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Em cinco meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já se encontrou com 31 chefes de Estado presencialmente e cinco por videoconferência. O petista também já enviou o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o assessor especial da área, Celso Amorim, para cumprirem agenda em outros países. Essa agenda, no entanto, não tem surtido o efeito desejado.
O presidente tem repetido, veementemente, que o "Brasil voltou" para o cenário internacional. Mas, ao mesmo tempo em que o país ganha projeção no cenário internacional, ganham destaque também as falhas que Lula comete ao comentar temas relevantes.
A relativização em relação à invasão feita pela Rússia à Ucrânia, e as declarações sobre o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, são dois exemplos.
Em diversas oportunidades, Lula disse que "a decisão da guerra foi tomada por dois países". O conflito, no entanto, teve início depois que a Rússia invadiu a capital da Ucrânia, em fevereiro de 2022. As alegações do brasileiro repercutiram negativamente pelo mundo e geraram críticas ao petista - ainda mais depois que o chanceler russo, Sergei Lavrov, veio ao país. Lula ainda chegou a sugerir que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia para a Rússia a fim de encerrar o conflito.
“A Ucrânia não precisa ser convencida de nada. A guerra é travada em solo ucraniano e causa sofrimento e destruição indescritíveis. Mais do que ninguém no mundo, esforçamo-nos para acabar com a agressão russa com base na Fórmula da Paz proposta pelo presidente Zelensky”, escreveu o porta-voz da diplomacia da Ucrânia, Oleg Nikolenko, após afirmações do petista sobre a guerra.
O presidente brasileiro ainda disse que países como os Estados Unidos e aqueles que integram a União Europeia são incentivadores da guerra. À época, a Casa Branca se pronunciou sobre as falas do petista e condenou as afirmações. Em um comunicado oficial, o órgão disse que o Brasil estava “reproduzindo propaganda russa e chinesa” e que os comentários do presidente eram "equivocados".
As movimentações de Lula pró-Rússia causaram desconforto ao redor do mundo e também para a Ucrânia, que vem sofrendo diariamente com o poder bélico russo. Após sofrer duras críticas sobre suas falas, o governo brasileiro procurou investir no caminho oposto e levantar a bandeira da neutralidade no que dizia respeito ao conflito.
Em meio a essas polêmicas, Celso Amorim ainda foi enviado à Rússia e se encontrou com o presidente russo, Vladimir Putin. Após a visita da delegação brasileira ao país invasor, Nikolenko, por meio de uma postagem nas redes sociais, convidou Lula para ir à Ucrânia para entender "as causas reais, a essência da agressão russa e suas consequências para a segurança global".
Foi então que o presidente enviou Amorim ao país. Na Ucrânia, o enviado brasileiro se encontrou com Volodymyr Zelensky com o intuito de refazer a figura de “neutralidade” do Brasil e amenizar a situação criada diante das afirmações de Lula.
Em entrevista à Folha de S.Paulo após retornar de Kyiv, Amorim disse que visita à Ucrânia foi “muito tranquila” e que “o diálogo foi positivo, de criação de confiança, visando a explicar nossos objetivos para a paz”. Apesar da presença do assessor especial brasileiro no país, o presidente ucraniano expressou o desejo de receber Lula, mas, até o momento, o petista nunca indicou que irá até o país.
No G7, Lula evita encontro com Zelensky
Após as polêmicas envolvendo Rússia e Ucrânia, Lula passou a apostar no G7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo), que aconteceu em maio, para firmar uma agenda positiva para o governo brasileiro. Após 14 anos, o Brasil voltava a ser convidado para participar da cúpula que tem o intuito de discutir temas relevantes ao mundo e definir estratégias e propor soluções para problemas mundiais.
Chamado para participar como convidado, o petista participou de reuniões para discutir a preservação de florestas, o clima e o combate à fome. No evento, Lula ainda tinha um outro objetivo: a formação de um clube da paz para colocar fim no conflito da Ucrânia.
Durante a cúpula, o presidente fez encontros bilaterais com presidentes de diversos lugares do mundo, como Emmanuel Macron, da França, e Olaf Scholz, primeiro-ministro da Alemanha. De última hora, Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, confirmou que integraria a cúpula e pediu para se encontrar com Lula. À imprensa, o brasileiro disse que não tinha mais agenda para se encontrar com o líder ucraniano, mas que tinha reservado um momento para o encontro e Zelensky não apareceu. O desencontro dos dois presidentes levantou a hipótese sobre o "desinteresse" de Lula em ouvir o que o presidente da Ucrânia tem a dizer.
Em entrevista coletiva, Zelensky foi questionado se havia ficado decepcionado por não ter se encontrado com líder brasileiro e disse que o desapontamento seria, na verdade, do petista. "Eu me encontrei com quase todos os líderes. Mas todo mundo tem seu próprio calendário, motivo pelo qual acho que não pudemos nos encontrar com o presidente brasileiro", disse o líder ucraniano.
No encontro, os países discutiram e decidiram pela imposição de novas sanções à Rússia, como uma forma de pressioná-la a colocar um fim na guerra – tópico que voltou a deixar Lula em uma situação desconfortável. O petista não acredita que sanções unilaterais surtam efeito para o fim do conflito.
"Essas medidas, além de não terem o aval das Nações Unidas [ONU], elas têm impactos negativos sobre as economias de todo o mundo, em especial nos países em desenvolvimento", afirmou o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, após o encontro com Lavrov.
Aproximação com a China
No final de abril, o presidente Lula também fez uma viagem à Ásia, onde visitou os Emirados Árabes e a China. Grande parceiro comercial do Brasil, o governo chinês é acusado de fazer presos políticos, violar os direitos humanos e adotar leis que não permitem a liberdade de expressão.
No país, Lula se encontrou com o presidente chinês, Xi Jinping, que está no cargo desde 2013, e fez "vista grossa" para os crimes cometidos pelo governo do país. "Todos os países do mundo têm problemas. A China encontrou um jeito de resolver os seus problemas, e um jeito que permitiu que a China logo, logo se transforme na primeira economia do mundo", disse Lula ao ser questionado sobre os crimes cometidos pelo governo chinês.
A viagem ao país também chamou atenção por sua extravagância. Em uma comitiva com cerca de 73 pessoas, estima-se que a viagem tenha custado, ao mínimo, R$ 6,6 milhões. Para além dos gastos, os integrantes da comitiva intrigaram a bancada da oposição, já que entre os que viajaram com Lula para a China estavam o líder do Movimento Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, e o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sergio Nobre.
O senador e líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), fez críticas a esses convidados de Lula durante pronunciamento que fez no plenário em abril. De acordo com o parlamentar, a presença de Stédile na viagem era para declarar que o MST faria invasões a propriedades privadas durante sua ausência no Brasil.
"Fizeram [uma invasão] hoje numa fazenda de Pernambuco, que é um centro de pesquisa da Embrapa, a maior empresa do mundo em inovação tecnológica, o que nos coloca na vanguarda da agricultura do mundo, como invadiram também propriedades privadas, sedes do Incra. E isso sob a complacência das autoridades governamentais do Ministério da Justiça, que vê um cidadão como esse anunciar o crime, perpetrar o crime e não ser impedido", disse.
Durante a permanência de Lula na China, o jornal The Washington Post, dos Estados Unidos, também criticou a aproximação entre os dois países, além de rebater as afirmações que Lula sobre os Estados Unidos incentivar o conflito em solo ucraniano. Em um artigo, o periódico criticou a política externa do petista e disse que "apesar de esperarem que ele fosse um parceiro para o Ocidente após a vitória nas eleições", ele parece ter “seus próprios planos”.
Acenos ao ditador da Venezuela
Desde que assumiu o terceiro mandato, Lula reafirma seu interesse em voltar a estabelecer contatos com a América do Sul. Nesse sentido, o presidente realizou nesta semana um encontro com os presidentes sul-americanos, em Brasília. O encontro aconteceu no Palácio do Itamaraty e reuniu representes de 11 dos 12 países da região.
Mas Lula errou nas apostas que fez para o encontro. No domingo, dois dias antes da reunião, o petista recebeu o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, com quem fez diversas reuniões bilaterais. O encontro e a forma como Maduro foi recebido pelo governo brasileiro - com honras de chefe de Estado - foram alguns pontos que causaram desconforto entre presidentes de outros países e também na base do governo.
Após encontros bilaterais com Maduro, o presidente brasileiro alegou que a Venezuela era "vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo". Na cúpula, Lula tinha a intenção de retomar a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e reintegrar o país venezuelano no diálogo e cooperação com os países que formam o continente.
As falas de Lula foram repreendidas pelos presidentes do Uruguai, do Chile e também da Argentina, que criticaram o posicionamento do brasileiro em relação aos crimes pelos quais Maduro é acusado pelo Tribunal Internacional da ONU.
Em um vídeo publicado em seu Instagram e rapidamente deletado, o presidente do Uruguai, Lacalle Pou, disse que ficou "surpreso" ao ouvir que o governo venezuelano é uma "narrativa".
O presidente chileno de esquerda, Gabriel Boric, também criticou e retrucou as afirmações de Lula: “Não é uma questão de narrativa como disse o presidente Lula ontem. É a realidade e é uma questão de direitos humanos”, disse Boric.
Até mesmo o presidente argentino, Alberto Fenández, que tem sido defendido por Lula, alfinetou o brasileiro e o ditador venezuelano. "A construção da democracia, dos direitos humanos na América Latina, é uma luta que custou a vida de muita gente, e não podemos perder isso", disse em áudio vazado à imprensa.
Apesar dos erros cometidos por Lula na busca na chamada política externa de "retomada", o governo brasileiro se diz otimista com os movimentos dos últimos dias.
À Gazeta do Povo, um membro da comitiva de Lula revelou que o presidente tem enxergado as movimentações dos últimos dias com otimismo e que não vai deixar que as críticas que recebeu, mesmo de apoiadores, impeçam o avanço de outras discussões. "Têm assuntos em que [os países] não concordam e mesmo assim conseguem avançar em outras agendas. Acho que o Brasil vai continuar buscando isso", afirmou.
Agenda internacional
Para os próximos meses, o presidente programa uma nova série de viagens a outros países. Em coletiva de imprensa na última terça-feira (30), Lula revelou que tem, em junho, um encontro econômico na França; em agosto ele participa do encontro dos Brics na África do Sul; ele também tem uma reunião com a Comunidade dos Países de Línguas Portuguesas, em São Tomé e Príncipe, na África Central; e, em setembro, Lula também participa do encontro do G20, na Índia.