Pressidente Lula aproveitou eventos oficiais para promover candidatos locais, mas ritmo diminuiu na reta final.| Foto: André Borges/EFE
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma aposta arriscada para as eleições municipais de 2024, que o obriga a se adaptar aos cenários desenhados pelas urnas. Reconhecendo a baixa competitividade da maioria das candidaturas do PT, problema evidente também em 2020, Lula orientou o partido a celebrar apoios com aliados, sobretudo nas maiores cidades.

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O objetivo das alianças era conter o avanço da direita e consolidar a vitória sobre Jair Bolsonaro (PL) em 2022, preparando terreno para a hipotética reeleição em 2026. No entanto, com a percepção de vantagem dos nomes apoiados pelo ex-presidente nas cidades com possível segundo turno, Lula adotou a sua conhecida prática de distanciar-se dos candidatos com derrotas prováveis, buscando minimizar o desgaste político.

Outra hipótese sugerida por analistas para a reduzida participação de Lula nas campanhas de 2024 seria a necessidade de não atrelar a sua imagem a um candidato que concorre contra outros postulantes apoiados por partidos da base governista.

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Nas capitais, a expectativa é de que prefeitos como Eduardo Paes (PSD), no Rio de Janeiro, e João Campos (PSB), em Recife, sejam reeleitos, conforme levantamentos do Instituto Quaest. Embora Paes e Campos tenham apoio de Lula, o favoritismo dos dois se deve principalmente a méritos próprios e não ao apoio do presidente da República.

Em Belo Horizonte, o PT é representado pelo deputado Rogério Correia. Ele está isolado e quase não tem chances, conforme pesquisa Quaest, divulgada no último dia 30. Mauro Tramonte (Republicanos), apoiado pelo governador Romeu Zema (Novo) e por Alexandre Kalil (Republicanos e ex-aliado de Lula), enfrenta Bruno Engler (PL), candidato conservador apoiado por Bolsonaro e que se destaca nas redes sociais. Já Fuad Noman (PSD), ex-vice de Kalil e atual prefeito, cresce devido ao uso da máquina pública e do crescente movimento de voto útil da esquerda. Pela pesquisa, o retrato é o seguinte: Tramonte (27%), Engler, (21%) e Fuad (20%).

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB) tem larga vantagem sobre Maria do Rosário (PT), que, apesar do apoio da esquerda, enfrenta alta rejeição. O quadro foi traçado por levantamento do Instituto Atlas, divulgado em 30 de setembro. Melo tem 32,4% e Maria do Rosário, 28,9%.

Em Salvador, Bruno Reis (União Brasil), afiliado de ACM Neto, lidera confortavelmente, enquanto Ana Paula Matos (PDT), vice de Ciro Gomes na chapa presidencial de 2022, é a candidata mais bem posicionada da esquerda na disputa, conforme indica pesquisa Quaest. O PT está chapa do candidato do MDB, Geraldo Júnior.

O PT, que já teve representatividade nas maiores cidades do Brasil, vem perdendo força, especialmente após os escândalos de corrupção nos governos Lula e Dilma. Em 2012, o partido comandava 28 das 300 maiores cidades; em 2020, caiu para apenas 13. Desde 2016, o PT não comanda nenhuma capital, tornando-se cada vez mais dependente de Lula para manter relevância.

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A dependência da legenda com a figura de Lula se acentua, ampliando as incertezas quanto ao seu poder de barganha por governabilidade tanto na atual correlação de forças no Congresso e quanto ao futuro do partido.

Lula aposta em vitória de Boulos para conter recuo da esquerda nas cidades

O maior esforço de reação ao declínio petista está na campanha de Guilherme Boulos (PSol) para a Prefeitura de São Paulo. Inicialmente, Lula havia se comprometido a se empenhar ativamente na candidatura do deputado, chegando a indicar pessoalmente Marta Suplicy (PT) como vice. Lula acreditava que a vitória de Boulos fortaleceria toda a esquerda.

Lula e Boulos chegaram a ser multados pela Justiça eleitoral pela realização de campanha antecipada em evento promovido pelo governo na capital paulista no Dia do Trabalho, no qual o presidente pediu votos para o então pré-candidato a prefeito.

No entanto, Lula cancelou dois compromissos recentes de campanha com Boulos, alegando problemas de agenda. Agora, resta só uma participação confirmada em evento de campanha do candidato do Psol: um ato na Avenida Paulista, neste sábado (5). O distanciamento foi visto por analistas como uma maneira de se distanciar dos impactos negativos de uma eventual derrota de Boulos, caso ele não consiga chegar ao segundo turno, o que pode prejudicar os planos de Lula de sucessão presidencial em 2026.

Com disputas acirradas em São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza, entre outras capitais, candidatos de esquerda buscaram apoio de Lula, por meio de vídeos, depoimentos ou presença em eventos. Mas o presidente frustrou a maioria desses pedidos, em meio às crises das casas de apostas (bets), guerra no Oriente Médio, queimadas, e outras alegadas urgências.

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Em junho e julho, Lula atendeu a pedidos da base e visitou cidades importantes, participando de eventos de governo e apoiando candidatos. Depois, se afastou justamente na fase final, que coincide com o avanço da direita em importantes capitais, conforme mostrou a Gazeta do Povo.

Nas últimas semanas, Lula esteve em viagens aos Estados Unidos e México, passando mais tempo no exterior. No último caso, deixou de fazer uma esperada live com Boulos na quarta-feira (2) em razão do problema com o avião presidencial, que acabou retardando sua chegada ao Brasil.

Aposta de Lula na polarização nacional mostrou-se favorável a Bolsonaro

Ao tentar tornar as eleições deste ano uma guerra entre “negacionistas” e “campo democrático”, em continuidade ao segundo turno de 2022, Lula decidiu apoiar candidatos não-petistas em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador, onde aliados de outros partidos tinham mais chances de vencer.

Em São Paulo, Boulos conseguiu atrair só cerca de metade (49%) dos eleitores de Lula, apesar de contar com campanha robusta, para a qual o PT destinou R$ 30 milhões. Isso foi o que apurou pesquisa Datafolha divulgada em 28 de setembro.

Especialistas apontam razões possíveis para o afastamento de Lula nas campanhas

Para Leandro Gabiati, cientista político e diretor da consultoria Dominium, a expectativa de engajamento maior de Lula nas campanhas municipais se frustrou em razão das dificuldades próprias de conciliar essa participação com a rotina de compromissos da Presidência.

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“Ele dedicou vários finais de semana, viajando para compromissos oficiais às sextas-feiras e permanecendo no local ao longo do sábado e até domingo, para visitar cidades e apoiar candidatos. Todavia, muitos aliados desejam presença física ainda maior”, disse.

Luiz Filipe Freitas, consultor político do escritório Malta Advogados, acredita que Lula até pode ter considerado possíveis prejuízos de se associar a candidatos sem grandes chances de vitória. No entanto, ele vê como mais plausível que o presidente tenha percebido a necessidade de não atrelar sua imagem a candidato que concorre contra apoiados por partidos da base governista.

O PT já havia indicado a retirada de candidaturas em favor de alianças com outros partidos da base do governo, e esse afastamento parece ser uma continuação dessa estratégia. “Apoiar candidatos contra aliados pode gerar insatisfação. Com base parlamentar fragmentada, esse cálculo mais conservador tende a prevalecer”, analisa.

O especialista lembra que as eleições atuais podem ser cruciais para o cenário político do governo nos próximos dois anos. Assim, uma postura de Lula voltada para a autopreservação também se reflete na disputa pela presidência da Câmara. “Como o chefe do Executivo não está em posição de controlar o processo, ele deve temer forte retaliação caso confronte aliados nas eleições municipais”, conclui Freitas.

Candidatos aliados com mais vantagem escondem o apoio do presidente

Segundo o cientista político Leonardo Barreto, o mais provável é que Lula tenha avaliado o cenário desfavorável, com grande retração da esquerda, sobretudo nas disputas das grandes cidades. “De novo, o presidente não se mostra solidário com os candidatos em dificuldades na reta final”, disse.

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Em algumas capitais, candidatos “escondem” o apoio de Lula por receio de serem afetados negativamente pela rejeição que o petista tem em parte do seu próprio eleitorado. É o caso do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que tem chances de ser reeleito já no primeiro turno. Pesquisa do Datafolha de 5 de julho mostrou que Paes tinha intenção de voto de 42% dos eleitores que se declaram simpáticos a Bolsonaro.

Esse é um dos motivos que o levaram a optar por direcionar ataques ao governador Cláudio Castro (PL), correligionário de seu adversário Alexandre Ramagem (PL), em vez de a Bolsonaro. O caso de João Campos (PSB) no Recife é parecido. Isolado na frente com 76% das intenções de voto, o socialista não recorreu à ajuda do presidente.  

O fomento à rejeição ao petismo está relacionado ao humor geral do público. A mais recente pesquisa Quaest sobre o desempenho do governo revelou que para 41% da população, a economia piorou nos últimos 12 meses, o pior índice da série; só 33% notaram melhora. A grande maioria se queixou do aumento nos preços dos alimentos (65%), combustíveis (59%) e medicamentos (64%).

O levantamento ouviu 2 mil eleitores com 16 anos ou mais, entre 25 e 29 de setembro. O índice de confiança é de 95%.

Expectativa de reforma ministerial e mudança de comando no PT pós-eleições

Embora os resultados das eleições municipais nem sempre sejam indicativos da corrida presidencial, se o domínio de centristas e direita for confirmado no pleito de 2024, será um sintoma dos desafios que a esquerda enfrentará na disputa de 2026. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) tem pregado renovação na liderança do partido de Lula para adequar-se aos novos desafios.

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A provável saída da deputada Gleisi Hoffmann (PR) do comando da legenda logo após as eleições também deve vir acompanhada de uma prometida reforma ministerial, voltada para acomodar o quadro saído das urnas e garantir governabilidade nos dois últimos anos do terceiro mandato de Lula.

Metodologia das pesquisas

As pesquisas do instituto Quaest que apontaram vitória dos atuais prefeitos do Rio, Recife e Salvador foram realizadas entre os dias 27 e 29 de setembro nas duas primeiras e entre 14 e 16 de setembro na capital baiana, todas com margem de erro de três pontos percentuais.

Sobre o retrato da disputa em Belo Horizonte, a pesquisa Quaest ouviu 1.002 pessoas entre os dias 27 e 29 de setembro. A margem de erro é de três pontos percentuais e o nível de confiança é de 95%.

Para a corrida em Porto Alegre, o Atlas ouviu 1.191 pessoas entre 24 de setembro e 29 de setembro, utilizando o recrutamento digital aleatório. A margem de erro é de 3 pontos percentuais.

O levantamento do Instituto Datafolha sobre eleitores de Boulos que também votaram em Lula foi realizada presencialmente com 1.610 pessoas nos dias 24 a 26 de setembro, com margem de erro de quatro pontos percentuais.

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No levantamento que o Datafolha analisou os votos em Eduardo Paes em julho, ouviu 840 eleitores entre os dias 2 e 4, com margem de erro de 3 pontos percentuais.