Desde que o pagamento do auxílio emergencial do governo federal começou, se acumulam casos de pessoas que não teriam direito ao benefício, mas que receberam pelo menos a primeira parcela da ajuda de R$ 600. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que 8,1 milhões de brasileiros podem ter recebido o auxílio emergencial indevidamente.
Descontando aqueles que teriam direito ao auxílio mas não tiveram o cadastro aprovado (2,3 milhões de cidadãos, segundo o TCU), o gasto indevido pelo governo federal chega a R$ 3,6 bilhões por mês – mais que toda a despesa mensal com o Bolsa Família, que gira em torno de R$ 2,5 bilhões.
As irregularidades vão de pessoas que pedem o auxílio mesmo sabendo que não têm direito a fraudadores que utilizaram os dados de outros cidadãos para fazer a requisição (e tiveram o pedido aprovado pelo governo), passando por falhas do próprio Executivo.
Em maio, quando a Caixa Econômica Federal pagou a primeira parcela do benefício, veio a público o primeiro episódio de fraude. À época, o Ministério da Defesa informou que mais de 73 mil militares receberam o benefício, mesmo sem ter direito. Nesse caso, o TCU determinou que os valores fossem ressarcidos por meio do desconto nos salários.
No Paraná, outro registro de irregularidades em massa: mais de dez mil servidores municipais foram identificados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) recebendo o auxílio indevidamente. Segundo o levantamento, a maioria desses pagamentos ocorreu por falhas no cruzamento de dados feito pela Dataprev, empresa pública responsável pelo processamento das informações.
Entre os beneficiários irregulares que já vieram a público há, ainda, 11 criminosos que estão na lista dos mais procurados do país – entre eles, foragidos por roubos milionários e tráfico internacional de drogas.
Nos casos mais esdrúxulos, informações de pessoas públicas ou de seus parentes – que claramente não se enquadram nos critérios para recebimento do auxílio – foram utilizadas para o pedido. Foi o que houve com o filho do apresentador William Bonner e com o dono da Havan, Luciano Hang.
Quantos receberam o auxílio emergencial irregularmente?
O governo não divulga, oficialmente, a estimativa de quantos são os casos de irregularidades. Em nota, o Ministério da Cidadania informou que o benefício conta com um "modelo de governança" que inclui "parcerias com órgãos de controle e fiscalização que auxiliam na transparência da iniciativa". Dois acordos de cooperação técnica foram firmados pela pasta, um com o TCU e outro com a CGU, para a identificação de possíveis fraudes.
A estimativa do órgão de Contas, de que 8,1 milhões de brasileiros podem ter recebido o auxílio indevidamente, consta em um relatório de acompanhamento produzido pela equipe do TCU.
A CGU afirma que não pode divulgar detalhes quantitativos (como número de fraudes e regiões em que ocorreram), por tratar-se de um "trabalho de apuração em curso". No final de maio, porém, a própria CGU informou que apurava ao menos 160 mil casos de fraude.
Na nota encaminhada à Gazeta do Povo no início de junho, a Controladoria detalha que, entre as irregularidades já identificadas, estão 74,7 mil CPFs cadastrados que têm empresa aberta com mais de cinco funcionários; 86,6 mil que possuem veículos de valor superior a R$ 60 mil; 21,8 mil que são donos de embarcações de alto valor; e 22,9 mil que têm domicílio fiscal fora do país.
"Situações de possível não elegibilidade identificadas são informadas ao Ministério da Cidadania para tratamento e decisão quanto ao eventual bloqueio/suspensão de parcelas ainda não pagas, bem como para o tratamento em relação às parcelas já pagas", diz nota encaminhada pela CGU. Em junho, o governo divulgou que quase 300 mil beneficiários tiveram a primeira parcela do auxílio retida por conta de divergências cadastrais.
Ainda de acordo com a CGU, o trabalho de verificação para que sejam identificadas possíveis irregularidades "é contínuo e será realizado em todas as parcelas".
A Gazeta do Povo também questionou o número de irregularidades à Dataprev, mas a empresa pública disse, apenas, que os casos de fraude estão em investigação "pelos órgãos competentes".
Nos casos em que o erro foi do governo, quem assume a responsabilidade?
Há situações, entretanto, em que o benefício foi concedido indevidamente por uma falha no banco de dados do próprio governo. É o caso, por exemplo, de pessoas que estavam inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), destinado a programas sociais do Executivo federal, mas que não são elegíveis para o auxílio emergencial.
Consultada, a Caixa Econômica Federal informou que é apenas o agente pagador do benefício, e que não interfere na avaliação sobre a elegibilidade dos contemplados. "A responsabilidade no processo de avaliação dos critérios de elegibilidade é da Dataprev", disse o banco, em nota.
A Dataprev, por sua vez, não detalhou nem a quantidade de irregularidades já identificadas nem quantas se devem a falhas do próprio governo. A empresa enviou nota em que afirma, apenas, que as regras e os sistemas de concessão do benefício foram aperfeiçoados para diminuir a incidência de fraudes, e que as irregularidades não estão ligadas a falhas de segurança.
"Ressaltamos que a Dataprev é uma empresa de processamento de grandes volumes dados e tem atuado como parceira tecnológica do Ministério da Cidadania no Auxílio Emergencial", diz o texto. "O trabalho da empresa consiste em processar os dados por meio do cruzamento de informações autodeclaradas pelos solicitantes no portal e aplicativo da Caixa com os dados disponíveis, no momento da análise, nas bases federais. Tudo é feito a partir das regras definidas pela Pasta da Cidadania – órgão gestor do benefício", completa a nota.
O que acontece com quem receber o benefício de forma irregular?
Quem receber o auxílio emergencial sem ter direito é obrigado a ressarcir os valores ao governo federal. O Ministério da Cidadania já possui um meio eletrônico para a devolução dos recursos. No site, o beneficiário pode inserir seu CPF e escolher uma das opções para ressarcir o governo: via Guia de Recolhimento da União (GRU), que pode ser paga no Banco do Brasil, ou via boleto bancário, que pode ser pago em qualquer instituição financeira.
Além disso, na sexta-feira (5), o governo passou a disponibilizar a lista de todos os beneficiários do auxílio no Portal da Transparência, como forma de estimular o controle social e a transparência na concessão dos R$ 600. Quem souber de casos de irregularidades pode denunciar os casos no portal Fala.Br, plataforma de Ouvidoria e Acesso à Informação da CGU. Denúncias também podem ser feitas pelos telefones 121 e 0800-7070-2003.
Enquanto isso, cidadãos que teriam direito ao auxílio não tiveram o cadastro aprovado
Ao mesmo tempo, há casos de cidadãos que teriam direito ao benefício, mas que não tiveram o cadastro aprovado ou que ainda aguardam a avaliação pelo governo. De acordo com a própria Caixa Econômica Federal, 5,7 milhões de cadastros ainda estão em primeira análise para a concessão do benefício. Mais 5,3 milhões, ainda segundo o banco, estão em segunda ou terceira análise, porque houve inconsistências iniciais no cadastro.
Segundo o levantamento feito pelo TCU, 2,3 milhões de cidadãos que estão no Cadastro Único e deveriam receber os R$ 600 acabaram ficando de fora do programa.
De acordo com a Dataprev, 9,8 milhões de requerimentos do período entre 1º de maio e 2 de junho estão em processamento. Deles, 8,9 milhões estão em fase de homologação.
Diante das reclamações de demora na análise, o Ministério da Cidadania se comprometeu a avaliar os pedidos em até 20 dias corridos. Além disso, a pasta firmou um acordo com Dataprev, Caixa e Advocacia-Geral da União para aperfeiçoar o sistema. Entre as melhorias estão, segundo o ministério, o esclarecimento dos motivos para o indeferimento e a possibilidade de recurso para os cidadãos que tiveram o pedido rejeitado.
Quais são os critérios para a concessão do auxílio emergencial?
O auxílio emergencial, fixado no valor de R$ 600, é destinado a socorrer trabalhadores informais durante o período da pandemia do coronavírus. Para ser elegível, o cidadão precisa preencher os seguintes requisitos:
- Ter mais de 18 anos de idade;
- Não ter emprego formal ativo;
- Não receber benefícios pagos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), como aposentadoria, pensão ou Benefício de Prestação Continuada (BPC);
- Não ser beneficiário do seguro-desemprego, seguro-defeso ou de programa de transferência de renda federal, com exceção do Bolsa Família;
- Estar em família com renda mensal por pessoa de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou com renda mensal total de até três salários mínimos (R$ 3.135,00);
- Em 2018, não ter recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos), ou seja, em 2018 não precisou declarar Imposto de Renda; e
- Ser microempreendedor individual, contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social ou trabalhador informal, mesmo que desempregado.
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