Uma análise aprofundada dos 22 minutos do discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista, em São Paulo, no último domingo (25), revela aspectos adicionais à série de recados que ele deu sobre o atual cenário político e o cerco judicial que enfrenta. Sua fala também expôs uma clara intenção de fortalecer o movimento de direita no Brasil, incluindo a busca por apoio internacional, tanto para resistir às pressões quanto para mobilizar simpatizantes com foco nas eleições 2024 e de 2026.
Diante da necessidade urgente de recuperar espaços para a oposição, que têm sido alvo de decisões judiciais nos últimos anos, Bolsonaro destacou os prejuízos à liberdade e o perigo de interdição de aliados nas urnas. Diante de um público estimado em 750 mil pessoas pela Polícia Militar, ele baseou as suas declarações no duelo de fundo espiritual entre o bem e o mal, na perseguição crescente aos oposicionistas e, sobretudo, no desrespeito à Constituição por membros dos tribunais superiores.
A condução do evento pelo pastor Silas Malafaia confrontou a mais recente e pesada acusação contra Bolsonaro – a de trama golpista. Não por acaso, o slogan escolhido para o ato, de defesa do Estado Democrático de Direito, repete o refrão dos inquéritos judiciais, especialmente aquele relacionado à Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal (PF). O ex-presidente negou essa acusação de tentativa de golpe de Estado, sem citar nomes como o do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora não integrasse o seu discurso, Bolsonaro incorporou e catalisou a reação de evangélicos e outros grupos contra a crise diplomática entre Brasil e Israel, em apoio ao povo judeu, expressa simbolicamente na exibição de bandeiras israelenses.
A seguir, as sete intenções abrigadas no discurso de Bolsonaro na Paulista.
1. Ungir os líderes da direita que o acompanham
Dentre os líderes que atenderam à convocação de Jair Bolsonaro para o ato na Paulista, ele mostrou gratidão especial pelo principal anfitrião do dia, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mas também fez menção positiva aos outros governadores presentes – Romeu Zema (Minas Gerais), Jorginho Mello (Santa Catarina) e Ronaldo Caiado (Goiás). Com isso, além da fotografia com aqueles que reforçam a sua defesa contra a perseguição política, Bolsonaro acabou capacitando aqueles que buscam também apoio do eleitorado mais fiel ao ex-presidente. “Tarcísio (de Freitas) pegou um orçamento minúsculo e fez grandes obras pelo país”, elogiou.
2. Barrar a exclusão de opositores competitivos das urnas
Numa referência às ações policiais que tiveram como alvo deputados do PL fluminense que são pré-candidatos a prefeito este ano e a mais recente, que cortou canais de comunicação entre integrantes da cúpula do maior partido de oposição, Bolsonaro condenou as barreiras judiciais à participação de nomes competitivos nas urnas. Nesse sentido, fez um apelo às consciências de julgadores e conclamou apoiadores a “capricharem no voto”, sobretudo de vereadores, e de fazerem trabalho de base, para ampliar ao máximo o resultado eleitoral da oposição em 2024. “Não podemos concordar que um poder tire do palco político quem quer que seja. A não ser que seja por um motivo extremamente justo. Não podemos pensar em ganhar as eleições afastando os opositores do cenário político”, protestou.
3. Impulsionar campanha pela anistia de condenados do 8 de Janeiro
O ex-presidente conduziu todo o discurso apontando o drama humano dos condenados no 8 de Janeiro, como uma marca de injustiça, retratada pelos “órfãos de pais vivos”. A partir desse relato, revelou a intenção de deflagrar uma campanha nacional pela anistia dos condenados, contornando a muralha do Judiciário pela via do Legislativo. Há projetos em tramitação neste sentido na Câmara e no Senado.
Bolsonaro ressaltou que busca a “pacificação” e que o país já anistiou no passado “quem fez barbaridade no Brasil”. Ele apoia a punição aos que vandalizaram o patrimônio público, mas ressaltou que as penas aplicadas aos demais “fogem ao mínimo da razoabilidade”. “Quando o Estado Democrático de Direito não é respeitado, aquela minoria fabrica órfãos de pais vivos. É lamentável o que vem acontecendo. O abuso por parte de alguns, que trazem a insegurança para todos nós”, sublinhou.
4. Buscar reiniciar o jogo da polarização política em novas bases
Ao destacar que pretende “virar a página de 2022” e focar no trabalho para fazer a oposição ter uma reação consagradora nas urnas em 2024 e 2026, Bolsonaro buscou ampliar o leque de alianças e manter a esperança do eleitorado conservador por uma virada no cenário atual. Nesse sentido, a fala do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que apontou Bolsonaro não mais como ex-presidente, mas alguém pessoalmente próximo e um movimento em favor das bandeiras da família, da pátria, da liberdade econômica e de outras bandeiras conservadoras. “Não há vencedores ou vencidos. Todos seremos vencedores se a paz de Deus reinar sobre o coração de cada um de nós”, disse Bolsonaro sobre a necessidade de conciliação.
5. Reforçar bandeiras da direita sem “cair na malha fina do STF”
Logo nas primeiras frases do seu discurso, Bolsonaro fez questão de enaltecer a liberdade como “bem maior”, mas que demanda sacrifícios e atenção permanente de todos para ser preservada. Para externar um pensamento que se choca com o atual governo federal, listou os pontos diferenciadores dos conservadores, como a resistência à ideologia de gênero e à liberação das drogas e a defesa da propriedade privada.
Mas por estar sendo limitado pelos inquéritos contra ele seus aliados, buscou contornar outras pautas, expressando-se de forma implícita sobre temas como flexibilização do porte de armas e busca por mais transparência eleitoral. “Aquela coisa que aconteceu em outubro de 2022 é uma página virada na nossa história, porque sabemos o que precisa ser feito para o futuro. Para que todos não tenham dúvidas da transparência daquilo que devemos ter, em especial quando se elege um representante nosso”, disse Bolsonaro em alusão ao sistema eletrônico de votação. A ofensiva mais direta contra “os abusos de alguns”, ele deixou por conta de outros oradores, sobretudo de Silas Malafaia.
6. Tentar expor "perseguição política" pela via do Judiciário
Listando algumas das muitas acusações de que é alvo, sobretudo após deixar a presidência, Bolsonaro descreveu como perseguição política a série de denúncias na Justiça. “Saí do Brasil e essa perseguição não acabou. É joia. É a questão de importunação de baleia. É dinheiro que seria mandado para fora do Brasil. É tanta coisa que eles mesmos acabam trabalhando contra si”, discursou.
Ele aproveitou a oportunidade do discurso na Paulista para negar a suposta participação em um plano de um golpe de Estado. “O que é golpe? Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. É trazer classes políticas para o seu lado, empresariais. Nada disso foi feito”, disse.
7. Contrastar apoio nas ruas do Lula eleito e do Bolsonaro derrotado
Como provocação ao presidente Lula e sutil crítica ao processo eleitoral de 2022, Bolsonaro voltou a fazer a comparação do atual governo como o time campeão sem torcida. “Mostramos (com a manifestação na Paulista) que podemos até ver um time de futebol sem torcida ser campeão, mas não conseguimos entender como existe um presidente sem o povo ao seu lado”, disse.
Ele explorou com isso a curiosidade de haver um governante eleito que não consegue atrair simpatizantes nas ruas, como prova de apoio popular. A manifestação com centenas de milhares de pessoas na Avenida Paulista, convocada pelo próprio ex-presidente, visou mostrar força política e respaldo popular quando ele e aliados são assediados por inquéritos da Polícia Federal e do STF.
Especialistas apontam alvos do discurso dentro e fora do país
Para o cientista político Ismael Almeida, o discurso de Bolsonaro na Paulista buscou abrangência nacional, mas também revelou o propósito de atrair a atenção de observadores do exterior. Nesse sentido, o ex-presidente habilmente aproveitou a presença de representantes da área financeira de governos do G20 na capital paulista para reunião preparatória ao encontro de cúpula, para fazer com que relatos e imagens do ato político tivessem repercussão internacional.
Embora entenda que a fala de Bolsonaro não interfira no andamento dos processos judiciais contra ele, nos quais se observa uma tendência punitiva irreversível, Almeida identifica mudança significativa no cenário político a partir dela. “Ao adotar postura moderada e direcionar o foco para desafios futuros, Bolsonaro conseguiu unir a oposição para além da sua própria figura”, disse.
O especialista destaca que a “cruzada” do presidente Lula indistintamente contra membros da oposição, ajudou a aproximar até mesmo oposicionistas de direita que se distanciavam em razão de Bolsonaro. “Tal qual avaliou o governador Tarcísio de Freitas, ao se tornar um movimento, o ex-presidente impulsiona uma ideia, o que é bem mais difícil de ser detido do que um personagem”, finalizou.
Paulo Kramer, professor de ciências políticas e consultor, avalia que o discurso da Paulista deu novo alento à oposição, que vinha se sentindo acuada e intimidada com a escalada do STF contra participantes dos supostos “atos antidemocráticos do 8 de Janeiro”. O ato político serviu também para reafirmar o papel de Bolsonaro como principal cabo eleitoral do pleito deste ano, além de “grande eleitor” em 2026.
O especialista observou ainda que, ao procurar popularizar o desmonte da narrativa de Judiciário e Executivo sobre o 8 de Janeiro, o discurso de Bolsonaro na Paulista também procurou semear dúvidas naqueles que não tinham prestado atenção nos fatos. “Por fim, outro efeito nada desprezível do sucesso da megamanifestação foi o de fortalecer a ala mais combativa do PL, maior legenda de oposição, diante de certo arrefecimento de sua ala pragmática, temerosa da perseguição da esquerda e atraída pelas benesses do Executivo”, disse.
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