A participação do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em audiência nesta quinta-feira (24) na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden), seguiu o roteiro esperado e antecipado pela Gazeta do Povo. Convidado para explicar a vinda do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, na última sexta-feira (18), o chanceler ouviu a diplomacia do governo ser acusada de subserviência aos Estados Unidos e questionamentos sobre concessões benevolentes aos EUA em detrimento ao mercado brasileiro.
As críticas e questionamentos dos senadores não se limitaram ao tema central do convite ao ministro, e se desdobraram nos mais diversos assuntos, como meio ambiente e até a ditadura após o golpe militar de 1964. Salvo um ou outro senador aliado, o chefe do Itamaraty foi colocado contras as “cordas”, mas revidou. Citou a corrupção em governos anteriores, rebateu petistas, defendeu a política externa brasileira e criticou o ditador venezuelano Nicolás Maduro.
O palanque político foi bem utilizado por quem usou da palavra. A começar pelo próprio chanceler, que teve 30 minutos de exposição inicial para justificar a vinda de Pompeo. E, diferentemente do que foi acusado, negou qualquer associação de o Brasil ter concedido plataforma eleitoral para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Araújo citou que, em audiência em agosto, no Senado norte-americano, republicanos e democratas evidenciaram o que ele classificou como “amplo consenso bipartidário” sobre a questão venezuelana. “O líder democrata, [Robert] Bob Menendez, corroborou a ideia de consenso bipartidária em relação aos objetivos norte-americanos na Venezuela”, disse.
O “consenso bipartidário” citado por ele o leva, inclusive, a crer que, em caso de vitória do candidato democrata Joe Biden, os Estados Unidos manterão a “atitude norte-americana para a Venezuela”. “Existe, nos EUA, uma grande convergência entre republicanos e democratas sobre a situação da Venezuela”, analisou. Sobre a visita de Pompeo, ele deixou claro que partiu da própria Casa Branca. “Pompeo me telefonou, dizendo que pretendia organizar um périplo por alguns países da América do Sul e gostaria de vir ao Brasil, especificamente gostaria de ir a Boa Vista para visitar a Operação Acolhida. Perguntou o que eu achava e eu disse ‘acho excelente’”, disse.
Ao longo de sua exposição, ainda aproveitou o palanque para chamar o governo ditatorial venezuelano de “facínora”. “Importante que não utilizemos a palavra Venezuela para se referir a esse bando de facínoras que ocupam o poder, pelos quais a gente só tem desprezo”, declarou. O chanceler também fez questão de negar qualquer contradição entre a vinda de Pompeo a Boa Vista com o que estabelece o artigo 4º da Constituição, que rege as relações institucionais. “O inciso 2 diz sobre a prevalência dos direitos humanos. Estamos claramente trabalhando em defesa dos direitos humanos e pela autodeterminação dos povos”, rebateu, em referência ao que acusou o senador Telmário Mota (Pros-RR), autor do convite feito ao Itamaraty.
Senador "apresenta" bandeira do Brasil ao ministro
O tom usado por Araújo foi revidado por Mota. Ironicamente, o senador presenteou o chanceler com uma bandeira do Brasil, sugerindo que, diferentemente do que alega, a diplomacia brasileira não é patriótica como alega o governo. “Vossa Excelência tem um viés ideológico extremamente forte e queria, ministro, dar-lhe um conselho, uma sugestão. Queria lhe dar um presente, permita-me. Aqui, temos duas bandeiras: esta é americana e esta é brasileira. Esta é que é a nossa. Esta aqui é a do nosso coração. É esta que temos que abraçar", declarou, em um momento para lá de cômico.
Ao receber a bandeira em mãos, Araújo agradeceu, mas devolveu a provocação. “Muito obrigado, já tenho uma, várias. Não tenha a menor dúvida de que eu tenho a bandeira do Brasil no meu coração, e não a de nenhum outro país”, disse. “Acho que houve problemas realmente num passado recente. Autoridades brasileiras que não tinham essa bandeira no coração e que não tinham, na verdade, amor ao povo brasileiro no coração. Durante muito tempo, fizemos uma política externa que eu acho que tinha talvez a bandeira da ONU no coração”, provocou.
A troca de farpas não se limitou a esse episódio. O senador Humberto Costa (PT-PE) acusou o governo federal de praticar uma política de subserviência e seguidismo. “Lamento que o Brasil tenha passado de uma posição de referência externa para se tornar um pária das relações internacionais do mundo hoje”, criticou. O senador Jaques Wagner (PT-BA) foi outro a adotar um tom provocativo. “No meu governo, o presidente era extremamente elogiado e desejado por muitos povos, enquanto não me parece ser o mesmo com seu presidente virar chacota da imprensa internacional”, disse.
Os dois foram rebatidos pelo chanceler. Araújo disse que o governo trabalha para transformar o Brasil de um “sistema de corrupção e atrasos” em um “país avançado, de felicidade e oportunidades para todos”. “Acho que algumas pessoas gostariam que negociássemos acordos pró-corrupção, e isso foi em governos anteriores, agora, nós negociamos acordos anticorrupção com os Estados Unidos e outros parceiros. E são acordos que vão beneficiar investimentos, vão atrair mais investimentos, não só de companhias americanas”, disse. Em referência aos EUA, disse que a “atmosfera negociadora” favorecerá a entrada de mais investimentos e disse que foi nos governos petistas que o país virou um pária internacional.
A fala de Araújo irritou o senador Rogério Carvalho (PT-SE), líder do Bloco Parlamentar da Resistência Democrática, que solicitou direito de resposta e acusou a família do presidente Jair Bolsonaro de corrupção por crimes de rachadinha. “O Brasil não foi pária durante o governo dos [ex] presidentes Lula e Dilma. [Com eles,] o comércio externo quadruplicou e estabeleceu relações com todos os países do hemisfério sul. Pacificou e rearticulou com todos os países do continente americano, fortaleceu o Mercosul, então, vossa excelência respeite para ser respeitado”, declarou, citando que a Justiça inocentou alguns petistas. Araújo respondeu e pediu que Carvalho não elevasse o tom de voz com ele.
Chanceler foi indagado sobre aço, etanol e ditadura
Araújo foi questionado sobre a redução das cotas de importação de aço brasileiro pelos EUA no quarto trimestre e pela expansão do prazo para a importação de etanol norte-americano sem tarifas, em desagrado a produtores e ao próprio Ministério da Agricultura. “Qual a explicação para sangrar a indústria alcooleira brasileira do Nordeste e oferecer 150 milhões de litros graciosos com menos 20% de taxa de formação para os EUA como reciprocidade à restrição ao aço brasileiro responsável por 80% da pauta brasileira”, indagou Jaques Wagner.
A pauta do etanol também foi questionada pelos senadores Humberto Costa e Zenaide Maia (Pros-RN). O chanceler explicou que a extensão foi provisória e ajuda a abrir mercado para o açúcar brasileiro. “Essa extensão foi provisória e para termos um espaço negociador para tentarmos achar solução de longo prazo que seja benefício tanto para o Brasil quanto dos EUA no setor do etanol e do açúcar, e também do milho. Pela primeira vez, os Estados Unidos aceitam falar de açúcar no contexto dessas negociações, e isso é um avanço importante”, destacou. Araújo não falou, entretanto, sobre a redução das cotas de importação de aço brasileiro.
O chefe do Itamaraty sustentou, entretanto, que não há qualquer ideologismo por trás da relação entre Estados Unidos e Brasil. Para ele, o relacionamento é “totalmente em benefício e beneficia todos os brasileiros”. “E não tem nada de ideológico. Os EUA têm a maior economia, tem uma centralidade nessa reorganização das cadeias globais que é fundamental. Ao mesmo tempo, é uma parceria que é importante para a economia e, também, a segurança, defesa, capacitação das nossas Forças Armadas, são excelentes”, avaliou.
Além das críticas às relações comerciais, o chanceler também precisou responder após ser provocado pela senadora Zenaide a respeito da opinião dele sobre o golpe de 1964. “Como um ministro e um país que se preocupam tanto com a ditadura do país vizinho [Venezuela] não prezam [pela história brasileira]. O senhor ainda pensa assim, que não tivemos uma ditadura, que não tivemos uma ditadura durante 21 anos”, questionou.
Araújo, contudo, foi evasivo. “Não queria voltar a isso porque nós estamos aqui diante de questões muito concretas. Discussão histórica é bastante... rica. Existe um problema de conhecimento insuficiente de todos os lados, realmente, sobre o que era a realidade dos acontecimentos”, comentou.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF