O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reverteu nesta terça-feira (16) o afastamento da juíza Gabriela Hardt, que substituiu o ex-juiz Sergio Moro na Lava Jato, e do juiz Danilo Pereira Júnior. Ambos haviam sido suspensos pelo corregedor-nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, nesta segunda, numa decisão monocrática. Na análise do caso pelos 15 integrantes do CNJ, a maioria seguiu o voto do presidente do órgão, Luís Roberto Barroso, contra a medida. O placar foi oito de votos para reverter o afastamento de Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior, e de sete pela manutenção da decisão de Salomão.
“Se chancelarmos isso, estamos cometendo uma injustiça, quando não uma perversidade”, disse Barroso, num duro voto contra a decisão de Salomão, que, para ele, sequer poderia afastar juízes numa decisão provisória e individual. “Considero que a medida foi ilegítima e arbitrária e desnecessária. O afastamento dos juízes por decisão monocrática, sem deliberação da maioria absoluta, e sem nenhuma urgência que não pudesse aguardar 24 horas para ser submetida a esse plenário. Nenhuma razão”, protestou Barroso.
Hardt foi afastada por ter homologado, em janeiro de 2019, um acordo feito pela força-tarefa da Lava Jato, para que R$ 2,5 bilhões pagos pela Petrobras como multa ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos fossem devolvidos ao Brasil e investidos numa fundação que seria criada pelo Ministério Público Federal (MPF) para ações educativas de combate à corrupção.
Naquele mesmo ano, a pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a criação da fundação, por entender que o dinheiro deveria ser destinado aos cofres da União. Na época, após o pedido de Dodge, a força-tarefa acabou desistindo da fundação, que teria seu funcionamento preparado pela Transparência Internacional, para evitar conflito de interesses.
Em linha com ministros do STF que passaram a atacar a Lava Jato, Salomão afastou Hardt com base na tese de que o dinheiro devolvido pelos Estados Unidos atenderia a interesses particulares dos procuradores de Curitiba, especialmente Deltan Dallagnol, que sempre negou essa pretensão. Salomão, que também é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e próximo de Gilmar Mendes e Dias Toffoli – os maiores detratores da Lava Jato – considerou que Moro, Hardt e Dallagnol teriam agido em conluio para direcionar os recursos recuperados pela Petrobras em acordos de leniência e delação aos EUA, para então trazê-los de volta ao Brasil, para dentro da fundação, por interesses financeiros. Em sua decisão, ele lançou a suspeita de que Hardt teria cometido crime de peculato (desvio de recursos públicos) e corrupção.
Barroso, ao divergir, defendeu a juíza. “Todos dizem ter reputação ilibada, ser dedicadíssima, seríssima. Fui advogado 30 anos e todo mundo sabe quem é quem. Quando o juiz é incorreto, todo mundo sabe. Essa moça não tinha absolutamente nenhuma mácula para ser sumariamente afastada, por fatos que o CNJ já havia arquivado, e agora desarquivaram. A acusação contra essa moça é de haver homologado um acordo. Não foi ela quem fez, foi feito pela Petrobras, com o Departamento de Justiça e a Security and Exchange Comission [órgãos dos EUA], e depois com o MPF. Não havia nenhuma razão para suspeitar de alguma coisa errada. Os atos do MPF têm presunção de legitimidade. Ninguém supõe que o MP esteja participando de alguma maracutaia, de alguma coisa errada”, afirmou o ministro.
Barroso ressaltou que Hardt apenas homologou um acordo, um procedimento burocrático, feito por outras partes. “Como garantia da independência, o afastamento somente pode ocorrer quando inequivocamente comprovadas faltas graves ou inaptidão para o cargo. Não são garantias do magistrado, mas da Justiça e da sociedade”, afirmou no início do voto. “A imputação é homologação de um acordo em janeiro de 2019. Cinco anos já se passaram. Não se trata de fato minimamente contemporâneo para tornar urgente o afastamento dessa juíza”, disse. Ele acrescentou que Moraes, quando anulou o acordo, “não fez nenhuma imputação à juíza, nem ao MP”. “Significa que a juíza deve ser punida por infração ou crime, por homologar o acordo? O dinheiro nunca entrou para a fundação, nunca saiu”, concluiu.
O voto de Barroso a favor de Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior foi seguido por José Rotondano (desembargador estadual, indicado pelo STF); Guilherme Caputo Bastos (ministro do TST); Alexandre Teixeira (juiz trabalhista, indicado pelo TST); Renata Gil (juíza estadual, indicada pelo STF); Giovanni Olsson (juiz trabalhista, indicado pelo TST); Pablo Coutinho Barreto (procurador, indicado pela PGR); e João Paulo Schoucair (promotor estadual, indicado pela PGR).
Salomão foi seguido por Mônica Nobre (juíza federal, indicada pelo STJ); Daniela Madeira (também juíza federal, indicada pelo STJ); Marcos Vinícius Jardim (advogado, indicado pela OAB); Marcello Terto e Silva (advogado, indicado pela OAB); Daiane Nogueira de Lira (advogada, indicada pela Câmara e ex-chefe de gabinete de Toffoli); e Luiz Fernando Bandeira (advogado e consultor, indicado pelo Senado).
Desembargadores seguem afastados
Em seu voto, Barroso também votou para reverter o afastamento dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, que julgam processos da Lava Jato na segunda instância, e também do juiz convocado Danilo Pereira Júnior, que atua no TRF4 em substituição a desembargadores ausentes. Todos foram afastados por Salomão porque votaram para anular, no ano passado, todas as decisões do juiz Eduardo Appio, que assumiu a Lava Jato na 13ª Vara de Curitiba e passou a rever as decisões de Moro, de quem é crítico.
No caso dos desembargadores, o placar no CNJ foi de nove votos pela manutenção do afastamento, e seis pela reversão da decisão do corregedor.
Na decisão em que consideraram Appio parcial e suspeito, os desembargadores acabaram restabelecendo as prisões de dois acusados na operação, Rodrigo Tacla Duran e Raul Schmidt Felippe Júnior, acusados de lavagem de dinheiro. Os processos contra eles estavam suspensos por decisões de Dias Toffoli e do então ministro Ricardo Lewandowski, do STF, e por isso Salomão considerou que os desembargadores descumpriram uma decisão da Suprema Corte.
Para Barroso, eles não teriam como saber que haveria descumprimento, porque a decisão de Toffoli não havia sido comunicada no dia do julgamento. No caso de Danilo Pereira Júnior, ainda menos, porque havia sido chamado apenas no dia para julgar a suspeição de Appio, uma vez que costumava atuar em outra turma do TRF4 e não conhecia todos os processos da Lava Jato.
“O que aconteceu é que, como consequência, a decisão levou à suspensão de decisões que o juiz [Appio] havia proferido. A contrariedade a decisões do ministro Dias Toffoli foi uma consequência indireta sobre a qual não pendia nenhuma decisão do Supremo. Tudo o que o tribunal fez foi julgar uma exceção de suspeição que não estava suspensa por ninguém. Evidentemente essa não é infração grave. Na minha visão, não foi nem infração, muito menos crime. Estão sendo punidos pelo que não sabiam”, afirmou Barroso. Em relação a Danilo Pereira Júnior, disse que “seria exigência diabólica que juiz convocado na hora tivesse que saber todo o acervo da turma”.
Barroso pede vista e adia decisão sobre processos disciplinares
Na sessão, Barroso ainda pediu vista e adiou a decisão sobre uma proposta de Luís Felipe Salomão para abrir processos disciplinares contra todos os julgadores. Considerou que não houve tempo, desde a véspera, para ler o extenso relatório de Salomão, com 1.160 páginas.
O caso voltará à pauta do CNJ no dia 21 de maio. Nesse dia, já estarão fora do órgão os atuais conselheiros Marcello Terto e Silva e Marcos Vinicius Jardim, ambos advogados e indicados pela OAB, que votaram a favor do afastamento de todos os juízes.
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