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Novo sistema de governo

Arthur Lira defende adoção do semipresidencialismo, mas sem afetar Lula

Presidente Arthur Lira (PP-AL), que mostra simpatia pelo semipresidencialismo. (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reiterou o seu apoio à implementação do semipresidencialismo para melhorar a estabilidade política dos governos. Ele sugere que esse modelo, no qual o presidente divide o poder com um primeiro-ministro eleito pelo Congresso, possa ser introduzido em 2030 ou 2034. Assim, essa mudança seria implementada sem prejudicar as prerrogativas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso seja reeleito para um quarto mandato, ou os direitos de um sucessor, que poderia exercer dois períodos seguidos de quatro anos.

Na visão de Lira, o semipresidencialismo aumentaria a estabilidade política. Isso porque, durante crises, o sistema tem ferramentas mais rápidas para substituir um premiê. Eles não dependem dos longos processos de impeachment característicos do presidencialismo em vigor. “Terminei o ano passado com mais de 180 pedidos de impeachment do presidente”, afirmou Lira.

Alguns exemplos dessas crises são cenários em que um presidente não tem apoio suficiente do Congresso para governar e o país fica estagnado ou o mandatário é suspeito em alguma investigação grave.

Mas, isso não significa que o semipresidencialismo seja imune à instabilidade política. Em teoria, quedas sucessivas de premiês ou a incapacidade do Parlamento escolher um primeiro-ministro também podem gerar cenários de grande instabilidade. Ou seja, na prática, o maior ganhador com a troca de sistema seria o Congresso, que sairia mais fortalecido.

Lira afirma que Constituição já é parlamentarista

Em 6 de março, durante um evento na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Lira recolocou o assunto em discussão, confirmando mais uma vez a sua simpatia pela mudança. Ele declarou que o semipresidencialismo permite uma melhor divisão de responsabilidades entre Congresso e presidente da República na condução do governo e, por isso, desarmaria a instabilidade política do país de uma vez por todas. “A Constituição já é parlamentarista. Não é razoável que não procuremos modelo mais adequado”, acrescentou.

Lira diz acreditar que o contexto partidário está preparando terreno para a adoção do novo sistema, pois está reduzindo o número de partidos políticos. Analistas avaliam que a existência de uma grande quantidade de partidos políticos poderia inviabilizar sistemas com características de Parlamentarismo, como é o caso do semipresidencialismo.

Entre as mudanças que têm reduzido o número de partidos políticos está a cláusula de barreira, que dificulta a criação de partidos nanicos e está em vigor nas eleições proporcionais. Além disso, o fim das coligações e o advento das federações estariam conduzindo à diminuição no número de legendas. Lira estima que restarão no Brasil no máximo oito partidos: dois de esquerda, dois de direita, dois de centro-esquerda e dois de centro-direita.

Ele fez questão de descartar o interesse de se tornar primeiro-ministro. Seu argumento é que não pretende continuar na política após 2030.

Em entrevistas quando era candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou de "golpe" a discussão propostas por Lira sobre a possibilidade de o Brasil mudar o sistema de governo. Ele e partidos de esquerda interpretaram a iniciativa como forma de tolher “a soberania popular” e o seu governo.

No semipresidencialismo, o governo é exercido pelo primeiro-ministro, que chefia o conselho de ministros. Ele não sofre impeachment, mas pode ser destituído por moção de desconfiança do Parlamento ou de censura, apresentada por dois quintos dos parlamentares ou pelo presidente.

Entre as principais vantagens do sistema, Lira apontou para a preservação da eleição por voto universal do presidente, que manteria poder significativo nas mãos, como veto a leis parlamentares, controle da constitucionalidade de normas, nomeação do primeiro-ministro e de outros cargos relevantes, além da faculdade de dissolução do governo.

O Congresso, por sua vez, teria papéis similares aos que tem no presidencialismo, de fiscalizar o governo, debater e aprovar leis e ajudar o primeiro-ministro com apoio parlamentar.

Mudança tende a sofrer resistência dos presidentes

A discussão em torno do assunto vem ocorrendo desde a Assembleia Constituinte (1987-1988), como possível solução para as crises políticas frequentes. Mas todos os presidentes da República desde então, exceto Michel Temer (MDB), sempre resistiram à ideia.

Segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, o novo modelo proposto para vigorar a partir de 2030 já vem sendo testado na prática, impulsionado por um crescente protagonismo do Congresso.

Em 2022, Lira criou um grupo de trabalho coordenado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) com vistas a implementar o sistema em 2030. Ainda não há perspectiva de organização de um novo grupo.

O sistema de governo atual vem ganhando aspectos semipresidencialistas ao longo dos anos, mesmo sem uma transição formal para esse novo modelo. Isso pode ser visto na proposta de parlamentares para que o Congresso faça uma avaliação na indicação de diretores das agências reguladoras, assim como no orçamento secreto, extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no final do ano passado. Ele permitiu que senadores e deputados obtivessem ainda mais verbas do Orçamento, só que sem transparência.

Esses dois casos são exemplos de fortalecimento do Congresso, que tem assumido funções que em tese seriam do Poder Executivo.

Debate sobre mudança de sistema volta à tona de acordo com desempenho do governo

De acordo com Eduardo Galvão, professor de Políticas Públicas do Ibmec-DF, o tema semipresidencialimo jamais deixou completamente a pauta do país e a sua relevância tem variado conforme o desempenho do governo em exercício. Durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a proposta quase voltou à agenda política devido à concessão de espaços de poder pelo então mandatário ao Legislativo. Isso incluiu a terceirização da gestão do Orçamento federal com o Congresso e a nomeação de parlamentares para cargos importantes no Executivo, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). Galvão ressalta que “o Parlamento ocupou rapidamente este vácuo, mas continua disposto a conquistar ainda mais poder”.

O especialista destaca como uma experiência significativa a parceria inédita entre Legislativo e Executivo durante o governo Temer (2016-2019). Ela garantiu, por exemplo, o orçamento impositivo, uma mudança que ampliou a interferência do Congresso sobre gastos públicos.

Com ela, parlamentares passaram a definir parte do Orçamento da União que não pode ser alterado pelo presidente da República. O ex-presidente do MDB também permitiu que medidas provisórias não trancassem totalmente a pauta do Congresso. Com a gestão Lula, ele vê pouco espaço para maior sinergia entre os Poderes, considerando a maneira fortemente centralizadora do atual presidente governar.

Para Galvão, Lula rejeita o semipresidencialismo e a perda de qualquer prerrogativa presidencial, “mas há variáveis que devem ser consideradas”. Entre elas estão o desempenho da economia e seu impacto na popularidade de Lula, o apoio do Poder Judiciário às ações do governo, e um ambiente político que não exija esforço de negociação. “Até o momento, no entanto, as coisas têm sido favoráveis ao presidente, como os pagamentos do Bolsa Família autorizados pelo STF a ficarem de fora do teto de gastos.”

Segundo Matheus Pimenta de Freitas, professor de Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), este é um momento oportuno para iniciar a estruturação do sistema semipresidencialista no Brasil. Ele ressalta que a implementação levará tempo, devido às muitas adaptações necessárias na Constituição e no regimento infraconstitucional, além de exigir considerável trabalho político. Neste sentido, o especialista acredita que 2036 seria o ano ideal para inaugurar o sistema, quando da conclusão do processo atual de enxugamento gradual do quadro partidário promovido pela legislação.

“A adoção do semipresidencialismo traria maioria parlamentar sólida para o governo, com minoria de oposição unificada. Isso porque o sistema combina elementos parlamentaristas e presidencialistas, garantindo a interdependência de Legislativo e Executivo e tendo um presidente que não tem apenas uma função representativa de chefe de Estado”, argumenta.

Freitas defende que os processos traumáticos de impeachment de presidentes por crime de responsabilidade nunca deixaram por completo o horizonte e evidenciam a imprescindibilidade de apoio congressual para governar. Ele ressalta que a mudança na direção do semipresidencialismo promoveria consistência ideológica dos partidos, esvaziando o radicalismo.

Por fim, Freitas destaca que, com um Congresso protagonista, as crises brasileiras motivadas pela compra de apoio de parlamentares pelo governo sempre estarão à espreita. Ele aposta que as legendas mais afeitas hoje a colocar o novo sistema em discussão seriam as do chamado centro político, como União Brasil, PSD e MDB, devido à perda de relevância do PSDB, historicamente mais ligado a esta proposta.

Na avaliação do cientista político Antonio Lavareda, a proposta de sistema semipresidencialista requer primeiro solidez programática e maior identificação com a sociedade por parte dos partidos. “Essa precondição, que é também do parlamentarismo, como governo de partidos, está longe a meu ver de ser preenchida pelo Brasil”, diz. Para ele, ainda vale para os detentores de mandato no Congresso a lógica individualizada e personalista, pois o eleitor “ignora a importância da maioria absoluta das legendas”.

Na opinião dele, para superar o cenário cartorial e burocrático dos partidos, a solução seria mudar o sistema de votação proporcional sem ordenamento de lista de candidatos. Isso porque esse modelo implementado em grandes distritos eleitorais (estados) estimula a competição desenfreada dentro das legendas e prejudica a própria coesão delas. “Portanto, sugiro que o Brasil adote o modelo de listas ordenadas, como ocorre no parlamentarismo, em que o eleitor vota na sigla e não diretamente no candidato, como maneira de fortalecer o vínculo entre sociedade e agremiações políticas”, defende.

O Brasil chegou a adotar o parlamentarismo no período republicano entre 1961 e 1963, após a renúncia de Jânio Quadros, num arranjo político para reduzir poderes do então vice-presidente João Goulart, que acabou assumindo a Presidência da República. O presidencialismo retornou após realização de plebiscito.

Em 1993, como previa a Constituição de 1988, nova consulta pública sobre forma de governo também confirmou a opção pela República presidencialista.

Sistema tem apoio explícito de ministros do Supremo

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), vem defendendo o modelo com o mecanismo de substituição do chefe de governo sem comprometer a estabilidade institucional. Em agosto de 2017, Gilmar Mendes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se reuniu com o ex-presidente Michel Temer (MDB) para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tratava do tema e que fora apresentada no ano anterior pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

No Judiciário, há outros defensores do sistema, como o ministro Dias Toffoli, do STF, que fez declarações criticadas por parlamentares que apontaram ativismo jurídico. “Na prática, nós já temos, um sistema semipresidencialista com poder moderador exercido pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou o magistrado durante a sua participação no 9º Fórum Jurídico Brasileiro, realizado em Lisboa, em 15 de novembro de 2021.

No mesmo evento, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu o debate sobre o semipresidencialismo, enaltecendo o papel do Congresso na pandemia.

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