O novo governo da Argentina, do presidente Alberto Fernández, tem tentado passar por cima das divergências com Jair Bolsonaro para evitar perder as vantagens da parceria comercial com o Brasil. A disposição de dar o braço a torcer ficou clara nesta quarta-feira (12), em visita do ministro das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto da Argentina, Felipe Solá, a Brasília.
Solá se encontrou com Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores do Brasil, e com o presidente Bolsonaro. Chamou as reuniões de “um marco de aproximação e amizade” e indicou que o governo argentino está disposto a ceder em pautas que pareciam fadadas ao conflito após a troca de governo na Argentina – em dezembro, Mauricio Macri, presidente com políticas econômicas de viés liberal, deu lugar a Fernández, um kirchnerista.
Depois do encontro com Bolsonaro, Solá sugeriu que Fernández e o presidente do Brasil poderão ter uma reunião durante a posse de Lacalle Pou, presidente do Uruguai, que ocorre no dia 1º de março. Disse que a ideia partiu do próprio Bolsonaro.
Quando Fernández foi eleito, o presidente brasileiro afirmou: “Lamento. Eu não tenho bola de cristal, mas eu acho que a Argentina escolheu mal”. O argentino, por sua vez, já chamou Bolsonaro de “racista, misógino e violento” e disse que “não tem problemas em ter problemas com ele”. Além disso, Fernández é um entusiasta do ex-presidente Lula.
A expectativa do governo argentino é de que, apesar das diferenças relevantes no campo ideológico – que também envolvem, por exemplo, o tratamento dado à Venezuela –, a parceria comercial entre os dois países não seja afetada de forma relevante, a ponto de acentuar ainda mais a crise econômica da Argentina.
Para isso, os argentinos têm admitido, desde o começo do governo, a possibilidade de concessões importantes na área econômica, o que inclui revisões de posicionamento em relação ao Mercosul. Além disso, a chancelaria da nação vizinha vem fazendo esforços para mostrar que quer uma relação amigável com o Brasil. As reuniões desta quarta foram emblemáticas nesse sentido.
Problemas econômicos levam Argentina a pedir socorro
O governo argentino vive uma grave crise econômica, que se originou durante a presidência de Cristina Kirchner e não foi resolvida por seu sucessor, Mauricio Macri. Por isso, o momento é péssimo para que a Argentina entre em conflito com seu maior parceiro comercial no mundo. Em 2017, o Brasil foi o destino de 16% das exportações argentinas, e a origem de 27% de suas importações.
Solá destacou em declaração após a reunião com Araújo que “a Argentina tem uma recessão profunda”, uma inflação com “cifras astronômicas” e uma “dívida externa absurdamente alta”.
Contou que uma das prioridades do novo governo na área econômica tem sido pedir apoio a diversos países e ao governo brasileiro para negociar o pagamento da dívida argentina com o FMI.
“Pedimos ao Brasil que também nos apoie, da maneira que possa, no Fundo Monetário Internacional, porque é o primeiro degrau de uma escada que segue depois. No caso de fazermos um bom acordo, talvez possamos pedir mais tempo”, disse.
Crise facilita concessões ao Brasil
A crise econômica é tamanha que o governo argentino parece disposto a não criar resistência contra o Brasil em alguns aspectos importantes da política externa.
Fica claro, por exemplo, que o governo Fernández não deverá tomar caminhos distintos de Macri em relação à crise na Venezuela. Ao fim da reunião com Solá, o chanceler Ernesto Araújo comemorou a disposição da Argentina em ajudar o Grupo de Lima, conjunto de países americanos que buscam uma solução para a crise venezuelana e apoiam o governo de Juan Guaidó.
A Argentina, segundo Araújo, indicou que está junto com o Brasil na “determinação de trabalhar pela democracia na nossa região” e se dispõe a “contribuir para a transição democrática na Venezuela”. De acordo com o ministro, o governo argentino estará presente na próxima reunião do Grupo de Lima.
Outra concessão importante é em relação ao Mercosul. Araújo celebrou a disposição do governo argentino de preservar a linha de ação de Mauricio Macri, permitindo os acordos do bloco com outros países ou grupos. “Coincidimos em que vivemos um momento muito bom no Mercosul. Precisamos aproveitar este momento”, disse.
Solá afirmou que o governo argentino vai "tratar de não ser um entrave" às pretensões do Mercosul de firmar novos acordos com diversos países. “Vemos com uma mente aberta a possibilidade de acordos”, disse. A busca por acordos extrabloco é uma marca do Mercosul desde 2019. Em julho, o grupo assinou um acordo de livre comércio com a União Europeia e com a Efta (Associação Europeia de Comércio Livre). Para 2020, há a previsão de que assine acordos com Coreia do Sul, Cingapura e Canadá.
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