Plenário da Câmara esvaziado na sessão de quinta-feira (28): baixo quórum foi ameaça para aprovação da PEC dos Precatórios.| Foto: Câmara dos Deputados
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As resistências à PEC dos precatórios ganharam corpo nos últimos dias com o argumento de que há outros interesses além da capitalização do Auxílio Brasil, novo programa de transferência de renda do governo. Segundo oposicionistas, a medida criará verbas que poderão ter como destinos o fundo eleitoral (que pode passar de R$ 2 bilhões para R$ 5 bi), o “orçamento secreto”, e outras iniciativas de pouca transparência.

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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), planeja colocar a PEC em votação na próxima quarta-feira (3). O projeto é visto pelo governo como vital para garantir recursos ao Auxílio Brasil de R$ 400.

“Essa PEC está sendo usada para abrir espaço no Orçamento, com dois objetivos: de um lado, atender o desejo do Bolsonaro de ser reeleito, com fundos para um programa popular que pode ajudar em sua campanha para a reeleição. De outro, atender interesses do Centrão, que pode incrementar valores das emendas de relator e as do fundo eleitoral”, disse o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG). O partido do parlamentar, que costuma acompanhar o governo nas pautas econômicas, se posicionou contrário à emenda constitucional.

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Em posicionamento divulgado na quarta-feira (27), a liderança da minoria da Câmara, que reúne partidos de esquerda que fazem oposição a Bolsonaro, chamou a iniciativa de “PEC da chantagem”, “PEC do calote” e “PEC dos artifícios criados pelo governo”.

“A proposta promove uma maquiagem nas contas públicas para criar um espaço de mais de R$ 100 bilhões no orçamento, sendo que apenas R$ 30 bilhões adicionais seriam suficientes para o pagamento dos auxílios sociais ao povo brasileiro. O restante dos recursos encontra-se num limbo, sem qualquer vinculação de destinação, a serem usados pelo governo no orçamento secreto”, aponta o texto.

A hipótese é rechaçada pelo deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), da base governista. “Esses argumentos são falhos. Uma coisa não tem nada a ver com outra. Precisamos da PEC para garantir recursos para o Auxílio Brasil. Se quiséssemos ampliar as verbas do fundo eleitoral, poderíamos fazer isso de outra forma”, destacou.

O que diz a PEC dos precatórios

A PEC dos precatórios estabelece um teto anual para o pagamento, por parte da União, de dívidas referentes a disputas judiciais nas quais o governo federal é derrotado e onde não há mais possibilidade de recurso.

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O governo alega que o montante necessário para o custeio dos precatórios passou por crescimento exponencial nos últimos anos e, por isso, é necessária uma revisão das regras. Os números apontados pelo Executivo falam de despesas na ordem de R$ 16 bilhões em 2016, R$ 45 bilhões em 2020 e de R$ 90 bilhões em 2021.

“É óbvio que esse crescimento exponencial não dialoga com o teto de gastos, que sobe com base na inflação. Essas decisões judiciais tomam o espaço de todas as políticas públicas que o governo precisa implementar para atender ao povo brasileiro, especialmente na saúde, educação, infraestrutura e na área social”, declarou, em discurso nesta quinta-feira (28), o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

A definição da nova sistemática para o pagamento dos precatórios prevista na PEC contempla também uma revisão no parâmetro do teto de gastos. O teto, aprovado pelo Congresso durante a gestão do ex-presidente Michel Temer, determina que todos os gastos públicos do governo federal só podem subir para serem adequados à inflação medida no período entre julho de um ano e junho do ano seguinte. O intervalo foi pensado porque é no mês de agosto que o projeto de orçamento é enviado pelo governo ao Legislativo. Já pela nova proposta incluída na PEC valem os índices de inflação entre janeiro e dezembro. Com isso, o Orçamento será formado sem as regras da inflação consolidadas. Para críticos da proposta, isso permitiria ao governo sobredimensionar os índices inflacionários para poder ampliar sua margem de recursos.

O relator da PEC dos precatórios, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), disse acreditar que as mudanças previstas na proposta criem uma janela orçamentária de R$ 84 bilhões. Técnicos ouvidos pelo portal G1 veem uma margem superior, de R$ 95 bilhões.

A divergência sobre o montante exato e o destino desses recursos é um dos fatores que mais tem motivado contestações. A nota da liderança da minoria recorda o caso do “orçamento secreto”, circunstância trazida a público no início do ano após reportagens do jornal O Estado de S. Paulo e ainda não plenamente esclarecida pelo governo federal.

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A manobra consiste em uma rubrica no Orçamento da União, denominada “emenda de relator”, que tem como beneficiários os deputados federais e senadores, que em tese devem destinar os recursos para obras e outras ações em suas regiões de origem.

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O processo, porém, é marcado pela falta de transparência. Não há critérios claros sobre quais são os parlamentares que são efetivamente contemplados com as verbas, e nem como os recursos são utilizados. As reportagens do Estadão identificaram casos de deputados de Amazonas e Roraima que destinaram recursos para a compra de tratores por uma cidade do interior de Goiás. Em alguns casos, os produtos foram adquiridos por preços diferentes dos praticados no mercado, o que despertou a atenção da Controladoria-Geral da União.

Outra controvérsia que envolve a PEC dos precatórios diz respeito a valores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), antecessor do atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Críticos da iniciativa alegam que o estabelecimento de um teto para pagamento dos precatórios travará pagamentos a estados e municípios que deveriam ter sido compensados por terem recebido, no passado, valores referentes ao Fundef inferiores ao combinado. E o processo terá como penalizados professores das redes públicas dessas localidades.

“A constatação desse quadro mudou a dinâmica do processo. Membros da oposição que chegaram a ser favoráveis à PEC alteraram sua opinião”, ressaltou o deputado Mitraud.

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Em entrevista coletiva nesta quinta, o presidente da Câmara, Arthur Lira, contestou a ideia. "Não há prejuízo para professores e estados que vão fazer a compensação. São versões que são criadas, que temos a obrigação de desmistificar", disse.

Chances de aprovação da emenda constitucional

O agendamento da votação da PEC para o dia 3 é uma mostra do embate político que a iniciativa motiva. Isso porque as expectativas anteriores eram de votação nesta semana, mas o processo não ocorreu pelo receio de derrota.

A busca por mais votos envolveu não apenas lideranças do Congresso, mas também representantes do governo, como os ministros João Roma (Cidadania), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Ciro Nogueira (Casa Civil). Os três são parlamentares licenciados; Roma e Arruda são deputados, e Nogueira é senador.

Além do teor do texto, outro elemento foi citado como dificultador da aprovação da iniciativa: a decisão de Lira de retomar na íntegra, a partir da semana atual, as votações presenciais na Câmara. Aliados do presidente da Casa acreditam que a medida contribuiu para a redução do quórum, o que diminuiu a margem de votos necessários para a aprovação. Por ser uma PEC, a proposta precisa de no mínimo 308 votos dos deputados, em dois turnos de votação, e depois ser aprovada no Senado, em rito semelhante.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou que poderia colocar a proposta em votação diretamente no plenário da casa, sem submetê-la a comissões, como é o rito habitual. O presidente Jair Bolsonaro declarou que a pauta compete a Pacheco, mas ressaltou que o governo tem pressa para a aprovação da iniciativa.

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