A decisão do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de se licenciar do mandato e permanecer nos Estados Unidos, numa espécie de autoexílio, representa o movimento mais ousado da direita brasileira para expor – dentro e fora do país – a perseguição política que sofre do Judiciário.
Diante do cerco ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao seu entorno, que se fecha com rapidez, a iniciativa do parlamentar dribla a iminente interdição do Supremo Tribunal Federal (STF) à sua articulação política junto à Casa Branca, ao Congresso dos EUA e até a Justiça americana.
O provável pedido de asilo político de Eduardo Bolsonaro fortalece argumentos da crítica da direita à atuação do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ao se incluir na lista de exilados brasileiros, o parlamentar escala as pressões por retaliações dos EUA.
Na sequência da decisão de seguir nos EUA, Eduardo Bolsonaro iniciou uma série de contatos com parlamentares e participações em mídias conservadoras dos EUA, visando intensificar denúncias e manter o governo do presidente Donald Trump ciente dos últimos episódios.
Com o autoexílio, o deputado promete empregar agora todo o seu tempo, foco e redes de contatos políticos nos EUA para a missão de desencadear uma reação externa contra os abusos de Moraes, “para colocar um fim à ditadura e fazer o Brasil voltar a respirar liberdade”.
Abrigo da lei americana garante mais liberdade para agir, diz Eduardo Bolsonaro
A família Bolsonaro tem reiterado que o impasse institucional no Brasil acabou por requerer auxílio do exterior, considerando a inexistência de autoridades ou instâncias dentro do próprio país para as quais se possa recorrer contra abusos sofridos por parlamentares e cidadãos comuns.
Em apoio a essa constatação, Eduardo Bolsonaro lembrou em entrevistas dadas por ele já na condição de autoexilado que, como cidadão protegido pelas leis americanas, goza de mais liberdade de expressão do que como parlamentar, cujas prerrogativas têm sido violadas por Moraes.
Um dos principais nomes da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e um dos mais duros críticos de Moraes, o parlamentar vinha colhendo resultados do longo esforço pessoal para denunciar a escala autoritária no país e forjar parcerias no exterior.
No vídeo de 10 minutos divulgado nesta terça-feira (18) nas suas redes sociais, Eduardo Bolsonaro anunciou que se afastará temporariamente do Congresso brasileiro para focar na ampliação de apoio internacional contra o que classificou de perseguição à sua família, aliados e apoiadores.
Virtual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, a decisão de seguir nos EUA também o fez recuar desse posto estratégico, transferido por ele ao deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara. Posteriormente, veio a informação de que o posto deve ficar com Filipe Barros (PL-PR). De toda forma, o filho de Bolsonaro deverá continuar sendo o coordenador internacional do PL.
Permanência de Eduardo Bolsonaro nos EUA deflagra nova guerra de narrativas
Sem previsão de retorno ao Brasil, Eduardo Bolsonaro tem intensificado a discussão com congressistas dos EUA acerca de sanções contra Moraes e outros membros do Judiciário desde a vitória de Trump. Ele tem ressaltado violações de direitos de empresas e cidadãos, inclusive de americanos.
Como ocorre com frequência na política nacional, marcada desde a última década pela polarização, o anúncio de que Eduardo Bolsonaro ficaria nos EUA gerou imediata guerra de narrativas. Governistas prontamente classificaram o gesto dele como "fuga covarde", sugerindo que o pai seguiria mesmo caminho.
A oposição, por sua vez, interpretou a decisão do deputado como um ato de coragem, desprendimento e sacrifício - tomada após o dilema em que se encontrava. Para os parlamentares conservadores, o colega escolheu lutar por convicções e abdicar de vantagens vindas do cargo.
Ao cumprimentar Eduardo Bolsonaro pelo “gesto de amor ao país”, o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) salientou que o colega decidiu se asilar para não ser preso no seu retorno ao país, conforme sugerem ameaças dos deputados petistas Lindbergh Farias (RJ) e Rogério Correia (MG).
Em vídeo, os governistas avisaram que esperavam pela apreensão do passaporte do dono da maior votação da história para a Câmara assim que entrasse no Brasil, de modo “a não mais poder voltar aos EUA”. “Se Trump tivesse perdido, a repressão no Brasil seria maior”, disse Marcon.
No mesmo dia que Eduardo Bolsonaro anunciou sua licença, Alexandre de Moraes arquivou o pedido de deputados petistas para reter seu passaporte e abrir investigação contra ele. A decisão acompanhou o parecer do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, que não viu razões para isso.
Reação de STF e PGR no rastro do anúncio de Eduardo Bolsonaro alimenta suspeitas da oposição
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) avaliou que Eduardo Bolsonaro foi provocado a se exilar devido à “perseguição implacável” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados. “Ficou claro que esperavam sua volta ao país para tirar o passaporte na chegada e o prender, como vimos noutros casos”, opinou o parlamentar do RS.
Para Van Hattem, a decisão de Eduardo demonstra a censura prévia e o ambiente hostil à oposição, impedida de expressar opinião da tribuna. “A reação do PGR, logo na esteira do anúncio do deputado, visou encurtar a humilhação internacional, mas evidenciou a perseguição”, salientou.
Na avaliação de Van Hattem, a “decisão difícil” de Eduardo Bolsonaro traz impactos políticos para toda a oposição. Mas ele acredita que Moraes foi o "grande perdedor", saindo enfraquecido. “Com o colega exilado, seguiremos com denúncias de nossas missões oficiais”, acrescentou.
O jurista André Marsiglia também chamou atenção para a postura do PGR e de Moraes após o anúncio de que Eduardo Bolsonaro iria permanecer nos Estados Unidos. “Antes, mantinham absoluto silêncio sobre o pedido de retenção do passaporte. Pouco depois, tudo se resolve. Por quê?”, questionou.
Segundo o especialista, as autoridades do Judiciário estariam só aguardando a volta do deputado para então, possivelmente, decretar uma prisão preventiva sem fato determinado. “Isso ignora que defender o Legislativo de investidas de outros poderes é atribuição constitucional do parlamentar”, criticou.
Especialistas veem no gesto de Eduardo estratégia para reforçar ações
O professor de Ciências Políticas Antonio Flávio Testa crê que Eduardo Bolsonaro priorizará gestões em favor da aplicação, pela Casa Branca, da Lei Magnitsky, que prevê sanções financeiras e negativa de entrada nos EUA a estrangeiros corruptos ou violadores de direitos humanos.
“As denúncias que Eduardo fará contra Alexandre de Moraes em solo americano sobre censura e perseguição terão forte impacto lá. O presidente Trump e o seu secretário Marco Rubio poderão com isso agir ainda mais rapidamente”, avaliou o especialista.
Já o cientista político Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium, considera o gesto como parte da estratégia da família Bolsonaro para preservar a influência do ex-presidente e impedir a prisão dele no processo por suposta trama golpista sob análise do STF.
“A manifestação de domingo em defesa da anistia dos réus do 8 de janeiro foi importante, mas não conseguiu o efeito esperado: criar um fato político nessa sequência de ações que fazem parte da estratégia principal dos Bolsonaro. Daí a decisão de redobrar a aposta”, resumiu.
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