O atentado a tiros sofrido pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump neste sábado (13), durante um comício de sua campanha para tentar retornar à Casa Branca, provocou novo engajamento não apenas entre seus apoiadores. No Brasil, parlamentares conservadores, sobretudo os mais próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), reagiram rapidamente ao episódio, considerando-o um impulso à candidatura do republicano e um reforço ao discurso dos principais nomes da direita mundial de que existe perseguição contra esse espectro político.
Após uma semana em que Bolsonaro enfrentou o avanço de inquéritos da Polícia Federal (PF) sobre o suposto desvio de joias sauditas e sobre a eventual formação de uma “Abin paralela” no seu governo, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que o dramático episódio da corrida presidencial americana afetou o cenário brasileiro, com reflexo direto no noticiário e favorecendo a tese de perseguição à oposição.
Comparado instantaneamente ao ataque a faca contra Bolsonaro em 2018, também durante a corrida presidencial, o atentado contra Trump se juntou à série de similaridades nas trajetórias dos ex-presidentes pela busca do comando das maiores nações das Américas. Ambos escaparam da tentativa de assassinato por muito pouco, algo que eles mesmos atribuíram em entrevistas a um milagre de Deus.
Trajetórias dos ex-presidentes colecionam série de coincidências
Além de serem alvo da violência política, Bolsonaro e Trump compartilham ainda o fato de enfrentarem problemas com a Justiça em diversas frentes, terem seus governos seriamente prejudicados pelo impacto da Covid, serem alvo de críticas recorrentes de grupos de mídia tradicional e, ainda, serem acusados de instigar revoltas populares contra as suas derrotas nas urnas.
Outras coincidências reforçam a percepção de que Trump e Bolsonaro, com suas personalidades carismáticas e milhões de seguidores nas redes sociais e nas ruas, se opõem às posturas e lideranças estabelecidas nos meios político, jurídico, midiático e na sociedade civil.
Eleitos uma vez por essa postura antissistema, eles foram derrotados quando tentaram a reeleição. Apesar disso, mantiveram a sua relevância durante os governos de seus adversários, políticos conhecidos e consolidados do lado rival.
Para os apoiadores do mandatário brasileiro, o atentado na campanha dos EUA serviu também revigorar a perspectiva de um maior favoritismo do candidato republicano na eleição de novembro, visto como um forte representando na luta contra o establishment, e também para fortalecer a imagem de Bolsonaro diante do crescente cerco pela PF e o Judiciário.
Aliados apontam atentado como recurso final para tirar líderes da direita de cena
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) estabeleceu nas redes sociais uma linha de argumentação que foi seguida prontamente pela maior parte da bancada de direita no Congresso, apontando o atentado contra Trump como uma repetição de fatos ocorridos no Brasil, na campanha de 2018.
“O método é o mesmo: primeiro eles te cancelam, depois eles tentam te colocar na cadeia, se ambos falharem, tentam te matar. Ser contra o sistema é o ato mais corajoso que existe. E por que eles tentam eliminá-los a qualquer custo? Porque isso inspira a esperança nas multidões”, disse.
O parlamentar fez ainda uma reflexão sobre a frase dita por Trump no momento de deixar o comício, amparado por agentes, pedindo para que as pessoas lutassem. “Lutem, porque você nunca sabe quão poderosa a sua luta significa para o mundo”, concluiu.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro fizeram associações nas redes sociais entre os episódios do tiro em Donald Trump e facada em Jair Bolsonaro como fruto do discurso de ódio da esquerda.
“Assim como Jair Bolsonaro no Brasil, tentam matar Donald Trump porque ele já está eleito! Se Deus quiser, ambos ainda vão a colaborar muito com seus países”, afirmou Flávio Bolsonaro. “Atentados são contra as pessoas de bem e conservadores”, disse o próprio ex-presidente brasileiro neste domingo (14).
Bolsonaro procurou também aproximar as duas realidades e avisou que estaria na posse de Trump, sem mencionar o fato de seu passaporte estar hoje retido pela Justiça. Ele manteve o ritmo acelerado de viagens mesmo após a deflagração de nova fase da operação que mira a suposta “Abin paralela” durante a sua gestão e de ter sido indiciado pela PF em investigação sobre a venda de joias que ganhou de presente na Presidência.
Antes mesmo do atentado contra Trump, ele havia voltado a relembrar a tentativa de assassinato que sofreu por parte de Adélio Bispo, cobrando da PF avanços na investigação, que considera insuficiente. Ele ainda citou que o atual diretor de Inteligência da corporação foi o delegado responsável pelo caso.
Violência política nos EUA endossa tese de perseguição política contra a direita
Entre aliados de Bolsonaro, a preocupação com o efeito político das investigações da PF se justifica pelo potencial desgaste com o principal cabo eleitoral da direita. Mas a nova situação trazida pelo episódio de violência política nos EUA permitiu rápida concertação e recolocação nos trilhos do discurso de defesa do campo conservador e de promoção de candidaturas nas eleições municipais deste ano.
Da mesma forma, eles acreditam que o peso dos EUA na geopolítica global e regional deve fazer que a eventual volta de Trump ao poder seja um fator especial para interferir no cenário eleitoral brasileiro.
No momento de forte pressão para a desistência do democrata Joe Biden da corrida presidencial, em razão de suas repetidas demonstrações de fragilidade física e mental, as atenções se voltam para Trump e para a convenção republicana para sagrá-lo candidato.
Até mesmo aliados do presidente Luiz Inácio lula da Silva (PT) avaliam que o caso tende a aumentar a pressão contra o Biden e aproximar o candidato republicano da vitória nas eleições americanas. Lula já declarou abertamente que torce pela vitória do democrata, tendo dito que, se Trump vencer, “a gente não tem noção do que ele vai fazer”.
Declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 2030 após ser condenado por abuso de poder e desvio de finalidade por se reunir com embaixadores em julho 2022, quando criticou a credibilidade das urnas eletrônicas, Bolsonaro já havia sido indiciado pela Polícia Federal em um inquérito envolvendo a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19.
Ele também é alvo de outras investigações que apuram supostas tentativas de golpe de Estado, incluindo envolvimento nos ataques de 8 de janeiro de 2023. Parte dessas investigações está no âmbito do inquérito das milícias digitais, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e instaurado em 2021, que pode resultar em condenações para Bolsonaro.
Especialistas avaliam impacto do atentado contra Trump sobre cerco judicial a Bolsonaro
Antonio Flávio Testa, professor aposentado de Ciências Políticas da UnB, avalia que a escalada de tensões na eleição americana favorece o discurso da direita nos EUA e no Brasil contra o establishment. Em relação ao Judiciário brasileiro,Testa acredita que é muito provável um eventual retardo nas investidas contra Bolsonaro, especialmente com a perspectiva de aumento da tensão entre esquerda e direita.
“É claro que Trump vai se fortalecer. Prova disso foi o ajuste de seu discurso na convenção. Por outro lado, a maior parte da grande mídia mundial continua combatendo o ex-presidente, alinhada aos interesses de grandes corporações”, afirmou. Nesse ambiente, a posição do X, de Elon Musk, se destaca por se alinhar ao republicano.
Já o consultor eleitoral e cientista político Paulo Kramer duvida que o Judiciário ceda a pressões da opinião pública para moderar suas ações contra Jair Bolsonaro, mesmo que influenciada por um novo contexto internacional. Por outro lado, o especialista está certo de que o engajamento dos aliados do ex-presidente vai se intensificar com os desdobramentos da campanha de Trump.
"Muito mais eficaz na sensibilização do ministro Alexandre de Moraes, do STF, foi o episódio envolvendo o embate dele com Elon Musk, porque expôs ao mundo a parcialidade do encarregado dos inquéritos contra Bolsonaro e os manifestantes do 8 de janeiro", afirmou Kramer.
Para Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP, a tentativa de assassinato de Trump teve impacto imediato na mudança do tom da campanha eleitoral americana, com muitos acreditando que Trump obteve vantagem sobre Biden.
“O impacto do atentado na política brasileira é evidente, mas a abrangência ainda é incerta. A polarização nos Estados Unidos e no Brasil é grande, e as bases de apoio a Bolsonaro permanecem fortes, com pesquisas indicando uma divisão significativa no eleitorado entre seus apoiadores e opositores”, afirmou.
No contexto da ascensão mundial de movimentos radicais, tanto de direita quanto de esquerda, especialmente na Europa, Silva vê a perspectiva de um cenário global de crescente radicalização política, com implicações importantes para o futuro do Brasil e dos Estados Unidos.
Sobre as frequentes investigações judiciais e acusações que Bolsonaro enfrenta, ele observa que “as alegações contra ele têm fragilidades, tanto em termos de provas quanto de conceitos”.
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