Ao menos cinco ex-assessores do presidente Jair Bolsonaro tiveram quebra dos sigilos bancário e fiscal na investigação sobre as movimentações financeiras do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República.
Os assessores trabalharam tanto no gabinete do pai, na Câmara dos Deputados, como no do filho, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao longo do período que engloba a quebra dos sigilos, de janeiro de 2007 a dezembro de 2018.
São eles Daniel Medeiros da Silva, Fernando Nascimento Pessoa, Jaci dos Santos, Nelson Alves Rabello e Nathalia Melo de Queiroz -esta filha de Fabrício Queiroz, policial militar aposentado que era uma espécie de chefe de gabinete de Flávio na Assembleia e um dos alvos da investigação.
A quebra dos sigilo atinge um total de 86 pessoas e nove empresas e é o primeiro passo judicial de investigação após um relatório do governo federal, há quase 500 dias, ter apontado movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Queiroz.
Além do volume movimentado na conta de quem era apresentado como motorista de Flávio, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo, em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia, onde Flávio foi deputado durante 16 anos (2007-2018).
Integrantes de órgãos de controle chamaram de "avassaladora" a devassa de mais de dez anos nas contas do filho do presidente e de pessoas ligadas a ele -cenário agravado com o ingrediente de assessores que atuaram para o presidente Bolsonaro.
Os cinco ex-assessores do presidente
Entre os cinco que atuaram tanto para Flávio como para Jair, Nelson Rabello é o que tem maior tempo de serviços prestados à família Bolsonaro. Tenente da reserva, serviu com o presidente no Exército e, desde 2005, está lotado em algum gabinete do grupo -o que inclui o do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).
Nelson ficou no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro por seis anos, de março de 2005 a maio de 2011. Antes disso, teve breve passagem de um mês na Câmara do Rio como assessor de Carlos.
Após deixar o gabinete de Jair em 2011, virou assessor de Flávio de maio a agosto de 2011. Ele teve os sigilos quebrados por 12 anos em razão desse período de três meses na Alerj. Logo em seguida, voltou à Câmara dos Deputados para trabalhar com o hoje presidente, onde ficou até 2018. Atualmente é assessor de Carlos Bolsonaro na Câmara do Rio.
Outros dois nomes com os sigilos quebrados e que trabalharam tanto para Flávio como para Jair já estiveram em evidência por relações anteriores com a família Bolsonaro.
Um deles, Jaci dos Santos, é um ex-soldado que trabalhou como motorista da família. Está em nome dele uma das vans declaradas à Justiça Eleitoral pelo atual presidente, para quem ele atuou por sete meses.
Já Nathália, filha de Queiroz, ficou um ano e dez meses no gabinete de Bolsonaro na Câmara. Ela havia deixado o gabinete de Flávio em dezembro de 2016 e ficou com o presidente até outubro de 2018, quando foi exonerada na mesma data em que o pai, Fabrício Queiroz, da Assembleia.
Nathália trabalhava como personal trainer em academias do Rio de Janeiro no período em que esteve nomeada nos gabinetes da família.
Além de ao menos 65 ex-assessores, foram alvos da medida judicial o próprio senador, sua mulher, Fernanda, sua empresa, além de pessoas e firmas que fizeram transações imobiliárias consideradas suspeitas com Flávio.
Queiroz confessou receber parte de salários
Após virar alvo da investigação que atingiu o filho do presidente, Fabrício Queiroz admitiu que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete na Assembleia do Rio. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio Bolsonaro, sem o conhecimento do então deputado estadual.
Flávio Bolsonaro tentou por duas vezes paralisar na Justiça as investigações do caso, sob o argumento de quebra ilegal de sigilo bancário. O filho do presidente perdeu no STF (Supremo Tribunal Federal) e no Tribunal de Justiça do Rio.
Conforme as decisões, a mera solicitação de manifestação do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) não constitui quebra de sigilo.
No caso de Flávio, uma comunicação do Coaf se refere a 48 depósitos sequenciais de R$ 2.000 em espécie em sua conta bancária de 9 de junho a 13 de julho. O senador afirmou que esses valores se referem a uma parcela do pagamento que recebeu em dinheiro pela venda de um imóvel no período e que foram depositados por ele mesmo num caixa eletrônico.
Também são alvo da investigação duas ex-assessoras de Flávio e dirigentes do PSL da cidade do Rio de Janeiro. Tiveram o sigilo quebrado Valdenice de Oliveira Meliga, tesoureira da campanha do senador, e a contadora Alessandra Ferreira de Oliveira, respectivamente presidente e vice da sigla no município.
Como a Folha de S.Paulo revelou em fevereiro, a empresa de Alessandra e parentes de Valdenice foram beneficiados com verba pública do fundo eleitoral.
A empresa da contadora, também tesoureira do PSL-RJ, recebeu R$ 55,3 mil de 42 candidatos, sendo a maioria mulheres que só receberam a verba do diretório nacional na reta final da eleição.
Outro lado
O advogado Paulo Klein, que defende Fabrício Queiroz e sua família, disse que pretende interromper as investigações em razão de ilegalidades que vê desde o início da investigação até a quebra de sigilo.
Ele afirmou que vai apresentar um habeas corpus no Tribunal de Justiça esta semana com este objetivo. "A decisão fere o princípio da individualização, porque a decisão não diz o porquê da necessidade de violar o sigilo bancário e fiscal de tantas pessoas sem definir minimamente a necessidade em cada caso."
A autorização de quebra de sigilo, assinada pelo juiz Flávio Itabaiana, tem apenas três parágrafos no qual concorda com o pedido do Ministério Público. O texto é seguido de uma lista de 95 investigados e ordens aos órgãos competentes para que forneçam os dados requeridos.
Klein repete também argumentos da defesa de Flávio Bolsonaro, segundo a qual o procedimento é ilegal desde o início em razão da falta de autorização judicial para investigar o senador.
"Desde o início a investigação tem como foco o senador Flávio Bolsonaro. Portanto, à época, havia necessidade de autorização do TJ para que fosse investigado [em razão do foro de deputado estadual, cargo do senador à época]. O Ministério Público dissimulou o fato dele ser investigado justamente para burlar essa necessidade de requerimento judicial. Isso macula a investigação desde a origem", disse o advogado.
O Ministério Público nega que Flávio fosse alvo no início da investigação e afirma que a apuração se concentrou inicialmente em Queiroz.
O advogado do ex-assessor de Flávio diz também que houve quebra de sigilo bancário "por via transversa" quando a Promotoria cruza as comunicações enviadas pelo Coaf com informações cadastrais de bancos.
A reportagem tentou contato com Nelson, Fernando, Daniel e Jaci, mas não obteve retorno. O Palácio do Planalto disse que não comentaria o caso.
A assessoria de Flávio não respondeu até a conclusão deste texto. Na segunda (13), o senador havia dito que era alvo de uma investigação ilegal.
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