Após quase cinco meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não conseguiu implementar uma agenda legislativa própria nem garantir uma maioria parlamentar sólida para fazê-la avançar. Os principais projetos relacionados à economia, como o marco fiscal e a reforma tributária, estão sendo moldados conforme ideias da centro-direita, pois essas são mais pautas da sociedade do que do mandato petista. As propostas tendem, pois, a ganhar textos finais que as distanciem do originalmente apresentado pelo governo e/ou seus aliados no Parlamento.
Além disso, derrotas em votações na Câmara e a abertura de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) revelam que o governo não tem conseguido manter fiel e nem ampliar a coalizão formada a partir dos partidos que o apoiaram no segundo turno das eleições de 2022. Para lidar com isso, a gestão petista tem recuado em direção ao modelo atacado por Lula e adotado na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no qual o Congresso ampliou a sua autonomia e o seu protagonismo.
O resultado prático do choque de realidade foi a liberação pelo governo, em só dois dias, terça (9) e quarta-feira (10), de quase R$ 1,2 bilhão em emendas parlamentares represadas. As derrotas na semana anterior, em votações dos projetos das Fake News e contra os decretos no saneamento, acenderam o sinal amarelo, forçando Lula a se mobilizar pessoalmente.
Na quinta-feira (11), o chefe da articulação política do Planalto, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, tentou dar um ar de normalidade à liberação bilionária com recursos do Tesouro, e afirmou que o ritmo de empenho das emendas parlamentares “segue rigorosamente aquilo que estabelece a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)”.
Recursos do Orçamento ditam a relação de governo e Congresso
Para o analista Marcos Queiroz, da Arko Advice, o governo Lula não chegou necessariamente a retomar prática adotada na gestão anterior, pois, a rigor, expedientes envolvendo recursos orçamentários “jamais foram abolidos”. “Desde a redemocratização, todos os governos se valeram da liberação do Orçamento para obter apoio parlamentar. É algo bastante questionável sob o ponto de vista ético, porém, é inescapável a qualquer governante”, disse.
Queiroz concorda, contudo, que tal realidade se tornou mais explícita e desafiadora nos últimos anos em razão de um processo de empoderamento e autonomia adquirido pelo Legislativo. “Os parlamentares se acostumaram a dispor de volume crescente de verbas orçamentárias e não querem perder isso. O ideal seria rediscutir o modelo tradicional de governabilidade”, disse.
Carlos Melo, professor do Insper, discorda da intenção do presidente em passar a assumir diretamente a articulação política. Para ele, a estratégia leva à perda da arbitragem e da instância final, para os que se queixarem de falta de atenção, além de tirar de Lula a chance de colocar a culpa em alguém pelas derrotas. “Há crise do modelo adotado e a simples ação direta e pessoal do presidente pode até amenizar o problema, mas não o resolverá”, escreveu ele em artigo no portal Headline.
Para ele, o método ideal para o governo buscar maioria no Congresso seria partir de grandes projetos de futuro. “Com a legitimidade da vitória eleitoral e a mobilização social, os partidos se alinhariam. Pequenas concessões aqui e acolá dariam feição à coalizão. Instável e dependente de compromissos, a maioria seria política e programática”, explicou. Ele lembrou que houve por décadas vários arranjos realistas e integrados à cultura política nacional.
O professor avalia que Lula está sendo pressionado pelo Parlamento a adotar o modelo implementado no governo Bolsonaro, no qual os líderes partidários se unem em blocos com interesses dispersos para obter recursos que servem à cooptação individual. Como resultado, a emenda individual aprovada no Orçamento tornou-se instrumento fundamental e relevante para a ação parlamentar. E, nesse arranjo, o Executivo se acomoda, ficando dependente de acordos pouco transparentes estabelecidos no Congresso.
Paralisia do governo favorece rearticulação da oposição
O desafio enfrentado por Lula torna-se, contudo, mais complexo diante da insistência de Lira em regularizar a rápida liberação recursos do Orçamento, destacando que cargos em ministérios já não são suficientes para formar base congressual. Um exemplo que parece confirmar essa tese é o caso do União Brasil, cuja representação em três ministérios não se converteu em votos favoráveis ao governo.
Segundo analistas, sem apoio garantido no plenário, o governo acaba paralisando e favorecendo a rearticulação da direita. Ciente disso, o presidente da Câmara tem cedido espaços à oposição, como o comando para cargos em comissões permanentes e a abertura de CPIs.
Nos bastidores também há a impressão de que as tensões entre governo e Parlamento tendem a aumentar com a perspectiva de disputa de recursos limitados, com Lula e a Casa Civil buscando viabilizar investimentos públicos em infraestrutura abrigados um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Apesar das críticas públicas e veladas feitas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em relação à articulação política do governo, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), negou que o presidente tenha cogitado alterar equipe ou métodos. Em 8 de maio, um dia antes da reunião de Lula com os líderes parlamentares, Rodrigues assegurou que os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), além do deputado José Guimarães (PT-CE) e do senador Jaques Wagner (PT-BA), são de “total confiança” do presidente.
Assessores parlamentares consultados pela Gazeta do Povo lembram que, com um programa que enfoca políticas sociais e adota concepções estatistas para a economia, resta ao governo negociar de forma pragmática com os partidos de centro e centro-direita para avançar em alguns pontos. O poder individual de Lula por si só é insuficiente, e a falta de agenda consensual ampla de prioridades torna difícil construir governabilidade sustentável. Os primeiros reflexos disso já foram vistos em votações e até mesmo no impasse com medidas provisórias (MP) editadas nos primeiros dias do ano. Há o risco até mesmo de parlamentares centristas, em retaliação, alterarem a MP que trata de atribuições dos ministérios comandados por políticos próximos a Lula.
Lula sugere desconhecer a realidade e não ter estratégia
Apesar de todos os alertas e derrotas, Lula parece desconhecer o cenário do Congresso e a resistência de amplos setores da sociedade com seus planos de governo. Analistas consideram um erro o presidente resumir suas dificuldades de governar à barganha parlamentar ou à resistência do Banco Central (BC) independente, por exemplo. Além do aspecto meramente operacional, o de atender demandas dos parlamentares, as correlações das forças políticas mudaram muito nos últimos 20 anos.
Neste sentido, a economista Elena Landau expressou surpresa com a falta de habilidade com a qual Lula, um dos políticos mais experientes do país, está conduzindo os primeiros meses do seu terceiro mandato presidencial.
Mesmo tendo declarado voto no petista no segundo turno das eleições, ela destacou uma série de equívocos do presidente em artigo publicado nesta sexta-feira (12), no jornal O Estado de S. Paulo, o que sugere ausência de estratégia. A lista inclui desde ataques ao Banco Central até críticas ao “imperialismo americano”, passando pela mudança do Marco do Saneamento via decretos e a ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Eletrobras.
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