José Dirceu (PT), o ex-ministro da Casa Civil do governo federal entre 2003 e 2005 e considerado homem forte dos governos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve suas condenações na Lava Jato anuladas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em decisão proferida no início desta semana. A anulação abrange acusações e sentenças de cerca de 23 anos de prisão que envolviam crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ela restabelece os direitos políticos de Dirceu, que cumpria a pena em liberdade.
Pela Lava Jato, o ex-deputado e ex-ministro chegou a ser preso em 2015 e em 2017 e passou a responder em liberdade depois de um habeas corpus ser concedido pelo STF. Em um dos casos pelo qual foi condenado, Dirceu foi acusado de receber propinas de uma empresa privada da área de petróleo e gás, de 2009 a 2012, para favorecer contratos com a Petrobras. Ele teria utilizado sua influência para manter o executivo Renato Duque na Diretoria de Serviços da estatal e direcionar licitações. Em 2016, Dirceu foi condenado a 23 anos de prisão, mas a pena foi posteriormente reduzida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Com a nova decisão desta semana, ele deixa de ser “ficha suja” e poderá voltar à vida pública e disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados em 2026, como já manifestou interesse. As anulações por Gilmar Mendes atendem a um pedido da defesa de Dirceu feito logo após o fim das eleições municipais. A decisão do ministro do STF estendeu a Dirceu os efeitos da decisão que declarou o ex-juiz, agora senador, Sergio Moro (União-PR), parcial em processos contra o presidente Lula.
Outra condenação anulada envolvia uma empreiteira que foi condenada por corrupção. Em 2016, Dirceu havia sido condenado a 23 anos e três meses de prisão, sentença posteriormente reduzida a 8 anos e 10 meses. Em fevereiro de 2023, a Quinta Turma do STJ retirou a acusação de lavagem de dinheiro, fixando a pena em 4 anos e 7 meses em regime semiaberto, considerando a lavagem de dinheiro um desdobramento do delito de corrupção.
Com a decisão de Gilmar Mendes, os processos contra Dirceu que ainda tramitam no STJ podem perder efeito, uma vez que as condenações foram anuladas. Porém, na terça-feira (29), um dia depois da decisão de Gilmar Mendes de anular as condenações de José Dirceu na operação Lava Jato, a ministra do STJ Daniela Teixeira, relatora de um processo que tramita na Corte que condenou Dirceu em 2022 por recebimento de R$ 15 milhões em propina, deu andamento ao processo. Ela liberou recursos de defesa do ex-ministro para apreciação dos cinco magistrados que integram a Quinta Turma, o que deve ocorrer no dia 3 de dezembro.
Para a relatora, a decisão do STF teria anulado as condenações e não o processo completo, mantendo a análise judicial na Corte. Caso os recursos sejam rejeitados, o fim da inelegibilidade de Dirceu determinado pelo STF não será afetado, mas o caso poderá retornar à Justiça Federal do Paraná, ou seja, à primeira instância.
Em abril de 2022 o STJ confirmou decisão monocrática do desembargador convocado Leopoldo de Arruda Raposo no TRF-4 que mantinha a condenação de José Dirceu e de outros réus na Lava Jato por recebimento de propina.
No agravo regimental apresentado contra a decisão monocrática de Leopoldo Raposo à época, a defesa do ex-ministro alegou inépcia da denúncia, por não ter descrito com detalhes em que circunstâncias ocorreram os delitos imputados a ele.
A defesa também sustentou que a condenação nas instâncias ordinárias foi pautada em meros indícios, o que violaria o princípio da presunção de inocência.
O desembargador convocado Jesuíno Rissato destacou no julgamento de 2022, ao confirmar a condenação, que havia elementos suficientes para embasar as acusações e propiciar o pleno exercício do direito de defesa.
Em relação à condenação nas instâncias ordinárias, Jesuíno Rissato ressaltou que a “formação da culpa dos réus se deu por meio de extensa análise dos elementos de convicção colhidos durante a instrução probatória, em especial após a avaliação do depoimento dos colaboradores e das provas documentais, a exemplo de notas fiscais, transferências bancárias e dados telefônicos”.
Em seu voto, o desembargador convocado ainda lembrou que, segundo documentos juntados aos autos, “o ex-ministro teria recebido mais de R$ 15 milhões a título de propina e lavado mais de R$ 10 milhões – elementos que, ao lado das demais circunstâncias dos autos, justificam maior grau de reprovabilidade da conduta”.
STF anulou outra condenação de José Dirceu em maio deste ano
Em maio deste ano, a Segunda Turma do STF já havia extinguido uma condenação imposta a Dirceu por corrupção passiva por entender que o crime estava prescrito quando a denúncia foi recebida, em 2016.
Em sua decisão nesta semana, Gilmar Mendes afirma que elementos vazados dos bastidores da operação Lava Jato e outros dados do processo indicam coordenação entre Moro e a força-tarefa da operação, para acusar Dirceu de forma a sustentar acusações futuras contra Lula. Moro rebate as críticas e diz haver provas robustas que sustentam a condenação.
Segundo Gilmar Mendes, a falta de imparcialidade prejudicou o direito de Dirceu a um julgamento justo. “Essa decisão, contudo, não estabelece a inocência de Dirceu”, destaca o advogado Márcio Nunes.
A Procuradoria Geral da República se manifestou de forma contrária à anulação das sentenças. A PGR destacou que o pedido da defesa de Dirceu é composto apenas de alegações que não poderiam ser analisadas pelo STF.
Defesa de Dirceu diz que condenações queriam atingir o presidente Lula
O advogado de defesa de José Dirceu, Roberto Podval, declarou que a decisão do STF "entende que os processos contra Dirceu tinham por objetivo real atingir o presidente Lula, demonstrando a quebra de parcialidade nas ações". A defesa havia solicitado que as condenações fossem anuladas “devido à parcialidade do ex-juiz Sergio Moro em casos envolvendo Lula”.
Em resposta, o ex-juiz e atual senador Sergio Moro criticou a decisão, afirmando que Dirceu é um dos maiores símbolos da corrupção nos governos do PT e que as sentenças da Lava Jato haviam sido confirmadas por outras instâncias, como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e o STJ.
Moro citou que em uma das sentenças, um contrato da Petrobras com a empreiteira corrupta estabelecia uma taxa de propina entre 0,5% e 1%, somando mais de R$ 50 milhões dos quais R$ 15 milhões seriam destinados a Dirceu. O senador questionou a coerência das anulações em respeito às leis e negou que tenha agido com parcialidade.
Segundo Moro, as provas documentais demonstravam que Dirceu se beneficiou de recursos ilícitos, o que ele tentou justificar como um “empréstimo” sem documentação. Moro reiterou que as sentenças da Lava Jato nunca foram anuladas ou reformuladas com base em inocência dos acusados, mas criticou a "narrativa fantasiosa" de perseguição que, segundo ele, é infundada.
Para Moro, nunca houve conspiração ou parcialidade, e os casos envolveram evidências concretas, provas e confissões de corruptores e corrompidos. O ex-juiz disse que se cria agora uma visão distorcida dos processos.
“O ex-ministro não teve condições de negar que aquele dinheiro o tinha beneficiado, mas para criar um álibi disse que recebeu um empréstimo do intermediador de propina e suborno, o que não se sustentava porque não tinha contrato [do empréstimo], não tinha dinheiro voltando, era só dinheiro indo pra ele”, conta.
“Como é que você vai defender ao cidadão comum que vale a pena ser honesto? Que a lei deve ser respeitada? Eu nego isso, mas ainda que nas minhas condutas houvesse algum vício, alguma parcialidade com relação a esse caso, o que jamais houve, são fatos objetivos reconhecidos de uma sentença com provas e lei, essa sentença havia sido mantida pelo Tribunal da 4ª Região, pelo STJ, então vamos acreditar que todos estavam envolvidos em uma gigantesca conspiração para condenar um inocente? Isso nunca existiu”, completa.
Moro reforçou outros atos de corrupção que Dirceu estava envolvido, como o esquema que ficou conhecido como Mensalão. Segundo o STF, Dirceu foi o grande articulador do esquema.
“Dirceu é um dos grandes símbolos da corrupção dos governos do PT. Quem diz não sou eu, é o Supremo Tribunal Federal no caso do Mensalão (...) que deixou muito claro o papel de mentor do ex-ministro José Dirceu no direcionamento de pagamento de suborno para a compra de votos de parlamentares federais naquele que até então era conhecido como o maior escândalo de corrupção do país e que foi superado [pela corrupção revelada] pela operação Lava Jato”.
Trajetória política e polêmicas de corrupção envolvendo José Dirceu
José Dirceu foi eleito deputado federal em 2002 e tomou posse em janeiro de 2003, mas logo deixou a cadeira na Câmara dos Deputados para assumir o cargo de ministro da Casa Civil de Lula, ficando no posto até 2005. Foi neste ano que o escândalo do Mensalão se tornou público. Segundo o STF, o esquema envolvia desvio de recursos e compra de apoio político no Congresso. Dirceu coordenava o pagamento mensal de elevadas somas em dinheiro para parlamentares apoiarem pautas do governo no Congresso. Em novembro daquele ano, Dirceu teve o mandato cassado na Câmara dos Deputados e perdeu os direitos políticos por oito anos.
No fim de 2012, no caso do Mensalão, Dirceu foi condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha. Teve a prisão decretada no fim de 2013. No fim de 2014 foi para a prisão domiciliar e, em paralelo, começou a ser investigado pela pela Lava Jato. Em agosto de 2015, voltou para a prisão, após condenação na Lava Jato.
Em 2016, Dirceu foi perdoado pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, da pena de 7 anos e 11 meses de prisão por causa do Mensalão. Mas ele seguiu preso até maio de 2017 por causa de condenações na Lava Jato, quando passou a responder em liberdade, até a anulação das condenações nesta semana.
A Gazeta do Povo solicitou à assessoria de Dirceu uma entrevista com o ex-ministro, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
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