheres, aí depois faz a briga com quem quiser fazer”, disse o presidente.

No mesmo discurso, Lula ainda alegou que a liberação dos brasileiros “dependia da boa vontade de Israel”, dando a entender que o país poderia estar atrasado a liberação dos nacionais. Entendimento que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, tentou afastar nos últimos dias. Em entrevista à Globo News na última semana, o chanceler disse que “não havia fundamento” em uma possível retaliação do governo israelense com o Brasil.

Especialistas temiam que o posicionamento do Brasil na presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas pudesse ter contribuído para o desgaste da relação bilateral. O país tentou aprovar uma resolução considerada "branda" aos olhos de Israel e dos Estados Unidos — principal defensor do Estado israelense. O documento foi vetado por Washington que alegou ser inadmissível a aprovação de uma resolução que não pudesse garantir o "direito de autodefesa de Israel".

Após a chegada dos repatriados em solo brasileiros, o presidente aproveitou o momento em que os recepcionava para voltar a criticar Israel. Sem fazer qualquer menção o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, o petista afirmou que “parte dos seres humanos que governam o mundo, de humanos, não têm mais nada”.

“Se alguém não tem dó de soltar uma bomba para matar gente no hospital, recém-nascido, criança, sinceramente não sei que ser humano estamos falando”, afirmou o presidente. A fala faz referência ao bombardeio que aconteceu ao hospital cristão Al Ahli, na Faixa de Gaza, no dia 17 de outubro. Israelenses e terroristas do Hamas trocavam acusações entre si sobre a autoria do ataque que matou mais de 500 pessoas na região.

Israel tem mostrado evidências em vídeo de que o Hamas esconde suas bases de comando e depósitos de armamento em túneis sob os hospitais da Faixa de Gaza, na noite de terça-feira (14), forças terrestres israelenses inadiram al-Shifa o hospital que fica sobre aquela que seria a maior central de comando do Hamas.

O atual tom adotado pelo petista deve se manter ainda nos próximos encontros com líderes internacionais. À Gazeta do Povo, anteriormente, o consultor de análise política da BMJ Consultores Associados Nicholas Borges opinou que o petista deve se posicionar sobre a guerra quando estiver no exterior — o que ainda não aconteceu porque, desde o início do conflito, Lula estava em Brasília se recuperando de uma cirurgia no quadril e, portanto, estava impossibilitado de fazer viagens.

"O Brasil, na figura do presidente Lula, já sinalizou que vai colocar em discussões de fóruns internacionais que o país não vai aceitar uma ocupação militar de Israel por tempo indefinido em Gaza. O Brasil deve ser contrário explicitamente e ativamente contra essas intenções de Israel de ocupar permanentemente a Faixa de Gaza", disse.

Lula usa repatriação politicamente

Com um total de dez voos de repatriação realizados pela Força Aérea Brasileira (FAB) no Oriente Médio, a chegada do grupo vindo de Gaza, contudo, foi o único que o presidente Lula recepcionou. Na ocasião, o petista aproveitou para exaltar os esforços realizados pelo seu governo para a retirada dos brasileiros da zona de conflito e a resolução que o Brasil apresentou ao Conselho de Segurança.

"A chegada desse 10º avião ao Brasil é o coroamento de um trabalho muito sério e que a gente deve a muita gente que trabalha no governo. Como à Aeronáutica do Brasil e sobretudo ao ministro das Relações Exteriores [Mauro Vieira] que fez um trabalho excepcional, sobretudo quando assumiu a presidência do Conselho de Segurança da ONU", disse Lula.

Para Lula, o texto apresentado por Vieira foi "bem-sucedido", apesar de ter sido vetado pelos Estados Unidos. Apesar de não estar mais na presidência do órgão, o petista afirmou que não vai parar de cobrar dos presidentes do Conselho de Segurança da ONU um "comportamento humanista".

Após a volta do grupo que estava em Gaza, o presidente deve utilizar a repatriação para tentar angariar destaque na política interna após a disputa de narrativas com Bolsonaro sobre as negociações para retirada dos brasileiros da região de conflito.

Críticas a Lula por declarações contra Israel

A fala do petista - que equiparou o contra-ataque de Israel aos atos terroristas do Hamas - foi considerada como “perigosa” pela Confederação Israelita do Brasil (Conib). A entidade da comunidade judaica brasileira repudiou a declaração dada pelo petista na segunda (13) e repetida nesta terça (14) durante a live semanal “Conversa com o Presidente”.

“Além de equivocadas e injustas, falas como essa do presidente da República são também perigosas. Estimulam entre seus muitos seguidores uma visão distorcida e radicalizada do conflito, no momento em que os próprios órgãos de segurança do governo brasileiro atuam com competência para prender rede terrorista que planejava atentados contra judeus no Brasil”, disse a Conib em uma nota (leia na íntegra).

Já a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional avalia iniciar nova obstrução contra o governo em repúdio. Em nota, assinada em conjunto com o Grupo Parlamentar Brasil-Israel, os dois grupos destacaram que Lula deveria agradecer a Israel pela liberação dos brasileiros.

"O presidente Lula deveria agradecer aos israelenses que alertaram a Polícia Federal brasileira sobre os possíveis atentados terroristas do Hezbollah no Brasil, e que certamente matariam inocentes em nosso território. Lula omite que o Hamas perpetrou um ataque covarde ao Estado de Israel, matando, estuprando e queimando perto de 1.3 mil pessoas. Outras três centenas são mantidas reféns pelo grupo terrorista, em Gaza", diz trecho da nota.

Além deles, a StandWithUs Brasil, entidade ligada ao governo israelense, também repudiou nesta terça-feira (14) a declaração de Lula.

“Tais afirmativas, porém, são bastante graves. O presidente brasileiro segue equiparando Israel, um Estado democrático a um grupo terrorista com intentos abertamente genocidas que massacrou cerca de 1.200 pessoas - dentre elas, três brasileiros - e sequestrou mais de 240 pessoas”, disse a entidade, em nota.

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