As projeções que mostram um avanço da direita nas eleições do Parlamento Europeu, no último domingo (9), animaram a oposição brasileira nas redes sociais a respeito de uma possível repercussão internacional sobre o cenário eleitoral de 2026 no Brasil. No entanto, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo ressaltam que a direita eleita para o órgão europeu tem grandes diferenças em relação à oposição no Brasil sobre pautas de costumes e protecionismo.
Em publicação nas redes sociais, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) comemorou o resultado e disse que os EUA e o Brasil serão os próximos a integrar a “corrente do bem” da direita.
“A Europa se cansou da esquerda, de países sem fronteiras, da agenda 2030, ESG, descarbonização, ideologia de gênero, libertinagens”, disse Bolsonaro em seu perfil no X (ex-Twitter). Segundo ele, os “valores da família”, respeito à propriedade privada, legítimo direito à defesa e liberdade de expressão “falaram mais alto no momento certo”. O termo ESG, em inglês, usado por ele se refere a meio ambiente, social e governança - uma tendência classificada como progressista que virou moda no mundo corporativo.
A percepção do ex-presidente acerca da direita europeia, no entanto, parece se confundir com a percepção de outras direitas no mundo, como a americana. Em muitos países da Europa, questões de costumes - como aborto, temas LGBTs e política de cotas - são assuntos já considerados pacificados e dificilmente entram na pauta de debates. A inclinação política predominante na Europa é a do liberalismo, que, na pauta de costumes, entende que o Estado não deve interferir ou influenciar decisões da vida privada das pessoas.
Em abril deste ano, o órgão aprovou uma resolução para incluir o aborto como direito na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Dos 336 votos a favor, o Partido Popular Europeu, de centro-direita, da presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, contribuiu com 43 votos. Já o Renovar Europa, que inclui o presidente francês Emmanuel Macron, partido considerado liberal, deu 81 votos.
As projeções sobre a eleição mostram que a atual coalizão que envolve partidos de centro-direita e de centro-esquerda deve continuar no poder. Mas partidos mais à direita, como o ECR (Conservadores e Reformistas) e o ID (Identidade e Democracia), ganharam mais espaço em detrimento do Partido Verde e da Esquerda.
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), as pautas dos eurodeputados é mais focada em questões econômicas e de relações exteriores, como imigração.
“A direita europeia não é propriamente religiosa, não possui um discurso católico ou protestante de restauração de valores defendidos pela fé. Nesse contexto, a vitória no Parlamento Europeu não significa que o debate feito lá irá ‘cruzar o oceano’ e afetar a direita daqui. Por outro lado, essa vitória pode ser usada em um discurso de paralelismo sobre a tendência política do momento”, disse Gomes.
Em contrapartida, a deputada federal Bia Kicis (PL-DF) afirma que existem pautas comuns entre a direita europeia e a brasileira, apesar de a brasileira ser mais conservadora.
"A Europa está sendo destruída por essa imigração sem controle, pela destruição dos valores de família, e eu acho que os jovens finalmente começaram a entender que essa não é a Europa que eles querem. Existe, claro, diferença entre a direita brasileira da América Latina e a direita europeia, principalmente porque nós somos mais conservadores, eles são mais liberais, mas é direita. Então, muitas pautas nós temos em comum e vamos trabalhar para seguirmos unidos".
De acordo com a parlamentar, a direita europeia também luta contra ideologia de gênero, e contra a doutrinação nas escolas. Ela também lembrou que a direita brasileira foi à Europa para denunciar perseguição política e a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). "Nós temos muitos problemas que são comuns e é isso que a gente vai trabalhar para a gente conseguir superar", disse a deputada.
Comentando a situação, o cientista político Marcelo Suano, docente no Ibmec São Paulo, afirma que o movimento à direita do bloco europeu é fruto do “fracasso das políticas e programas de governo que foram adotados pelas esquerdas no mundo inteiro”. Sobre a divergência na pauta de costumes entre as direitas, ele explicou que o pensamento europeu é voltado para problemas mais concretos do que filosóficos.
“Há elementos mais concretos do que propriamente a pauta de costumes, pautas que acabam gerando reflexões filosóficas de diferentes visões. Por exemplo, migração. Migração é uma pauta concreta. A Europa sofre com esse problema, porque o emprego para os nacionais fica mais minado”, disse Suano.
Crescimento da direita europeia tem caráter simbólico para a brasileira
Apesar de apresentar possíveis desvantagens econômicas, analistas ouvidos pela reportagem afirmam que o crescimento da direita no Parlamento Europeu possui um caráter simbólico para a direita brasileira. Para o cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, o resultado normaliza a existência de grupos organizados e partidos de direita.
“Esse alinhamento é importante. A ideia é que os governos de direita, aqui no Brasil, deixem de ser vistos como uma anomalia, uma coisa esquisita, fora do tempo, e passem a ser vistos como algo normal, algo típico da democracia”, disse Cerqueira.
Já na avaliação do cientista político Thales Castro, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o impacto dessa mudança legislativa no bloco europeu sinaliza um cansaço dos países em relação à esquerda.
“O impacto dessa eleição no Brasil é perceber que há uma certa fadiga das correntes progressistas, como ocorreu com a eleição de Javier Milei na Argentina. O presidente Emmanuel Macron, por exemplo, vai passar por momentos delicados nesse final de mandato, principalmente após dissolver o parlamento. Isso complica a agenda do Lula. É uma nova dinâmica que se apresenta, um novo mundo que se descortina”, disse Castro.
Avanço na Europa pode dificultar comércio e ajudar a isolar Lula
Na área econômica, a avaliação é de que o protecionismo do bloco europeu deve aumentar com o avanço da direita, o que pode dificultar o comércio internacional e um eventual acordo para diminuir as barreiras alfandegárias entre a União Europeia e o Mercosul.
Indagado sobre a eleição, o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara, afirmou que a oposição brasileira busca se articular com os eurodeputados, mas a questão comercial ainda é uma barreira. “Temos sérias divergências na parte comercial. Eles são protecionistas e isso é ruim para nós”, disse Salles.
Para Salles, além do protecionismo, o resultado da eleição no Parlamento Europeu pode contribuir para um isolamento do Brasil no campo das relações exteriores.
“O Brasil vai ficar isolado. Milei na Argentina. Direita avançando na Europa. Trump será eleito nos EUA. Tudo isso vai expor ainda mais o alinhamento ruim desse governo, abrindo mais flancos para críticas. A agenda será conservadora nos costumes, liberal na economia e de direita na política, assim entendida como anti-PT”, disse o parlamentar.
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