A trajetória do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou nesta terça-feira (11), é um dos fatores que ajuda a explicar a predileção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por um sucessor com perfil semelhante para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF). Em seus 17 anos na Corte, o ministro, nomeado pelo próprio Lula em março de 2006, se notabilizou por permanecer fiel ao ideário ou ao interesse do PT no campo criminal, econômico e constitucional.
Atualmente estão no páreo para a vaga o advogado pessoal de Lula, Cristiano Zanin, e o advogado Manoel Carlos de Almeida Neto, ex-assessor de Lewandowski no STF.
“Quem vai me substituir precisa respeitar a Constituição, ter coragem e aguentar pressão”, disse Lewandowski, numa entrevista recente à GloboNews.
Pressão não faltou. Nos momentos de maior crise do petismo, como durante o julgamento do mensalão, nas manifestações de 2013, no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ou no auge da Operação Lava Jato, o ministro se posicionou contra a punição de membros influentes do partido, na contramão da opinião pública e das evidências de corrupção ou má gestão dos recursos públicos. Ainda na área criminal, foi o responsável por alavancar as audiências de custódia.
Na área econômica, se destacou como uma voz de defesa da participação forte do Estado na regulação do mercado. Contra a agenda liberal do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ele tentou, sem sucesso, impedir a venda de subsidiárias da Petrobras sem aval do Congresso. Também votou, sem êxito, para derrubar a lei que deu autonomia ao Banco Central. Neste ano, conseguiu liberar, ainda que de forma provisória, a nomeação de políticos para a direção de estatais.
Na defesa dos direitos fundamentais, foi a favor das cotas raciais nas universidades e nas chapas eleitorais, votou pelo fim da prisão de mulheres gestantes, forçou o governo a investir na reforma de presídios, e teve atuação proativa para forçar o governo a acelerar a vacinação na pandemia de Covid.
Relembre abaixo, com maior detalhe, algumas dessas decisões.
Mensalão
Em 2012, como revisor do processo do mensalão, Lewandowski votou pela absolvição dos caciques do PT envolvidos na compra de apoio parlamentar. Considerou que eram inocentes os ex-ministros José Dirceu e José Genoino e o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, todos acusados de corrupção e condenados pela maioria dos ministros. Ainda tentou absolver o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o operador do esquema, Marcos Valério, do crime de quadrilha.
Ao analisar as acusações contra Dirceu, disse que eram baseadas em “meras ilações e conjecturas”. Anos antes, em 2007, quando o STF aceitou a denúncia e tornou réus 40 acusados, ele foi flagrado num restaurante dizendo que ministros votaram “com a faca no pescoço”, numa crítica à imprensa, que acompanhava de perto o escândalo.
Na época, os atritos com o relator, Joaquim Barbosa, que votou pela condenação de todos eles, eram frequentes. Em agosto de 2012, na primeira sessão do julgamento, Barbosa disse que Lewandowski agiu com “deslealdade”, ao defender que o processo fosse fatiado, para deixar no STF apenas quem tinha foro privilegiado, questão que já havia sido superada.
Em setembro, quando Lewandowski defendeu que ministros considerassem argumentos da defesa dos réus ao acolher as acusações, Barbosa cobrou que ele votasse de maneira “sóbria”. “Vossa Excelência está dizendo: ‘É assim que se faz’. Vamos parar com esse jogo de intrigas”, disse. “Estou perplexo. Não tenho perdido a oportunidade de elogiar a clareza dos seus votos. Sabe que tenho admiração por Vossa Excelência. Vossa Excelência proferiu um excelente voto. Jamais ousaria insinuar que o voto de vossa excelência seja incompleto”, respondeu.
Em 2013, no julgamento de recursos, Lewandowski foi acusado pelo colega de fazer “chicana”, ou seja, de manobrar para prolongar o julgamento. Na sessão, ele pediu uma retratação, que foi negada. “Vossa Excelência está dizendo que estou brincando? Eu não admito isso”, queixou-se Lewandowski. “Faça a leitura que Vossa Excelência quiser”, rebateu Barbosa.
Lava Jato
Nos primeiros anos da Lava Jato, Lewandowski amargou derrotas nos julgamentos. Em 2016, ficou vencido no julgamento que permitiu a prisão em segunda instância; em 2018, também esteve na ala minoritária que votou para impedir que Lula fosse preso por esse motivo.
A virada começou em 2021, quando Lewandowski permitiu que o petista conseguisse acessar o acordo de leniência da Odebrecht, de onde saíram parte das provas para suas condenações. Nessa toada, também deu à defesa acesso às mensagens trocadas entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato e de seu chefe, o ex-procurador Deltan Dallagnol, com o ex-juiz Sergio Moro. Apesar de terem sido obtidos de forma ilegal por hackers, sem que sua autenticidade fosse comprovada, os diálogos foram usados para desmoralizar e desmantelar a operação.
Nesse contexto, naquele mesmo ano, com voto favorável de Lewandowski, o STF anulou as condenações do petista e declarou Moro suspeito, enterrando também as investigações que haviam contra ele. Nesse julgamento, Lewandowski encampou o discurso do PT de que a Lava Jato teria causado prejuízo para a economia brasileira, ao punir as empreiteiras que cometeram corrupção. Na ocasião, ele foi confrontado pelo ministro Luís Roberto Barroso.
“Vossa Excelência acha então que o problema foi o enfrentamento da corrupção, e não a corrupção?”, questionou. Lewandowski negou, dizendo que o “modus operandi” da Lava Jato seria “incompatível com o Estado Democrático de Direito”. Depois, passou a fazer menção a “combinações” entre Dallagnol e Moro reveladas nas mensagens hackeadas.
“Eu pensei que Vossa Excelência fosse garantista. Essa é uma prova ilícita, colhida mediante crime”, rebateu Barroso. “Pode ser ilícita, mas enfim, foi amplamente veiculada e não foi adequadamente, a meu ver, contestada”, respondeu Lewandowski. “Então, o crime compensa para Vossa Excelência”, treplicou Barroso.
Nos últimos anos, Lewandowski "enterrou" uma série de ações penais contra vários réus da Lava Jato, que apontaram nulidade nas provas entregues pela Odebrecht, especialmente os sistemas que registravam pagamentos a políticos. Assim como Lula, eles alegaram que não havia garantia da integridade desses dados, pela forma como foram armazenados.
Nesta segunda (10), em seu último dia de trabalho, o ministro determinou que tramite no STF uma notícia-crime na qual o advogado Rodrigo Tacla Duran acusa Moro e Dallagnol de tentativa de extorsão, acusação já havia sido rejeitada anteriormente pelo Ministério Público Federal.
Audiências de custódia
Em 2015, quando assumiu a presidência do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Lewandowski lançou programa para determinar que qualquer pessoa presa em flagrante precisaria ter sua detenção avaliada em até 24 horas pelo Judiciário.
O objetivo era verificar se houve violência, tortura ou irregularidade por parte dos policiais. No mesmo ano, o STF declarou a constitucionalidade da medida e, em 2019, o Congresso aprovou lei estabelecendo o procedimento.
Embora reconheçam a legitimidade da audiência para impedir violações aos direitos humanos, parte dos criminalistas e do Ministério Público tem ressalvas, pois considera que em boa parte dos casos criminosos perigosos são soltos rapidamente, bastando que aleguem más condições da cadeia ou ação truculenta da polícia.
Impeachment de Dilma
Em 2016, como presidente do STF, também presidiu o julgamento final da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no processo de impeachment. Nessa função, inovou ao permitir que os senadores votassem de forma fatiada a punição única prevista na Constituição: cassação do mandato com inabilitação para exercer funções públicas por 8 anos. Assim, mesmo cassada, a ex-presidente permaneceu apta a disputar eleições ou assumir cargos públicos.
Posteriormente, Lewandowski externou críticas ao processo e à punição da petista. Numa aula na USP em setembro daquele ano, disse que a condenação foi “um tropeço na democracia”.
No ano passado, o ministro comandou uma comissão de juristas no Senado encarregada de propor uma nova lei de impeachment. O anteprojeto apresentado permite o fatiamento da punição, exclui crimes de responsabilidade fiscal que levaram à condenação de Dilma e também blinda ministros do STF por suas decisões.
Estatais e Banco Central
Em 2018, Lewandowski assinou uma liminar para exigir que a venda ações das estatais, que impliquem perda do controle pelo Poder Público, deveria ser precedida de autorização do Congresso por lei, o que dificultaria, por exemplo, a venda de ativos e subsidiárias. Em 2019, o plenário do STF atenuou a decisão, fixando que isso só seria válido no caso das matrizes.
Neste ano, numa nova canetada, o ministro suspendeu trecho da lei de 2016 que impedia que políticos assumissem a direção das empresas públicas – só poderiam fazer só depois de cumprir uma quarentena de 3 anos fora de cargos no Executivo ou de campanhas eleitorais. O objetivo da lei foi impedir conflito de interesses e favorecimento aos partidos. Lewandowski, porém, entendeu que isso afrontaria direitos fundamentais dos políticos.
A decisão beneficiou o novo governo Lula e o Centrão, interessados em usar as estatais como moeda de troca nas negociações por apoio político.
Em 2021, Lewandowski tentou derrubar a autonomia do Banco Central, aprovada pelo Congresso ano anterior. Acolhendo argumentos do PT e do PSOL, votou pela inconstitucionalidade formal da lei, por entender que ela partiu do Legislativo, e não do Executivo. Nesse caso, foi derrotado pela maioria da Corte, que considerou que a medida foi proposta em conjunto e aprovada com amplo apoio dos dois poderes.
Cotas raciais
As políticas de cotas raciais no Brasil conseguiram avançar no Brasil a partir do reconhecimento, em 2012, de sua constitucionalidade. Naquele ano, Lewandowski relatou ação do antigo DEM contra sua implementação nas universidades públicas. As ações afirmativas, disse na época, configuram um tipo de “discriminação positiva com vistas a estimular a inclusão social de grupos tradicionalmente excluídos”.
Presídios
Em 2012, numa liminar, mandou soltar todas as mulheres presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos que não tenham cometido crimes violentos – nesse conjunto, incluiu muitas que estavam condenadas por tráfico de drogas. A prisão delas, para ele, prejudicava o desenvolvimento pleno das crianças.
Em 2015, Lewandowski obteve unanimidade na Corte para permitir que o Judiciário obrigasse o Executivo a gastar recursos para reformar presídios, de forma a melhorar as condições de encarceramento.
Pandemia
Entre 2020 e 2021, Lewandowski relatou 14 ações que acusavam o governo Bolsonaro de inação no combate ao coronavírus. O ministro permitiu a vacinação obrigatória, mediante imposição de restrições civis, e obrigou o Executivo a elaborar plano de vacinação. Autorizou ainda que estados adquirissem vacinas antes do governo federal, e que adotassem medidas preventivas, incluindo restrições à circulação, mesmo contrárias contra aos planos federais.
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