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O relatório final da CPI da Covid do Senado, que contém o indiciamento de 80 pessoas, entre elas o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), pode acabar no fundo de uma gaveta. O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que a Comissão Parlamentar de Inquérito não apresentou provas sobre os supostos crimes cometidos por Bolsonaro e, por isso, ele não pôde avançar em investigações sobre o chefe do Executivo.
A declaração é um indicativo de que ele pode arquivar o relatório e não denunciar nenhum dos indiciados pela comissão. “Não houve a entrega dessas provas”, afirmou Aras em entrevista à CNN Brasil, na quarta-feira (16). Segundo ele, a CPI levou à Procuradoria-Geral da República (PGR) “um HD com 10 terabytes de informações desconexas e desorganizadas”.
O procurador fez as declarações no mesmo dia em que o Senado inaugurou um memorial em homenagem às vítimas da Covid-19, em cerimônia marcada por críticas a Bolsonaro e ao próprio Aras.
A base aliada do presidente celebrou as declarações de Aras sobre o relatório final da comissão. "O procurador falou algo que nós já sabíamos. Renan, Randolfe e Omar só tinham narrativas, nada concreto e objetivo", afirmou à Gazeta do Povo o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS), que durante a CPI foi um dos principais defensores do presidente da República.
Os nomes que ele citou são os dos membros da cúpula da CPI: Omar Aziz (PSD-AM), presidente do colegiado; Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o vice; e Renan Calheiros (MDB-AL), relator. Os três fazem oposição a Bolsonaro, e a atuação deles foi tida como parcial pelos parlamentares alinhados ao governo.
Heinze também chamou a atuação da oposição durante a CPI de "fanfarronada" e afirmou que Aras "analisou tecnicamente" os resultados da comissão. "Um advogado, um juiz ou um promotor olha para os fatos e vê se há fundamentos ou não. Ele [Aras] não está dizendo por dizer. Percebeu que tudo ali é factoide", acrescentou.
Em vídeo divulgado nas redes sociais, o também governista Marcos Rogério (PL-RO) afirmou: "eu adverti durante todo o funcionamento da CPI que faltava técnica no processo investigativo. Preocuparam-se e construíram narrativas sem nenhum fundamento e nem prova. O resultado é justamente esse vexame".
O relatório final da CPI da Covid foi aprovado pela comissão em 26 de outubro do ano passado. O texto indiciou 80 pessoas, relação que inclui Bolsonaro e outras autoridades do governo, como os ministros Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho) e Braga Netto (Defesa), entre outros nomes.
Pela Constituição, o presidente da República e outras autoridades com foro privilegiado só podem ser investigadas por inquérito conduzido pelo PGR – por isso a pressão dos oposicionistas sobre Aras.
Segundo o procurador-geral, os senadores da CPI se comprometeram a entregar todas as provas em dez dias. “Eu espero que até sexta-feira (18) o senador Randolfe e seus eminentes pares entreguem essas provas para que o Supremo possa preservar a cadeia de custódia, a validade das provas e que não tenhamos nulidades e impunidade em um futuro próximo”, disse.
Oposição fala em impeachment de Aras
A conduta de Aras foi interpretada pelos senadores da oposição como uma "submissão" do procurador a Bolsonaro. Em reação, os parlamentares levantaram a hipótese de abrir um processo de impeachment contra o procurador. A ideia já havia sido lançada por Randolfe em ocasiões anteriores.
Também em entrevista à CNN, o senador do Amapá disse que o processo de impeachment seria um mecanismo para "ver se ele [Aras] pega no serviço". "Não descartamos nenhuma hipótese de pedir a ele o cumprimento do seu papel. Seja pelo remédio do impeachment, seja por uma ação de investigação no STF", declarou Randolfe.
O senador também disse que a CPI enviará à PGR, até sexta-feira (18), um documento adicional com o que chamou de mais provas sobre as investigações conduzidas pela comissão. O adendo foi requerido pela PGR, após membros da instituição identificarem problemas na vinculação entre os arquivos entregues e os crimes imputados aos indiciados.
“Se nós conseguimos em seis meses levantar tudo isso, como é que em 120, 115 dias a Procuradoria-Geral não o faz? Não o fez por inércia, não o fez por omissão, não o fez por parcialidade. Porque ele que representa o órgão máximo de fiscalização e controle pela Constituição, que é o Ministério Público, ele simplesmente esquece o seu papel, a sua atribuição, e vai ser mero servo do presidente da República”, criticou nesta quarta-feira (16) a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
A parlamentar fez a declaração em sessão da Comissão de Direitos Humanos do Senado, em que o colegiado recebeu o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres. A reunião viu a repetição de argumentos apresentados pelos oposicionistas durante a CPI, como ataque ao que chamam de "negacionismo" do governo federal e à defesa do tratamento precoce.
Relembre as acusações contra Bolsonaro
A CPI da Covid acusou o presidente Bolsonaro de nove crimes: epidemia com morte como resultado; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade; e crimes de responsabilidade.
As acusações contra o chefe do Executivo se pautaram por ocorrências como as críticas dele à vacinação, a defesa do tratamento precoce e a promoção de eventos com aglomeração de pessoas. A citação à possível prevaricação foi motivada pela denúncia apresentada pelo deputado Luís Miranda (União Brasil-DF), que disse ter levado ao conhecimento de Bolsonaro a existência de um esquema para superfaturar a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde. A Polícia Federal, no último dia 31, disse não ter identificado prevaricação do chefe do Executivo no episódio.
Os indiciamentos feitos pela CPI a pessoas físicas se dividiram em seis grandes grupos: o dos atuais e antigos integrantes do governo; o de executivos e lobistas, que respondem, principalmente, sobre corrupção; o de políticos, como deputados federais e senadores; o de pesquisadores, que na avaliação da CPI estariam conduzindo pesquisas fraudulentas ou incorretas sobre a pandemia; o dos empresários, acusados de disseminarem notícias falsas sobre a Covid-19; e o de influenciadores digitais, alvo de acusação semelhante.