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Mais uma vez, uma audiência pública com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi encerrada nesta quarta-feira (12) em meio a uma confusão na Câmara dos Deputados. O ministro esteve na Casa para defender a prisão em segunda instância, mas a audiência foi encerrada depois de uma confusão envolvendo Moro e os deputados federais Glauber Braga (Psol-RJ) e Delegado Éder Mauro (PSD-PA). Mauro, inclusive, chegou a agredir o colega do Psol no plenário da comissão.
A confusão começou quando Glauber estava fazendo perguntas ao ministro da Justiça e chamou Moro de “capanga da milícia”, em alusão ao suposto envolvimento da família do presidente Jair Bolsonaro com milicianos do Rio de Janeiro. “O senhor não tem fatos, não tem argumentos, só tem ofensas. O senhor é um desqualificado”, rebateu Moro.
Veja como foi a confusão
O presidente da comissão especial, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), repreendeu tanto Glauber quanto o ministro. “A mesma ressalva que fiz ao deputado Glauber, faço ao ministro, como faria com qualquer pessoa que chamasse vossa excelência, por exemplo, de desqualificado em uma audiência pública”, disse o presidente da comissão. “Absolutamente ninguém, em uma sessão que eu presida, vai chamar um deputado de desqualificado.”
A confusão se estendeu a outros parlamentares. Houve bate-boca no plenário entre deputados da oposição e apoiadores de Moro.
O clima esquentou ainda mais quando Éder Mauro entrou na discussão com Braga, se dirigiu até onde o deputado do Psol estava sentado e os dois começaram a bater boca. Mauro chegou a agarrar o pescoço do deputado do Psol e a sessão foi encerrada em meio à discussão.
Segunda sessão com Moro que termina em confusão
Essa é a segunda vez que uma sessão na Câmara com Moro é interrompida por causa de bate-boca. No ano passado, quando Moro compareceu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para falar sobre os vazamentos de conversas atribuídas a ele e membros da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil, a sessão também foi encerrada por causa de uma confusão.
Na ocasião, o deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ) disse que o ministro entraria para a história como "juiz ladrão" e "corrupto". O parlamentar foi então interrompido por governistas, que protestaram. A confusão foi generalizada e o ministro deixou o plenário, enquanto era chamado de "ladrão" e "fujão" pela oposição.
Ministro foi à Câmara defender prisão em segunda instância
Durante cerca de quatro horas, Moro respondeu a perguntas dos deputados e defendeu a prisão antecipada especialmente para casos criminais.
Há uma formação de consenso em andamento na comissão especial que analisa a proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o tema para que a execução da pena em segunda instância seja válida também para outras áreas do direito, abarcando também processos tributários, cíveis, trabalhistas, de família, entre outros. Moro disse não ser contra a ampliação, mas defendeu que os casos criminais devem ser prioridade.
“Eu particularmente sou favorável que valha para tudo. Agora, não posso deixar de reconhecer que a mudança é especialmente fundamental para os casos criminais”, disse Moro. “Essa extensão aos casos cíveis não pode ser um preço a impedir a aplicação aos casos criminais. Acho mais premente aos casos criminais porque essa demora gera impunidade maior do que nos casos cíveis”, argumentou o ex-juiz.
Essa foi a segunda audiência pública realizada pela comissão especial na Câmara. Na semana passada, os deputados ouviram o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, que também defendeu a proposta de ampliar o alcance da PEC da segunda instância para todas as áreas do Direito.
Moro falou do simbolismo da aprovação da PEC no combate ao crime. “Tem uma questão de simbolismo. É o Congresso Nacional mandando uma mensagem à população. Se formos fazer qualquer pesquisa de opinião, a aprovação à execução da prisão em segunda instância ultrapassa 80%. Provavelmente os 20% [de reprovação] é porque não conhece o tema. Claro que existem sempre alguns refratários. Mas vamos responder à população e mandar a mensagem de que a lei tem que ser igual para todos, o sistema tem que funcionar, a impunidade tem que ser reduzida. 60 mil homicídios é demais. Enfim, tem esse simbolismo que as pessoas precisam acreditar que nós estamos fazendo algo, que o Parlamento está fazendo algo”, disse.
Moro criticou regra de transição prevista na PEC
Em sua exposição, o ministro rechaçou a crítica de que a prisão antecipada fere a presunção de inocência – cláusula pétrea da Constituição. “A prisão após o julgamento fere a presunção de inocência? Aqui já houve julgamento, já houve análise de provas, com garantia do contraditório”, argumentou Moro. “Um processo que dura décadas é um processo que não traz justiça nenhuma”, afirmou o ex-juiz.
A PEC em tramitação prevê que o trânsito em julgado ocorreria em segunda instância e os recursos especiais (no Superior Tribunal de Justiça, STJ) e extraordinários (no Supremo Tribunal Federal, STF) seriam uma espécie de nova ação judicial. Ou seja, o trânsito em julgado seria na segunda instância.
Moro criticou a regra de transição proposta pela PEC, que prevê que a prisão em segunda instância não valerá para quem já entrou com recurso especial, no STJ, ou extraordinário, no STF. “Eu, particularmente, acho que o grande problema dessa regra de transição é que acaba negando justiça aos casos que já estão tramitando”, disse Moro.
Na semana passada, o ex-presidente do STF, Cezar Peluso, defendeu o contrário. Para ele, processos que recursos em tramitação devem julgados nos termos da legislação em vigor quando impetrados. “Essa é uma garantia básica, que não precisaria ser explícita porque é óbvia”, disse.
Deputados querem aprovar PEC ainda no primeiro semestre
A expectativa dos deputados integrantes da comissão especial é que a PEC seja aprovada no plenário da Câmara ainda no primeiro semestre deste ano. Os parlamentares também acreditam que a PEC pode ser votada no plenário do Senado até o final do primeiro semestre.
A PEC precisa ser aprovada por três quintos dos deputados – 308 votos –, em dois turnos. O Senado também precisa aprovar o texto com três quintos – 49 senadores – no plenário, também em dois turnos. Em seguida, a PEC pode ser promulgada pelo Congresso e entrar em vigor.
O tema voltou à tona depois que o STF barrou a prisão em segunda instância em um julgamento no plenário no ano passado. Com a decisão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava preso cumprindo a pena no caso do tríplex no Guarujá, foi solto.
A decisão do STF aumentou a pressão para que o Congresso aprovasse uma nova regra para a prisão em segunda instância. Câmara e Senado passaram a discutir projetos sobre o tema, em busca de protagonismo.