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Lula evita desgaste adicional ao não viajar para cúpula com ditadores

Lula e Janja em viagem ao México onde o presidente voltou a criticar Israel
Lula e Janja em viagem ao México onde o presidente voltou a criticar Israel (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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A ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Cúpula de Líderes dos Brics, na Rússia, livrou o petista do desgaste político de aparecer ao lado dos ditadores de Rússia, Irã e Venezuela. Segundo analistas consultados pela Gazeta do Povo, o cancelamento da viagem, embora justificado por um acidente doméstico, deve evitar possíveis constrangimentos internos e externos para o presidente.

Lula já demonstrou diversas vezes, ao se reunir ou mandar enviados para países como China, Rússia, Venezuela e Cuba, que não enxerga problemas em se associar ou ser visto com ditadores. Dessa vez ele disse que não foi à cúpula porque bateu a cabeça em um acidente no banheiro e lamentou não poder fazer a viagem.

Mas sua ausência física no encontro (ele planeja fazer reuniões virtuais) pode evitar polêmicas como o apoio a um plano de paz para a Ucrânia proposto pela China e apoiado pelo Brasil que favorece a Rússia, os pedidos da Venezuela e da Nicarágua para entrar no Brics e um eventual encontro com o presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, no momento em que o país está numa escalada de conflitos com Israel.

"No atual contexto internacional, a ausência de Lula na cúpula dos Brics pode trazer impactos positivos na medida em que o presidente pode evitar se associar diretamente a discussões ou decisões controversas que possam surgir, especialmente em relação a países como Rússia e China", avalia Leandro Barcelos, gerente de comércio internacional da BMJ Consultores Associados.

O petista teve a viagem a Kazan cancelada após sofrer um acidente doméstico no Palácio do Planalto neste final de semana. Lula teria sofrido uma queda em casa que ocasionou em um traumatismo craniano. Devido à condição, foi orientado a não fazer viagens de avião de longa duração e está em observação. O chanceler Mauro Vieira foi designado a presidir a comitiva brasileira durante a reunião de líderes dos Brics e Lula acompanhará o encontro por videoconferência.

O Brics, bloco atualmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã, se reúnem entre os dias 23 e 24 deste mês, em Kazan, na Rússia, para a Cúpula de Líderes que acontece anualmente. Neste ano, Putin é quem sedia o encontro, já que a Rússia preside o bloco até dezembro.

Formado em sua maioria por países que são considerados ditaduras, os Brics têm se posicionado no contexto geopolítico como um grupo anti-Ocidente. Essa postura, na avaliação de especialistas, coloca o Brasil em uma posição delicada, sobretudo porque Lula tem demonstrado apoio às ideias do grupo que contestam a hegemonia ocidental.

"Os Brics têm ganhado uma importância cada vez maior em questões políticas, sobretudo por causa dos interesses da China e da Rússia. No terceiro governo Lula, a retórica diplomática brasileira tornou-se muito mais pró-bloco sino-russo do que em qualquer outro momento da história política brasileira. E isso pode ter implicações muito severas", explica o professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Elton Gomes.

As implicações citadas pelo docente se referem ao relacionamento do Brasil com as nações do Ocidente, sobretudo os Estados Unidos. Os Estados Unidos são o principal alvo de ataques de China e Rússia, mas Washington também um aliado histórico do Brasil.

"O Brasil tem laços políticos, econômicos e institucionais históricos com os Estados Unidos. A China é a maior parceira comercial do Brasil desde 2008. Sabendo desses beligerantes, que eles estão em posicionamentos distintos, o Brasil fica em uma posição delicada", pontua Gomes.

Lula evita perdas políticas com ausência nos Brics

Nos últimos meses Lula sofreu um desgaste em sua política externa causado pela postura que tem adotado sobre os conflitos em curso na Europa e no Oriente Médio. O brasileiro tentou se posicionar como um mediador neutro, propondo a paz e o diálogo, mas suas falas foram vistas como complacentes ou ambíguas, especialmente quando ignoraram agressões militares e violações de soberania.

Lula chegou a equiparar a responsabilidade sobre a invasão da na Ucrânia entre Vladimir Putin e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ignorando que foi o líder russo quem deu início ao conflito ao ordenar que suas tropas invadissem o país vizinho. O petista também tem sido um crítico constante da contraofensiva israelense na Faixa de Gaza, e mais recentemente no Líbano, contra os grupos terroristas do Hamas e do Hezbollah.

Tais declarações afastaram Lula do tabuleiro de negociação sobre as guerras: o petista não participou de discussões sobre o conflito no leste europeu durante a Cúpula do G7 e também não foi convidado para buscar uma solução pacífica no Oriente Médio, apesar da tentativa de ocupar estes espaços. Suas declarações também trouxeram prejuízos internos: a popularidade de Lula caiu entre os brasileiros quando ele comparou a contraofensiva de Israel em Gaza ao Holocausto de Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial.

Analistas apontam que a presença de Lula no evento representaria um desafio à sua imagem internacional. Além de figurar ao lado de Rússia e China, a cúpula colocaria o petista na mesma sala que os líderes do Irã, acusado de apoiar terroristas no conflito com Israel, e dos regimes da Venezuela e Nicarágua. Embora não sejam membros dos Brics, essas ditaduras latino-americanas pleiteiam entrar no bloco.

Na avaliação de Elton Gomes, é normal que o Brasil participe de cúpulas dos Brics, mas a presença de Lula no atual contexto traria uma percepção negativa ao país. "A ida do presidente Lula ao evento reforçaria a imagem de que o Brasil deseja se alinhar com o bloco sino-russo, o que tem implicações muito sérias diante da nossa histórica postura universalista", pontua.

Os interesses de Putin com a cúpula dos Brics

Sediado pela Rússia, o encontro deste ano tem um peso político ainda maior. Isso porque Vladimir Putin tem apostado nos Brics como uma alternativa para aliviar seu isolamento causado pelo Ocidente. "Essa cúpula serviria para poder dar a ideia de normalidade e de estabilidade para o ditador russo. Putin tem um grande objetivo: mostrar força e vitalidade diante um momento muito complexo da guerra", avalia Elton Gomes.

A Rússia se tornou o país mais sancionado do mundo desde que decidiu invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Desde então, Moscou tem buscado mostrar força política em busca de aliados que também se opõe às nações ocidentais. Os Brics têm sido a grande aposta do autocrata em busca de apoio e de novos aliados e deve ser usado para difundir um plano de paz da China que é totalmente favorável à Rússia por não prever a devolução de territórios da Ucrânia que foram anexados na invasão de 2022.

E nessa busca de tentar mostrar força, a expectativa é que os Brics façam o lançamento de uma plataforma de pagamentos para membros do bloco, o Brics Pay. O projeto tem sido impulsionado por Moscou. Conforme já analisado pela Gazeta do Povo, o sistema seria utilizado como uma alternativa ao Swift, o qual a Rússia está proibida de utilizar.

Os membros dos Brics já têm apoiado retóricas sino-russas que questionam a hegemonia do dólar e dos atuais organismos financeiros internacionais, como o FMI e o Banco Mundial - embora o discurso oficial do bloco negue a oposição ao dólar. Lula é um dos líderes que tem apoiado discussões dentro dos Brics nesse sentido. O Brasil é, inclusive, um dos "supervisores" da plataforma ao lado de China, Rússia, Índia e África do Sul, os membros "originais" do Brics.

O tema também é sensível para o Brasil. Apesar de Lula defender a desdolarização, o Brasil tem quase 90% das suas exportações e importações negociadas em dólar. As discussões sobre uma estratégia de negociações sem dólar são pautadas sobretudo pela China, que disputa com os Estados Unidos a liderança da economia mundial.

O país também tem impulsionado, ao lado da Rússia, a expansão dos Brics. Xi Jinping tenta negociar a entrada de novos países ao grupo desde 2022, em uma tentativa de aumentar sua influência e força no atual contexto geopolítico. O Brasil, por outro lado, tem se oposto à essa expansão, porque considera que perderia protagonismo e força política dentro do grupo.

Discussões dos Brics neste ano colocam em xeque postura diplomática do Brasil

Pressionado por Putin e Xi Jinping, os Brics avaliam pedidos de 34 países para ingressar ao bloco de alguma forma – entre eles, Venezuela, Nicarágua, Afeganistão, Paquistão e Cuba. A possível entrada da Venezuela e Nicarágua ainda colocam em xeque a força política do Brasil.

Lula defendeu a entrada da Venezuela nos Brics no passado, mas essa postura mudou nos últimos meses. Nos bastidores do Palácio Itamaraty, é difundida para a imprensa a alegada possibilidade do governo brasileiro se opor à candidatura da Venezuela para os Brics.

"Eu não defendo a entrada da Venezuela. Acho que tem que ir devagar. Não adianta encher [o Brics] de países, senão daqui a pouco cria-se um novo G77", afirmou Amorim, em referência ao grupo de países em desenvolvimento, em entrevista à CNN Brasil nesta segunda-feira (21).

Após a fraude eleitoral que reelegeu o ditador Nicolás Maduro para presidência do país, o autocrata esperava apoio de Lula no processo eleitoral, mas isso não ocorreu devido a pressões internas. A situação causou um ruído no relacionamento bilateral dos países. O governo de Lula ainda buscou intermediar a crise política no país, mas falhou na busca por uma solução.

Apesar de não ter reconhecido oficialmente a reeleição de Maduro, a diplomacia brasileira também não contestou sua suposta vitória – contestada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Centro Carter, organismos internacionais que analisam a legitimidade de processos eleitorais. Assim, o Brasil reconheceu tacitamente a reeleição de Maduro, sob a justificativa de manter o relacionamento com o país. No ano passado, Lula recebeu Maduro no Brasil e disse que a ditadura na Venezuela era só uma narrativa.

Uma possível aprovação da Nicarágua também respinga negativamente no Brasil. O país foi outro onde Lula tentou intermediar uma crise política e não obteve sucesso. O petista apostou na proximidade com Daniel Ortega para tentar frear a opressão do ditador, especialmente contra membros da Igreja Católica.

A falha tentativa de intermediação, inclusive a pedido do Papa Francisco, resultou no rompimento das relações entre Brasil e Nicarágua. A decisão partiu de Ortega, que expulsou o embaixador brasileiro do país. Em resposta, o Itamaraty aplicou o princípio da reciprocidade e expulsou a embaixadora nicaraguense de Brasília – um declínio na relação bilateral nunca visto no relacionamento entre os dois países.

Esse desalinhamento discursivo, em um cenário de realinhamento global marcado pela polarização e novas alianças, pode gerar desconfiança entre aliados tradicionais do Brasil, afetando negativamente a capacidade do país de atuar como líder moderador no cenário internacional.

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