O relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de 8 de janeiro foi aprovado por 20 dos 32 membros durante a sua última sessão, realizada nesta quarta-feira (18). O documento requer o indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e 22 militares de diversas patentes que atuaram no governo do ex-presidente. O texto da relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), apontou oito generais e um almirante como cúmplices de suposta conspiração golpista liderada pelo ex-presidente. A ênfase por incriminar Bolsonaro alcançou os oficiais, sem a maioria deles ter sido ouvida.
Durante o debate que antecedeu a votação do relatório, com pedidos de indiciamento de Bolsonaro e de outros 60 cidadãos por alegada tentativa de golpe de Estado, os parlamentares governistas se revezaram na defesa da aprovação e do mantra “sem anistia”, cobrando do MPF levar adiante as investigações sugeridas, sobretudo contra militares.
Essa postura contrasta com a movimentação do governo para evitar tensionamento com as Forças Armadas, sobretudo do ministro José Múcio Monteiro (Defesa). Mas reforça o interesse da esquerda de exigir do Executivo a reinstalação da comissão da verdade, para investigar crimes do período militar.
Logo após Bolsonaro, o relatório da CPMI pede o indiciamento do general Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa do ex-presidente e, também, ocupou os cargos de ministro da Casa Civil e da Defesa. Outros generais, como Augusto Heleno, Luís Eduardo Ramos, Paulo Sérgio Nogueira, Freire Gomes, Ridauto Lúcio Fernandes, Carlos José Penteado e Carlos Feitosa Rodrigues, bem como o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, também foram alvos dos governistas. “Estamos em um novo governo, uma nova Procuradoria-Geral. Sem anistia para golpistas”, comemorou a deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ).
O relatório da CPMI também indica para serem alvos de ações judiciais comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), agentes federais e rodoviários, empresários, um influenciador e a deputada Carla Zambelli (PL-SP).
O parecer da oposição, contudo, enfatiza omissões de autoridades federais, com pedidos de indiciamento do ministro Flávio Dino (Justiça), do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Marco Gonçalves Dias, do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura Cunha, e do ex-subcomandante da PMDF coronel Klepter Rosa Barbosa.
"Sem anistia" tornou-se o novo mantra dos governistas na CPMI
Para analistas, a aprovação do relatório representou importante episódio de explícita pressão punitiva de um colegiado do Congresso sobre militares, sobretudo no longo período após a Lei da Anistia, de 1979, que impediu o processamento de oficiais acusados de praticar crimes no regime de 1964. O domínio governista da CPMI, apesar de ter sido proposta pela oposição, levou à definição de uma narrativa de trama golpista do ex-militar Bolsonaro e de aliados próximos. Os generais não foram constrangidos em audiências do colegiado, mas ainda assim foram indiciados com base na narrativa definida pelo governo, sinalizando 29 anos de prisão para o ex-presidente.
As investigações da CPMI descreveram os eventos de 8 de janeiro, somado a outros antecedentes, como o desfecho de uma conspiração golpista que se frustrou. Embora não tenha envolvido todo o alto escalão das Forças Armadas, a relatora sublinhou a participação direta ou omissão de figuras de alto escalão no Palácio do Planalto, ex-comandantes do Exército e da Marinha, diretores das polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF), comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, que também é policial federal. Como pano de fundo, as insatisfações de comandantes militares com o resultado eleitoral após ações do Judiciário em desfavor do candidato Bolsonaro.
No seu relatório, Eliziane Gama rejeitou a ideia de que os atos de vandalismo tenham acontecido de forma espontânea, enfatizando o plano detalhado que não teve sucesso. Ela afirmou: "Nosso objetivo foi entender como isso ocorreu; como um grupo de insurgentes se radicalizou, se organizou e conseguiu contornar os sistemas de segurança com relativa facilidade. As investigações, depoimentos e documentos nos levaram a destacar um nome: Jair Messias Bolsonaro". Carla Zambelli (PL-SP), única parlamentar com pedido de indiciamento, reclamou que não teve oportunidade de se defender.
Foco do relatório da CPMI em militares irrita comandantes
Nos bastidores, militares da reserva e alguns em serviço ativo expressaram preocupação com a postura anti-Forças Armadas presente no relatório de 1.333 páginas apresentado pela senadora Eliziane. Segundo eles, o viés parece refletir ressentimento ou desejo de revanche por parte do governo Lula em relação aos militares.
Outro ponto que chamou a atenção do relatório e incomodou os comandantes é a menção à persistência de um espírito autoritário dos que “defendem a supressão do Estado Democrático, valorizando a disciplina e a hierarquia mais do que a coragem e o valor, e que promovem não o Brasil de todos os brasileiros, mas projeto exclusivista de nação”. “A atração de membros das Forças Armadas, seja por meio da militarização da Administração ou por concessão de benefícios exclusivos, nunca visou o bem do país", diz ainda o relatório.
Além do ministro José Múcio (Defesa), o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, também se uniu ao esforço para acalmar as tensões e reduzir a desconfiança entre as Forças Armadas e o governo.
Entretanto, esse esforço deu lugar à irritação, especialmente ao incluir o ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e excluir dos indiciamentos a figura do general Marco Gonçalves Dias, ex-chefe do Gabinete da Segurança Institucional (GSI) do governo Lula, que foi demitido após ser flagrado por câmeras do circuito interno do Planalto recebendo invasores e demonstrar conhecimento prévio dos ataques.
Para tentar aplacar descontentamento de oficiais, o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), enalteceu na sessão final o papel das Forças Armadas para impedir a efetivação do alegado golpe de Estado.
Apesar das tensões com os militares, o texto de Eliziane Gama não avançou na seção de sugestões legislativas sobre a alegação de que há um risco de golpe nas Forças Armadas. Em vez de propor ações concretas para impedir a interferência militar na política, como a possível alteração do artigo 142 da Constituição, que tem sido interpretado como uma autorização para a intervenção das Forças Armadas no poder, a relatora preferiu sugerir medidas que são consideradas superficiais, como a implementação de programas educacionais que promovam a cultura democrática e cidadania, bem como a instituição de um Dia Nacional de Defesa da Democracia.
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