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Origens da investigação

Ato de Toffoli contra Transparência Internacional partiu de acusações da J&F e de deputado do PT

Dias Toffoli, ao lado de Edson Fachin e Nunes Marques, no plenário do STF (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

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A ordem do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), para investigar a Transparência Internacional partiu de acusações feitas pela J&F – no pedido feito no ano passado para suspender a multa de R$ 10,3 bilhões que a empresa deveria pagar no seu acordo de leniência, e de um pedido de investigação contra procuradores do Ministério Público Federal apresentada também no ano passado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP).

Ambos acusaram a entidade, com atuação global no combate à corrupção, de tentar gerir ilegalmente a aplicação de parte da multa, no montante de R$ 2,3 bilhões, que, segundo o acordo de leniência, seriam destinados a projetos sociais. A Transparência Internacional diz que nunca recebeu qualquer parte desses recursos, que não havia essa previsão no acordo em sua parceria com o MPF, e que ofereceu um plano de investimentos sociais sem contrapartida financeira.

A decisão de Toffoli de investigar a ONG por suposta “apropriação indevida de recursos públicos”, oriundos da multa, causou espanto no MPF, uma vez que vários documentos em posse do ministro mostram que não havia qualquer previsão de pagamento pelo plano de investimentos sociais.

“O presente Memorando não prevê nenhum tipo de remuneração, sendo vedada a transferência de recursos para que a TI realize as atividades nele previstas”, diz uma cláusula do documento que celebrou a parceria, assinado em 12 de dezembro de 2017 por todas as partes envolvidas.

Os R$ 2,3 bi eram parte de um total de R$ 10,3 bilhões que a J&F se comprometeu a desembolsar na assinatura do acordo de leniência, a título de multas e ressarcimento, por danos causados em esquemas de corrupção que confessou ter participado na Caixa Econômica Federal, no BNDES, na Petros e no Funcef (fundos de pensão de funcionários da Petrobras e Caixa, respectivamente).

Em dezembro do ano passado, Toffoli suspendeu todo o pagamento, com base num pedido da J&F que apontava pressão indevida do MPF pela celebração do acordo em 2017. Foi nesse pedido que o grupo acusou a Transparência Internacional de agir em “conluio” com procuradores da Operação Greenfield, que investigou os negócios do grupo com o setor público.

“A Lava Jato cometeu abusos contra a J&F de modo a agir em conluio com a Transparência Internacional para forçar sua venda de ativos”, dizia o pedido da J&F para suspender a multa. O acordo não foi feito com a Lava Jato, baseada em Curitiba, mas com a força-tarefa da Greenfield, de Brasília. A J&F, no entanto, alegou que os mesmos métodos alegadamente coercitivos empregados pelos procuradores que investigaram a corrupção na Petrobras teriam se reproduzido entre aqueles que trabalharam na apuração de crimes envolvendo o grupo.

“Para a adequada compreensão da magnitude dos abusos praticados contra a J&F, é imprescindível um olhar holístico sobre como a Lava Jato, por meio de relações nebulosas travadas entre procuradores, empresários e a ONG Transparência Internacional, desvirtuaram instrumentos legais de combate à corrupção para criar um verdadeiro esquema de pressão e achaque contra a Requerente e os seus principais administradores: os irmãos Joesley e Wesley Batista”, escreveu o diretor-jurídico do grupo, Francisco de Assis e Silva, no pedido endereçado a Toffoli.

A alegação é de que as obrigações pecuniárias do acordo forçaram a J&F a vender uma de suas empresas mais importantes no Brasil, a Eldorado Celulose – transação que hoje o grupo tenta desfazer na Justiça, numa ação que tem como uma das advogadas Roberta Rangel, que é mulher de Toffoli. Sem provas e evidências claras, o grupo acusa procuradores do MPF de ter interesse na venda da empresa, de modo a beneficiar um empresário que assumiria seu comando.

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Acordo não foi cumprido

O problema apontado pelo MPF é que, antes de acusar a Transparência Internacional de formar um “conluio” com os procuradores para lesar o grupo nas tratativas para fechar o acordo de leniência, a J&F não teria honrado com o pagamento dos projetos sociais. O acordo previa que, além de ressarcir os órgãos públicos lesados, com R$ 8 bilhões, a J&F investiria nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, fomento à pesquisa e cultura.

A participação da Transparência Internacional nesse processo foi acordada em dezembro de 2017, num memorando assinado pela entidade, pelo MPF e pela J&F. Além de não prever pagamentos à entidade, estabelecia que ela ofereceria, gratuitamente, “desenho e estruturação do sistema de governança do desembolso dos recursos”. Na prática, a ONG montaria um plano para que a J&F destinasse o dinheiro a outras entidades privadas, inclusive novas que poderiam vir a ser criadas.

É por causa dessa previsão que Toffoli mandou investigar a Transparência Internacional, com base no pressuposto de que os recursos, por serem oriundos de multas, deveriam integrar o caixa da União, e por isso, sua forma de alocação deveria passar pelo Congresso e pelo Executivo, que aprovam o Orçamento público.

Em março de 2018, a Transparência Internacional entregou o plano de trabalho para investimentos sociais. Previa que, até fevereiro de 2019, a entidade apresentaria a iniciativa a organizações da sociedade civil e comunicaria o início do recebimento de projetos. “A TI se absterá de pleitear recursos por todo o período em que estiver apoiando a iniciativa”, registrava o documento.

Em abril de 2019, os procuradores da Greenfield cobraram os executivos da J&F em relação aos investimentos em projetos sociais. Segundo o MPF, os desembolsos não haviam começado.

“Deve-se recomendar à J&F que comece imediatamente a execução dos projetos sociais pactuados no acordo de leniência (considerando que não houve ainda qualquer início de cumprimento dessa importante obrigação reparadora do dano social previsto no acordo), respeitadas as melhores práticas indicadas pela Transparência Internacional, ou então que promova o pagamento da reparação social em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos”, comunicou o MPF à época.

A J&F diz atualmente que os pagamentos não foram feitos à época por entender que a participação da Transparência Internacional na indicação dos projetos sociais não seria legal e não estava prevista no acordo de leniência, mas teria sido “imposta” posteriormente pelo MPF.

O atendimento às recomendações da Transparência Internacional era opcional, uma vez que os recursos poderiam ser depositados no Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Trata-se de um fundo administrado pelo governo federal para reparar danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens de valor histórico e cultural.

No mesmo ofício enviado à J&F em 2019, os procuradores da República alertaram que, se o grupo optasse por realizar, por conta própria, os investimentos sociais, deveria, de qualquer modo, “atender às melhores práticas de governança e controle recomendadas pela TI [Transparência Internacional]”. Do contrário, os valores não seriam abatidos da multa. A J&F diz que fez investimentos sociais, mas que eles não foram descontados da dívida de R$ 2,3 bi.

Não se sabe exatamente, agora, como será a investigação determinada por Toffoli. Ele requisitou documentos da Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão de cúpula do MPF, sobre a fiscalização do cumprimento do acordo de leniência da J&F, e também sobre como seria participação da Transparência Internacional no acompanhamento dos projetos. A PGR nunca apontou ilegalidades no caso. A análise agora, segundo Toffoli, caberá à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Controladoria-Geral da União (CGU), ambas vinculadas ao governo federal.

Decisão assinada por Toffoli

Além da suspeita, até o momento infundada, de que a Transparência Internacional receberia recursos, outro ponto questionável da decisão é o fato de ter sido assinada por Toffoli.

Em outubro do ano passado, a então procuradora-geral da República Elizeta de Paiva Ramos, que ocupava o cargo de forma interina, comunicou ao STF que o caso não deveria ser analisado pelo ministro. O processo em que a J&F pediu a suspensão da multa e acusava a Transparência Internacional não tinha relação com o grupo, mas tratava do acordo de leniência da Odebrecht.

Trata-se de uma ação de 2020 do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tinha por objetivo inicial obter a íntegra do acordo da empreiteira. De lá para cá, o processo acabou servindo para a defesa do presidente obter mensagens de celular dos procuradores capturadas clandestinamente por hackers, anular as provas que restavam contra ele e ainda beneficiar, do mesmo modo, dezenas de réus da Lava Jato.

A decisão de Toffoli é monocrática, e não há previsão se e quando poderá ser analisada pelos demais ministros do STF.

As acusações de Rui Falcão, por sua vez, tinham por objetivo investigar os procuradores da Greenfield e, por isso, foi inicialmente protocolado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde alguns deles têm foro privilegiado. O presidente do tribunal, Humberto Martins, enviou o caso ao STF e a Toffoli, por entender que haveria relação do caso com a Lava Jato.

Ele se baseou numa manifestação da subprocuradora Lindora Araújo, ex-braço-direito de Augusto Aras, que comandou a PGR entre 2019 e 2023 e se notabilizou pela oposição à Lava Jato. Foi ele que, em 2020, mandou órgãos internos do MPF apurarem a legalidade da parceria com a Transparência Internacional.

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