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Lula Congresso
Aprovação da PEC fura-teto após intensas negociações mostra que Lula não terá uma articulação fácil com o Congresso no novo governo.| Foto: André Borges/EFE

A aprovação em definitivo da PEC fura-teto na quarta-feira (21) foi a primeira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso antes mesmo de sua posse como presidente, em 1.º de janeiro. O resultado da votação indica que o petista está conseguindo montar uma base no Legislativo. Mas, embora uma emenda constitucional exija os votos de três quintos dos deputados e senadores para ser aprovada, uma série de fatores demonstra que a aprovação da PEC não necessariamente significa que Lula já conquistou uma maioria sólida no Congresso. Por outro lado, os fatos mostram que o petista terá de enfrentar negociações pesadas com os parlamentares.

Um primeiro fator que indica a inexistência de uma base consolidada para Lula é que o Legislativo com o qual o petista vai governar é diferente e mais à direita do que o que aprovou a PEC fura-teto – os parlamentares eleitos tomam posse em fevereiro. Na Câmara, a renovação nas eleições de outubro foi de 39% dos deputados. E, no Senado, de 27%. Esse fator é atenuado porque, apesar da renovação, a maioria dos líderes partidários se reelegeu. São eles que, no fim, negociam o apoio de suas legendas a um governo. E a votação da PEC indica que essa lideranças estão dispostas a negociar com Lula.

Mas há outros elementos que mostram que a aprovação do estouro do teto não significa a existência de um apoio amplo e incondicional a Lula no Parlamento. A PEC fura-teto, por exemplo, foi "desidratada" pelo Congresso. Lula teve de ceder para que ela fosse aprovada. A vontade original do PT era ter uma licença para gastar quase R$ 800 bilhões acima do teto ao longo dos próximos quatro anos (R$ 198 bilhões anuais). Mas a versão final da PEC autoriza um estouro do teto de R$ 168,9 bilhões por apenas um ano.

Além disso, os parlamentares incluíram na PEC um "jabuti" (uma alteração alheia ao projeto original) de seu interesse – e não de Lula. Após o STF declarar inconstitucional o chamado "orçamento secreto", em julgamento finalizado na segunda-feira (19), o texto final da PEC "salvou" parte da verba de 2023 que estava destinada pelos congressistas a essa rubrica. Dos R$ 19,4 bilhões previstos originalmente para o orçamento secreto, R$ 9,7 bilhões foram redistribuídos para as emendas parlamentares individuais de execução obrigatória – que não foram proibidas pelo Supremo. Durante toda a campanha eleitoral, Lula havia criticado o orçamento secreto e queria acabar com ele justamente para o governo (e não o Congresso) ter mais controle do orçamento federal.

Além de ter aceitado manter parte do orçamento secreto sob controle dos parlamentares, informações de bastidor indicam que os partidos do Centrão pediram a Lula ministérios em seu futuro governo em troca de votos para aprovar a PEC. Nesta quinta-feira (22), o presidente eleito anunciou mais 16 ministros, mas ainda não indicou nenhum integrante do Centrão – bloco partidário que vem dando sustentação política aos últimos governos. Uma eventual insatisfação desses partidos na partilha da Esplanada pode dificultar futuras votações de interesse do petista no Congresso.

PEC não interessa só a Lula; Bolsonaro também se beneficia

Outro fator indicativo de que a vitória de Lula não foi tão grande é que a PEC também beneficia o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ou seja, mesmo parte dos aliados de Bolsonaro que tendem a ficar na oposição ao futuro governo votaram a favor.

A emenda constitucional permite que o atual governo gaste R$ 23,9 bilhões fora do teto ainda em 2022. Isso permitirá que Bolsonaro pague despesas obrigatórias e discricionárias que estavam contingenciadas para cumprir a regra do teto. Ainda não se sabe o que será feito com essa verba. Mas, por exemplo, o INSS alertou que poderia paralisar suas atividades. Universidades estão sem dinheiro para despesas básicas. E a emissão de passaportes pela Polícia Federal sofreu várias interrupções por falta de dinheiro.

Mais um motivo para que parte dos aliados de Bolsonaro tenha votado a favor da PEC é que ela mantém, em 2023, o valor do Auxílio Brasil (que será rebatizado de Bolsa Família) em R$ 600. Essa era uma promessa de campanha tanto de Lula como de Bolsonaro. Se a PEC não fosse aprovada, o valor do benefício cairia para R$ 405 em janeiro. E a base de Bolsonaro poderia sofrer o desgaste de ter votado contra uma proposta que defendia. Além disso, mesmo que não tivesse sido um compromisso eleitoral de Bolsonaro, haveria o desgaste de votar contra uma proposta que atende às pessoas mais pobres.

Na Câmara dos Deputados, por exemplo, a votação teve 331 votos favoráveis nos dois turnos – 23 a mais do que o mínimo necessário. Muitos deles foram de parlamentares do PL, do União Brasil, e do PP – três dos principais partidos da base de Bolsonaro. Na votação de segundo turno da PEC na Câmara, foram 10 votos do PL e 39 do União Brasil, além de 38 do PP, partido do presidente da Casa, Arthur Lira (AL) – que era um forte aliado de Bolsonaro e que articulou a aprovação da proposta de Lula.

Entre os deputados que votaram a favor da PEC fura-teto estão aliados de Bolsonaro como Flávia Arruda (DF-PL), Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Capitão Wagner (União Brasil-CE) e Professora Dorinha (União Brasil-TO). Professora Dorinha é considerada a nova porta-voz da bancada ruralista no Senado, crítica de Lula.

Mas uma parte expressiva da atual base de Bolsonaro votou contra a PEC fura-teto. O deputado Filipe Barros (PL-PR) foi um deles. "Votamos contra a PEC pelo respeito ao próprio Parlamento. Eles [petistas] querem desconstitucionalizar conquistas históricas como o teto de gastos, a regra de ouro, e transformar isso através de lei complementar", disse Barros.

Já o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) questionou a legitimidade de a atual legislatura do Congresso decidir os rumos do que será um novo governo com uma nova composição parlamentar. Para ele, a aprovação da PEC foi uma "irresponsabilidade fiscal".

Centrão continua forte e vai ditar os rumos de Lula no Congresso

A cientista política Juliana Fratini, mestre em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), diz que as prolongadas negociações de Lula para aprovar a PEC mostram que o ambiente político esperado por ele não é mais aquele de duas décadas atrás, quando conseguiu negociar a governabilidade com mais facilidade, em seus primeiros mandatos (entre 2003 e 2010).

“As forças políticas estão mais pulverizadas agora. Os partidos e as lideranças partidárias têm mais sustentabilidade hoje do que há 20 anos, quando o PT era uma força dominante. Mas, desta vez, o Lula não ganhou sozinho. Ele teve o apoio de toda uma frente ampla que o ajudou a vencer. E está tendo que gastar muito capital político para entender isso”, afirma Juliana Fratini.

A opinião é compartilhada por Christopher Mendonça, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor universitário do IBMEC de Belo Horizonte. Para ele, a aprovação da PEC fura-teto não foi nenhuma grande vitória e mostrou que a “lua de mel" de Lula com o Congresso está terminando antes mesmo da posse. Mendonça afirma que o presidente eleito já gastou muito capital político na transição. "Ele teve que participar diretamente das negociações e aceitar exigências [dos parlamentares] que não estavam no seu plano”, diz Mendonça.

Os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam ainda que Lula terá de continuar a negociar, especialmente com os partidos do Centrão, para ter apoio no Congresso.

“O [Arhur] Lira [presidente da Câmara], como um dos líderes desse grupo de partidos, já demonstra que vai dar continuidade àquilo que foi feito desde o começo do governo de Bolsonaro, com controle quase que majoritário do orçamento pelo Congresso Nacional”, diz Christopher Mendonça. A manobra para incluir as verbas do orçamento secreto na PEC é um exemplo disso.

Juliana Fratini diz que as negociações de Lula com o Centrão envolvem o PL do presidente Bolsonaro, que já sinaliza alguma flexibilidade em votar com Lula na próxima legislatura. O União Brasil, que rachou durante a campanha eleitoral mesmo com aliados muito fortes do atual governo, é outra legenda que vai negociar com o petista.

“O Luciano Bivar [presidente do União Brasil] pode vir a ganhar um ministério ou um cargo no primeiro escalão. O PL do Valdemar Costa Neto também se mostrou aberto a negociar. Vai depender muito da conveniência", diz Juliana. Ela cita ainda como partidos que podem estar com Lula o Podemos, o Solidariedade e o PP. Mas tudo terá de ser negociado.

“O quadro é completamente diferente agora, nestes anos mais recentes. O Congresso está muito mais fragmentado, e a estrutura de poder do Centrão tem muito mais capacidade desde o impeachment da [ex-presidente] Dilma [Rousseff]. E isso [a aliança de Lula com o Centrão] é totalmente contrário àquilo que se prometeu [durante a eleição]. Até mesmo os programas sociais estão atrelados à leniência e à aceitação do Centrão. Se não negociar com o Centrão, não tem política pública pra 2023”, diz Christopher Mendonça.

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