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Durante o primeiro semestre do ano passado, após a revelação de que o sistema FirstMile – tecnologia israelense que localiza celulares pelo número – teria sido usado de maneira irregular na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Polícia Federal (PF) obteve do órgão dados abrangentes sobre quem teria sido monitorado e quem teria operado a ferramenta.
Segundo reportagem publicada neste domingo pela Folha de S.Paulo, em ao menos seis ocasiões, a Abin forneceu informações requisitadas pela PF, na investigação aberta pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e conduzida no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Alexandre de Moraes. Em outubro e na semana passada, ele autorizou operações contra atuais e ex-agentes da Abin, incluindo o deputado federal e ex-diretor Alexandre Ramagem (PL-RJ).
No pedido de busca e apreensão mais recente, o delegado do caso, Daniel Nascimento, acusou a atual direção da Abin de “conluio” com dirigentes da gestão passada, do governo de Jair Bolsonaro, numa suposta tentativa de encobrir um suposto uso político do FirstMile, para monitorar adversários do ex-presidente e auxiliar a defesa de seus filhos – como mostrou a Gazeta do Povo, a investigação da PF apresenta poucas provas de como isso teria ocorrido.
Dentro da Abin, a imputação de que atual direção estaria atrapalhando a investigação é vista como uma tentativa de um grupo da PF de trocar o comando da agência, atualmente a cargo de Luiz Fernando Corrêa, delegado federal que dirigiu a corporação no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2007 e 2011; no período anterior, ele foi secretário nacional de Segurança Pública, cargo de segundo escalão no Ministério da Justiça.
A Alexandre de Moraes, o delegado Daniel Nascimento escreveu que Corrêa e o atual diretor-adjunto da Abin, Alessandro Moretti, que também é delegado da PF, estariam atrapalhando a investigação, sobretudo em razão de declarações. Nascimento relatou ao ministro que, em março do ano passado, quando começou a investigação, Moretti disse a Corrêa que o caso tem “fundo político e iria passar”. Narrou ainda que a atual “Direção da Abin” teria afirmado, na Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso, que estaria ocorrendo “politização e disputas mesquinhas de poder com a Inteligência de Estado”.
Em outubro, compareceu à comissão, numa sessão secreta, o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa, para prestar explicações sobre o FirstMile, em razão da primeira operação sobre seu uso. Na ocasião, ele disse aos parlamentares que, assim que assumiu o comando da Abin, em maio, recebeu uma apuração não conclusiva sobre a ferramenta.
“Imediatamente foi instaurada uma sindicância com todo o suporte necessário para a corregedoria, que tem autonomia e mandato, e assim procedeu e vem procedendo em total parceria com a Polícia Federal e informando o Supremo”, afirmou Corrêa na ocasião.
Novos detalhes da colaboração da Abin com a PF, revelados pela Folha, colocam em xeque a acusação contra os atuais dirigentes da agência. Segundo o jornal, no final de março, dias após a abertura de uma nova comissão de sindicância para apurar as operações em que o FirstMile foi empregado, os alvos e a lista dos servidores que a utilizavam, a Abin enviou à PF documentos do procedimento de compra e lista de servidores com acesso ao sistema.
Em abril, a Abin enviou a Moraes e à PF planilha com número dos telefones monitorados, ao lado dos casos que teriam motivado o monitoramento. Em maio, integrantes da Abin e da PF se reuniram com representantes da Cognyte, empresa israelense que fornece o FirstMile. A companhia firmou o compromisso de entregar os registros do sistema. Nos dias seguintes, os dados foram repassados à PF pela Abin.
Em junho, registra a Folha, a Abin enviou à PF lista de justificativas de monitoramento dos telefones, além de notebooks para perícia, atualização das sindicâncias e processos administrativos, além da cópia de depoimentos de servidores dados na sindicância.