O ministro Luís Roberto Barroso assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (28) em uma sessão com centenas de convidados e transmissão ao vivo pela TV Justiça – especula-se que a cerimônia deve contar até com apresentação da cantora Maria Bethânia. Ele assumirá o cargo deixado pela ministra Rosa Weber em um momento de tensão com o Congresso, que questiona uma "intromissão" da Suprema Corte em temas que, segundo parlamentares, deveriam estar sendo apreciados e decididos por Câmara e Senado e não pelo STF.
Pautas espinhosas para essa relação devem ser julgadas durante o mandato de Barroso à frente do STF: a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, que já tem o voto favorável de Rosa Weber; a descriminalização do porte de maconha, que está a um voto de ser aprovada e deve ser pautada nos próximos meses; a responsabilização das "big techs" por conteúdos postados por usuários em ação sobre o Marco Civil da Internet, cujo julgamento foi interrompido em maio. O marco temporal também pode voltar à pauta do STF, se o Projeto de Lei (PL) recém aprovado pelo Congresso for contestado como inconstitucional pela base do governo. Para os parlamentares, todos esses temas são de competência do Congresso.
Nesta terça-feira (26), deputados e senadores de diversas frentes parlamentares acusaram o STF de “usurpar competências” e apresentaram a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Equilíbrio dos Poderes. O grupo prometeu obstruir as pautas do governo e cobrou posicionamento dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco.
Uma das possibilidades estudadas pelos parlamentares é aprovar projetos que visam limitar o poder do Supremo, incluindo a fixação de mandatos para os juízes, a restrição das suas decisões monocráticas e a flexibilização dos processos de impeachment, além de impedir a anulação de leis aprovadas há anos pelas duas Casas do Parlamento.
Embora existisse um alinhamento entre Senado e STF, fomentado pelo antilavajatismo dos dois poderes, o humor dos senadores mudou quando as decisões do STF se sobrepuseram a temas em discussão no Senado.
"O Judiciário está mostrando que se o Legislativo não agir, o Judiciário vai tomar a decisão”, diz o cientista político Jorge Mizael, especialista da consultoria Meta Política, lembrando também que, além de marco temporal, aborto e drogas, o STF também deve decidir sobre outros temas sensíveis, como a questão das "fake news", cujo debate foi travado por pressão da oposição no Congresso.
Contudo, até mesmo parlamentares governistas têm demonstrado irritação com decisões do STF. A senadora Eliziane Gama, relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, criticou a Corte, afirmando que o STF interfere indevidamente no Legislativo, depois que o ministro André Mendonça desobrigou Osmar Crivelatti de comparecer na CPMI.
Para além das pautas mais polêmicas e da relação tensa com o Congresso, Barroso também deve dar continuidade ao julgamento das ações penais contra os réus do 8 de janeiro e levar à análise dos ministros assuntos econômicos, como a correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), cujo julgamento foi suspenso em abril após um pedido de vistas do ministro Kassio Nunes Marques. Barroso defende que a correção deve ser equivalente a, no mínimo, a correção da caderneta de poupança.
As falas de Barroso
Barroso tem, notadamente, um perfil diferente da ministra que deixou a presidência do STF nesta quarta. Rosa Weber, apesar da postura progressista, é mais reservada. Barroso, por sua vez, costuma participar de eventos e dar palestras. Recentemente foi repudiado por parlamentares da oposição – inclusive virou alvo de um pedido de impeachment – por declarações que deu em um evento da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Na ocasião, Barroso, ao lado de políticos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no palanque, disse: "nós derrotamos o bolsonarismo". A frase repercutiu negativamente, o que levou o ministro a se manifestar posteriormente, dizendo que não teve a intenção de ofender os eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Parlamentares da oposição reagiram e entraram com um pedido de impeachment contra o ministro, que não foi levado adiante pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Até o mês de setembro, Barroso acumulou 17 pedidos de impeachment no Senado, o segundo ministro com mais pedidos, ficando atrás apenas de Alexandre de Moraes, que tem 21 pedidos.
A declaração sobre o "bolsonarismo" se junta a outras falas controversas, como: “Perdeu, mané, não amola”, “Brasil tem déficit imenso de civilidade”, “Conhecereis a mentira e a mentira te aprisionará” e “Você é uma pessoa horrível, com pitadas de psicopatia” – esta última direcionada ao ministro Gilmar Mendes, em 2018, quando o ministro criticou a construção da pauta no plenário e citou "manobras" dos colegas para votarem determinados processos.
O ministro também sugeriu oposição ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em eventos acadêmicos, antes das eleições do ano passado. Em fevereiro de 2022, Barroso participou de um evento chamado Ditching a President (“Livrando-se de um presidente”, em tradução livre), nos Estados Unidos. A repercussão gerada no período eleitoral fez com o que ministro emitisse uma nota afirmando não ter feito uma palestra intitulada “Livrando-se de um presidente”, mas sim “Populismo Autoritário, Resistência Democrática e Papel das Supremas Cortes”. Apesar da declaração, o nome do evento em que o ministro participou é de fato “Ditching a President”, como pode ser verificado neste link.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), a tendência é de que a gestão de Barroso também seja marcada por polêmicas.
“Barroso, pelo seu histórico, não é um ministro discreto. Ele gosta de dar declarações públicas, gosta de entrar em polêmicas. E a menos que ele, tendo em vista o cargo que está assumindo, resolva colocar freios nesse seu comportamento, a tendência é termos uma presidência mais falante, mais envolvida em polêmicas”, disse o professor.
Cerqueira lembra ainda que Barroso tem uma pauta mais progressista e já admitiu que o Supremo virou mais um poder político. "Infelizmente, o comportamento do STF, nos últimos anos, está se afastando do que se poderia esperar de uma Suprema Corte: mais preocupada em agir de uma forma equilibrada e demonstrando imparcialidade no trato de questões constitucionais", afirmou o cientista político.
Trajetória de Barroso
Conhecido por escrever livros sobre Direito Constitucional, Barroso fez carreira na advocacia e já foi procurador do Estado do Rio de Janeiro. Sua atuação como advogado foi marcada por defender casos controversos no Supremo, como a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias, a proibição do nepotismo no Poder Judiciário, a defesa do reconhecimento das uniões homoafetivas e a liberação do aborto em caso de feto com anencefalia.
Em 2015, ele foi indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ao STF e atuou em casos de grande repercussão, como a análise de recursos do mensalão, a fixação de restrições para acesso de terras indígenas e a manutenção das regras da Reforma da Previdência de 2019.
Mais recentemente, ele foi autor de um voto conjunto com o ministro Gilmar Mendes que restabeleceu o piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras.
Barroso abriu precedente em 2016 para descriminalização do aborto
A atuação de Barroso a favor do aborto data de 2012, época em que aceitou a tese apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde na ação julgada pelo Supremo que pedia a descriminalização do aborto em casos de fetos com anencefalia.
“Viola a dignidade da pessoa humana o Estado obrigar uma mulher a passar por todas as transformações físicas e psicológicas pelas quais passa uma gestante, só que nesse caso ela estará se preparando para o filho que não vai chegar. O parto para ela não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte. Essa mulher não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão. E terá de tomar remédios para secar o leite que produziu para ninguém”, afirmou.
Após chegar ao supremo, em 2016, o ministro avançou na pauta juntamente com a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e revogou prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto. Apesar da decisão ter valido apenas para este caso, a ação voltou a fomentar a discussão sobre o aborto em sentindo mais amplo.
Barroso defendeu inquérito das Fake News
Aberto em março de 2019, por ordem do presidente do Supremo, Dias Toffoli, o inquérito das Fake News foi endossado por Barroso no julgamento que decidiu pela continuidade das investigações, em junho de 2020. Em seu voto, ele acompanhou os votos dos ministros Alexandre de Moraes e de Edson Fachin, relator da ação que pedia a suspensão do caso, e afirmou que o artigo 43 do regimento interno do STF permite que a Corte abra procedimentos de investigação sem precisar do parecer do Ministério Público Federal.
“Ao analisar trecho do dispositivo do RISTF, que diz respeito ao local da infração à lei penal — ‘na sede ou dependência do Tribunal’ — entendo que ataques via internet permitem que se amplie a ideia de ‘sede e dependência’, para significar tudo aquilo que, de alguma forma, chegue ao Tribunal agredindo-o, sem que necessariamente alguém ataque o STF dentro do prédio físico”, disse Barroso.
Ele também alegou que liberdade de expressão não pode dar margem a infração à lei penal. “Democracia não abre espaço para a violência, ameaças e discursos de ódio”, afirmou.
Barroso atuou para derrubar voto impresso no Congresso
O novo presidente do STF também teve papel decisivo para barrar a aprovação do voto impresso no Congresso. Em 10 de agosto de 2021, a Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda da Constituição (PEC) que propunha o voto impresso em eleições, plebiscitos e referendos. O texto elaborado pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) teve o apoio de 229 deputados. Eram necessários 308 votos.
A derrota da proposta ocorreu após Barroso, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), visitar a Câmara dos Deputados e discursar contra o projeto no Plenário da Casa. “A introdução do voto impresso seria uma solução desnecessária para um problema que não existe, com um aumento relevante de riscos”, disse o ministro.
Nos bastidores, o magistrado conversou com os parlamentares e os convenceu a não apoiarem a proposta. A articulação foi vista pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), apoiador da PEC, como interferência do STF no Legislativo.
Barroso defendeu Lava Jato, mas criticou Moro
Indo na contramão dos demais ministro do STF, Barroso se mostrou solidário à Operação Lava Jato quando a força-tarefa de Curitiba se encontrava em fogo cruzado no julgamento sobre a suspeição de Moro. Segundo o ministro, os erros da Lava Jato se concentraram “em uma pessoa” e citou processos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também afirmou ver com preocupação a tentativa de “destruir” todo o legado deixado pelo combate à corrupção na Petrobras.
A declaração ocorreu em conversa com a historiadora Lilia Schwarcz, transmitida ao vivo no Instagram do ministro. Ele foi questionado sobre o que achava das supostas mensagens trocadas por procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, obtidas por hackers. “Eu diria que eu não precisei da violação da privacidade para identificar erros [na Lava Jato], e curiosamente, esses erros se concentraram em uma pessoa”, disse.
E acrescentou: “Eu não acho que tenha sido tudo errado e vejo com grande preocupação a destruição de tudo, o que não significa que não se possa reformar uma decisão aqui ou uma decisão lá.”
Barroso acusou militares de atacar eleições
Outro capítulo na trajetória do ministro foi a afirmação de que via as Forças Armadas sendo orientadas a atacar e desacreditar o processo eleitoral no Brasil. A fala de Barroso aconteceu durante a participação dele no Brazil Summit Europe, evento promovido pela Hertie School, universidade em Berlim, na Alemanha, em abril de 2022.
"Desde 1996 não tem nenhum episódio de fraude. Eleições totalmente limpas, seguras. E agora vai se pretender usar as Forças Armadas para atacar. Gentilmente convidadas para participar do processo, estão sendo orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo", disse Barroso.
A declaração do magistrado gerou desgaste entre os militares. O Ministério da Defesa, comandado à época pelo ministro Paulo Sérgio de Oliveira, emitiu nota rebatendo as críticas do magistrado.
Rosa Weber deixa legado progressista
De perfil discreto, a ministra Rosa Weber iniciou seu mandato em setembro do ano passado e deixou a Corte com um legado voltado para pautas progressistas. Sendo responsável por pautar a descriminalização do aborto, ela também teve forte atuação para a rejeição da teoria do marco temporal e o avanço da descriminalização da maconha.
Além do STF, Rosa deixa o comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como último ato de gestão, ela votou pela aprovação de uma resolução que obriga a adoção de regras de paridade de gênero para promoção na magistratura. A norma propõe a intercalação de uma lista exclusiva de mulheres e outra tradicional mista conforme a abertura de vagas para servidores de carreira por sorteio de merecimento. Até então, a resolução previa um critério de antiguidade, sem considerar gênero.
A ministra também deu voto contrário ao pedido de habeas corpus da defesa de Lula, em 2018, devido às investigações da Lava Jato. Na época, o atual presidente foi condenado em segunda instância no caso do Tríplex do Guarujá. A decisão havia sido proferida pelo então juiz Sergio Moro e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
O voto da ministra foi considerado polêmico pelos apoiadores do petista, mas, na época, o Supremo admitia a possibilidade de um réu condenado em segunda instância começar a cumprir a pena antes do trânsito em julgado do processo. Por conta disso, Rosa entendeu que o caso poderia ser aplicado a Lula.
Em sua decisão, apesar de ser contra a prisão em segunda instância, ela alegou o “princípio da colegialidade” da corte e a necessidade de respeito à jurisprudência do tribunal.
“A colegialidade como método decisório em julgamentos em órgãos coletivos, impõe, a meu juízo, aos integrantes do grupo, da assembleia ou do tribunal, procedimento decisório distinto daqueles a que submetido o juiz singular”, disse Rosa Weber na época .
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