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No discurso de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso disse que “contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente” do papel dos ministros, que segundo ele sempre estarão “expostos à crítica e à insatisfação”, mas que “é imperativo que o tribunal aja com autocontenção e em diálogo com os outros poderes e a sociedade”.
Segundo o ministro, a ampla judicialização no Brasil ocorre porque a Constituição define não apenas as garantias dos cidadãos e a competências dos Poderes, mas também normatiza o sistema econômico, tributário, previdenciário, educacional, ambiental, cultural, a comunicação social, indígenas, família, da criança, do adolescente, do idoso e outros temas.
“Incluir uma matéria na Constituição é, em larga medida, retirá-la da política e trazê-la para o direito. Essa é a causa da judicialização ampla da vida no Brasil. Não se trata de ativismo, mas de desenho institucional”, afirmou o ministro. “Nenhum Tribunal do mundo decide tantas questões divisivas da sociedade. Contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente ao nosso papel. Nós sempre estaremos expostos à crítica e à insatisfação. Por isso mesmo, a virtude de um tribunal jamais poderá ser medida em pesquisa de opinião”, completou.
“Nada obstante, é imperativo que o Tribunal aja com autocontenção e em diálogo com os outros Poderes e a sociedade, como sempre procuramos fazer e pretendo intensificar. Numa democracia não há Poderes hegemônicos. Garantindo a independência de cada um, conviveremos em harmonia, parceiros institucionais pelo bem do Brasil”, afirmou.
A declaração ocorre num momento em que bancadas do agro, da segurança e da defesa da vida no Congresso se mobilizam para obstruir as votações na Câmara e no Senado em protesto contra julgamentos em curso no STF que podem acabar com o marco temporal para demarcação de terras indígenas, descriminalizar o porte de maconha e aborto no Brasil.
Barroso diz que defesa de minorias não é causa progressista
Conhecido por defender o direito de minorias no STF, Barroso disse que isso não é uma causa progressista, mas da “humanidade”. “Há quem pense que a defesa dos direitos humanos, da igualdade da mulher, da proteção ambiental, das ações afirmativas, do respeito à comunidade LGBTQIA+, da inclusão das pessoas com deficiência, da preservação das comunidades indígenas são causas progressistas. Não são. Essas são as causas da humanidade, da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas”, afirmou.
Antes, destacou que é dever do STF proteger os direitos fundamentais e que, “nessa matéria, temos procurado empurrar a história na direção certa”. Disse, em seguida, que tem sido parceiro na luta das mulheres por igualdade e contra a violência sexual e doméstica, em prol do esforço da população negra por oportunidades iguais, e a garantia de direitos para a “comunidade LGBTQIA+”, destacando a decisão que propiciou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Cerimônia contou com chefes dos Poderes e Barroso fez aceno aos militares
A cerimônia de posse contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que não discursou e estava usando máscara de proteção em razão da cirurgia a que será submetido nesta sexta-feira (29). Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também participaram do evento.
Barroso defendeu o diálogo em meio a tensão entre o Legislativo e o Judiciário e fez um aceno as Forças Armadas. “Em todo o mundo, a democracia constitucional viveu momentos de sobressalto com ataques às instituições e perda de credibilidade. Por aqui, as instituições venceram tendo a seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da imprensa e do Congresso Nacional. E justiça seja feita, na hora decisiva as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo”, afirmou.
Durante o discurso, o ministro agradeceu a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), responsável por sua indicação, em 2013. “Minha gratidão vai também para a presidente Dilma Rousseff, que me indicou para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu, não insinuou, não cobrou”, disse.
O decano Gilmar Mendes, primeiro a discursar, afirmou que o STF enfrentou “ameaças de um populismo desprovido de qualquer decoro democrático” nos últimos anos. Ele apontou que “a atual ordem constitucional sabe se defender, seja de golpismos explícitos, seja de erosões autoritárias como aquela sistematicamente conduzia em 2022 contra o sistema eleitoral”.
“Omissões, aparentemente sábias, retornarão como erros irreparáveis, porque as causas do autoritarismo ainda se fazem sentir. O tempo requer, por tudo isso, homens e mulheres de estado”, apontou Gilmar Mendes.
Nos próximos dois anos, Barroso e o ministro Edson Fachin, empossado vice-presidente, irão comandar a Corte. O novo presidente sucede a ministra Rosa Weber devido sua aposentadoria compulsória por atingir a idade-limite de 75 anos no serviço público. Segundo o magistrado, as diretrizes de sua gestão serão voltadas para aumentar a eficiência da Justiça, melhorar a interlocução com a sociedade e manter um relacionamento próximo entre o Judiciário e a sociedade.
Entre as autoridades presentes no evento estavam ainda ex-integrantes da Corte, a procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, e Maria Bethânia, que cantou o Hino Nacional no início da cerimônia.