A bancada liberal no Congresso se dividiu entre aqueles que se mantém na oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os que estão mais flexíveis e dispostos a um diálogo amplo e plural para aprovar propostas que conciliam o pensamento liberal e o trabalho de reduzir o Custo Brasil e fomentar o empreendedorismo.
Em janeiro, o clima no Congresso era de mais pessimismo quanto à hipótese de avançar pautas de desestatização, melhorias do ambiente de negócios e ganhos de competitividade durante os quatro anos do governo Lula. Hoje, a aprovação de propostas relacionadas a esses temas ainda é improvável, mas uma parcela da bancada liberal do Legislativo atuou para destravar ao menos parte de uma agenda possível.
A Frente Parlamentar Mista pelo Brasil Competitivo lançou no início de abril sua agenda legislativa com 37 propostas, um número até maior dos que os 30 projetos iniciais apresentados no lançamento da bancada temática, na última legislatura. Alguns ajustes na agenda são perceptíveis em meio aos interesses do atual governo federal.
Em 2021, a frente que luta para reduzir o Custo Brasil, estimado em R$ 1,5 trilhão ao ano, defendeu a aprovação do Projeto de Lei (PL) 591/2021, que trata sobre a privatização dos Correios. A matéria foi aprovada na Câmara e está parada no Senado, aguardando a designação de um relator, e não consta na agenda de 37 pautas prioritárias lançada neste mês.
Contudo, ainda contempla pautas relacionadas à melhoria do ambiente de negócios, como o Projeto de Lei Complementar (PLP) 33/2020, o conhecido "marco legal do reemprendedorismo", que trata sobre recuperação judicial e extrajudicial das micro e pequenas empresas (MPEs), e também defende a aprovação dos PLPs 17/2022 e 125/2022, que versam sobre um novo código de defesa do contribuinte.
A frente parlamentar também não deixou de propor pautas sobre modernização trabalhista, como a manutenção do PL 1231/15, entre suas prioridades. A redação inclui mecanismos de facilitação da contratação de pessoas com deficiência no setor privado e prevê medidas de compensação a serem adotadas quando a cota mínima não puder ser atingida.
A bancada também defende os PLs 5670/19 e 1363/21, que inclui na CLT a regulação do trabalho multifuncional e revisa o plano de benefícios da Previdência Social, respectivamente.
"Desideologização" é a aposta para reduzir o Custo Brasil, diz deputado
O avanço do pensamento liberal com pautas que estimulam a redução do Custo Brasil é possível em decorrência da "desideologização" pregada pelo deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). "Quanto mais você entrar no conteúdo das propostas, mais você vai adiante", destacou o parlamentar à Gazeta do Povo. "Toda vez que você entra na discussão de mérito e tira os adjetivos e a ideologização, tem ambiente para avançar", complementa.
Presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, Jardim transita bem entre os diferentes espectros políticos e admite que a escolha dele para presidir a bancada se dá em razão da capacidade de diálogo junto aos diferentes polos. "Não tenho a menor dúvida. Uma característica minha é essa capacidade de dialogar. Acho que sou respeitado pelos dois extremos, porque nunca fui uma pessoa de denúncias, sempre construí. Acho que isso foi decisivo para que eu fosse o perfil de dirigente que a frente precisaria", comentou.
Em seu discurso no lançamento da nova diretoria e da agenda legislativa, Jardim destacou que a "política não é apartidária, e muito menos eleitoral", e fez um apelo por "mudança" e a defesa de "estabelecer um novo clima" junto à sociedade em meio ao atual governo Lula. "Foi pobre o período anterior de radicalização extrema e polarização acentuada, de abundância de adjetivos e de carência de substantivos. É hora de buscar não gladiadores, mas construtores. É hora de buscar não exaltar as diferenças, mas estabelecer as convergências", opinou.
O deputado defendeu um "projeto de desenvolvimento nacional" para o país, criticou a "polarização radicalizada" e pediu a "construção de uma agenda para um novo momento". "As pessoas que aqui estão são construtores e, por isso, vibro e me sinto junto com vocês para uma bela cruzada, por um Brasil competitivo que retome o seu desenvolvimento econômico", destacou.
Jardim relatou o PL 312/15, que trata sobre o pagamento por serviços ambientais, transformado na Lei nº 14.119/2021; e foi autor do PL 5191/20, que instituiu os Fundos de Investimento para o Setor Agropecuário (Fiagros), a Lei 14130/21. Em ambos os casos, mesmo apesar de divergências de setores da esquerda, as pautas não foram obstaculizadas.
Composição com a esquerda é parte da estratégia entre liberais
A composição entre parlamentares da esquerda, do centro e da direita foi uma decisão adotadas pela Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo como estratégia para defender a união e a "desideologização" pregada por Arnaldo Jardim. Enquanto a última diretoria era composta por deputados mais de centro-direita e direita, a nova é mais pluripartidária.
O vice-presidente do Senado da frente é o senador Rogério Carvalho (PT-SE). A vice-presidente da Câmara é a deputada Soraya Santos (PL-RJ). O secretário-geral é o deputado Julio Lopes (PP-RJ). Entre os diretores estão os senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Fabiano Contarato (PT-ES), e os deputados Reginaldo Lopes (PT-MG), Mendonça Filho (União Brasil-PE), Adriana Ventura (Novo-SP), Lucas Ramos (PSB-PE), além de deputados do Republicanos, PSDB, Cidadania, MDB e PSD, como Marco Bertaiolli (PSD-SP).
Bertaiolli preside a Frente Parlamentar do Empreendedorismo, que também adotou uma composição semelhante em sua diretoria. O senador Esperidião Amin (PP-SC) cuida da coordenação política no Senado, o deputado Sidney Leite (PSD-AM) é responsável pela coordenação política na Câmara, os deputados Joaquim Passarinho (PL-PA) e Danilo Forte (União Brasil-CE) são os 1º e 2º vice-presidentes, e os deputados Vitor Lippi (PSDB-SP) e Zé Neto (PT-BA) são secretários. Também há diretores do Avante, PL e Cidadania, a exemplo do próprio Arnaldo Jardim.
Jardim afirma que há uma boa sinergia entre as frentes parlamentares do Brasil Competitivo e do Empreendedorismo, que, não raramente, atuam juntos em defesa de pautas convergentes, como o PL 4188/21, que trata sobre o Marco de Garantias. A proposta pode baixar em até 37% o valor da parcela mensal de um empréstimo, na comparação com uma operação sem garantia.
"Vamos estabelecer escalas de prioridades, acompanhar todos [os projetos da agenda legislativa] e nos concentrar um a um. A nossa prioridade, agora, é o Marco das Garantias lá no Senado e o debêntures de infraestrutura [PL 2646/20]. Na Câmara, o PL 414/21, a modernização do setor elétrico, é a prioridade. São os nossos três focos imediatos, além da bandeira da reforma tributária", destaca Jardim.
A frente do Brasil Competitivo apoia a condução dos debates da reforma trabalhista conduzida pelo grupo de trabalho conduzido pelo deputado Reginaldo Lopes, do PT, e celebrou a decisão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em pedir urgência na votação do PL do Marco das Garantias. O tema foi destacado como uma iniciativa de extrema importância pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), na noite de apresentação da agenda legislativa da bancada.
O relacionamento com Alckmin, por sinal, foi conduzido estrategicamente pela frente do Brasil Competitivo ainda no ano passado, quando lançou um documento defendendo 12 compromissos para o país. A bancada percorreu o país e levou a proposta a diversos candidatos a governos locais, inclusive presidenciais. Pela campanha de Lula, foi Alckmin quem recebeu o documento e se sentou com a bancada.
O que diz a parcela da bancada liberal que se posiciona à oposição
Diferentemente de outras frentes parlamentares que defendem pautas da "bancada liberal" e se flexibilizaram para avançar suas agendas, a Frente Parlamentar pelo Livre Mercado ainda se posiciona mais à oposição e sem membros da esquerda. Até entre os 187 signatários, há apenas cinco deputados de legendas da esquerda: Bandeira de Mello (PSB-RJ), Florentino Neto (PT-PI), Márcio Honaiser (PDT-MA), Marcos Tavares (PDT-RJ) e Professora Goreth (PDT-AP).
A assinatura de um deputado ou senador não sugere que ele terá participação ativa na frente parlamentar, mas a baixa adesão de deputados da esquerda sugere uma rejeição à agenda defendida pelo grupo. Na Frente Parlamentar pelo Empreendedorismo, por exemplo, há 27 signatários.
O atual presidente da frente que defende o livre mercado é o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), 1º vice-líder da oposição na Câmara, que não planeja abdicar da agenda defendida. "Vamos continuar trabalhando como atuamos durante o mandato passado, nós temos uma pauta muito clara, que é a pauta de reformas, a pauta de redução do Custo Brasil, de desburocratização, e isso continua, independentemente de governo", destaca à Gazeta do Povo.
Van Hattem prevê mais dificuldades em aprovar as pautas em meio ao atual governo Lula, mas manifesta seu entendimento de que os liberais que atuam e se sentem representados pela frente não abdicam da postura mantida desde a última legislatura. "É claro que nós vamos ter mais dificuldades agora, pois quem é liberal é, por natureza, oposição a um governo estatista e socialista. Então, nós temos um desafio maior agora, o que nos faz também, obviamente, trabalhar ainda mais pelas pautas que nós acreditamos, para que elas sejam emplacadas e, na pior das hipótese, não haja retrocesso", afirma.
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