Deputada Bia Kicis, presidente da CCJ na Câmara dos Deputados, é autora da PEC 135/19, que propõe o voto impresso auditável.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
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A Câmara Federal deu o primeiro passo na semana passada para destravar o debate sobre o voto impresso auditável, uma das bandeiras das manifestações de 1º de maio pelo país. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de uma comissão especial para discutir a proposta de emenda à Constituição (PEC) 135/19, que torna obrigatória a impressão do voto nas eleições para que seja possível auditar o resultado das urnas eletrônicas. A PEC é de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e que deve integrar também a comissão especial.

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Bia Kicis diz que, apesar da polarização do tema, praticamente não há oposição ao projeto entre os deputados. O voto impresso já foi aprovado anteriormente pelo Congresso, em 2015, mas, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2018, não foi posto em prática nas eleições daquele ano. Em 2020, a Suprema Corte referendou a decisão, alegando risco ao sigilo do voto.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Bia Kicis fala sobre a importância da proposta e o clima político para aprová-la no Congresso. Diz que parte da rejeição à proposta fora do Congresso se deve a uma ideia equivocada de que a PEC quer a volta da cédula de papel nas eleições. "Ninguém quer isso", diz. Por isso, a opção pelo uso da expressão "voto impresso auditável", para combater a desinformação sobre o tema.

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Embora reconheça que o apoio do presidente Jair Bolsonaro ao voto impresso auditável polarize o debate, ela acredita haver espaço para discutir a matéria mesmo em meio a tantas reformas (administrativa, tributária e política) sendo discutidas simultaneamente na Câmara. E ainda para convencer o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da necessidade da mudança. Confira abaixo:

O presidente Arthur Lira determinou na semana passada a criação da comissão especial que vai discutir o voto auditável? Quando a comissão deve começar a trabalhar? 

Bia Kicis: Estou falando com os líderes, pedindo que indiquem o quanto antes os parlamentares dos seus partidos para que a gente possa começar essa comissão essa semana. Estou trabalhando para termos todos os indicados e pode começar com a votação [que vai eleger] o presidente e os vice-presidentes, e fazer a escolha do relator.

Como está a receptividade ao projeto entre os deputados? Há apoio suficiente para aprová-lo?

Bia Kicis: Nós tivemos na CCJ [na votação da admissibilidade da PEC, em 2019] 33 votos favoráveis e cinco contrários. Então, eu acredito que a quantidade de parlamentares contrários ao projeto é muito pequena. Ela é quase de seis para um. Mas a gente tem que ter cuidado na formação da comissão para, se não tiver pessoas que sejam totalmente favoráveis e convencidas [do projeto], que [sejam indicadas] pelo menos pessoas abertas, que queiram entender. Nós temos tanta confiança que o voto impresso auditável é necessário que a gente tem a certeza que qualquer parlamentar que venha com o espírito de entender, será favorável.

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Qual é o peso de ter o presidente Jair Bolsonaro defendendo essa matéria, que foi uma bandeira dele quando era deputado federal?

Bia Kicis: Hoje, temos uma polarização tão grande que a gente vê pessoas que podem ser favoráveis e dizem não ser pelo fato de ser o presidente que está falando. Lá atrás, o Psol defendeu o voto impresso com unhas e dentes, e votou de forma favorável. O Psol defendeu a derrubada do veto da Dilma [em 2015]. E agora a gente ouve alguns parlamentares do partido criticarem o voto impresso auditável, o [deputado Marcelo] Freixo falando que é coisa de miliciano, isso e aquilo... E agora se coloca contra só porque o presidente Bolsonaro é favorável.

Você vê como é um discurso, uma mente vazia, despreocupada, desconectada da realidade, só para fazer politicagem. Isso é muito triste. É uma coisa seríssima. A coisa mais séria que temos que falar hoje é a segurança do sistema eleitoral, não tem nada mais sério do que isso. Pelo menos em uma democracia.

Em uma ditadura, as pessoas não ligam para isso, mas em democracia deveriam ligar, pelo menos. É preciso despolarizar o tema. Eu trabalho de forma despolarizada, converso com todo mundo, de direita, esquerda, centro, em cima, embaixo, para mim, não interessa. O que me interessa é que a pessoa queira transparência eleitoral.

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Com a polarização do debate, a senhora teme que até partidos como o PDT, que sempre defendeu a bandeira do voto auditável, possam agora, por conta desse apoio do presidente, fazer oposição ao projeto?

Bia Kicis: Não, não acredito nisso, porque o PDT é o que você falou. É uma causa histórica. [O ex-presidente da sigla Leonel] Brizola foi uma das pessoas que mais lutou por isso porque ele próprio foi vítima de fraude [nas eleições de 1982 ao governo do Rio de Janeiro], quando começaram a fraudar os votos, que era em cédula, mas eles conseguiram impedir a fraude. Na época, com a observação de jornalistas internacionais. Hoje, infelizmente, a gente não conta com isso, já que a narrativa é global. A mídia, seja no Brasil, seja fora, joga contra. Isso é muito lamentável.

Agora, o [ex-]senador [Roberto] Requião, que foi autor do primeiro projeto de voto impresso auditável, ele gravou um vídeo na semana passada para o Wellington Calasans, que é uma pessoa da esquerda, um publicitário de esquerda, do site Disparada, onde ele fala que acha uma burrice sem tamanho a militância cega se opor ao voto impresso só porque o Bolsonaro é a favor. Requião falou: “isso é uma luta histórica também nossa, do Brizola, da esquerda”.

Requião foi autor do projeto e o Congresso sempre foi favorável. Todas as vezes que o Congresso se deparou com esse tema, o Congresso votou favoravelmente, e aí foi a Justiça Eleitoral que sempre deu um jeito de impedir a concretização do voto impresso auditável.

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A senhora fez um convite para debater com o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, que é contrário ao voto impresso...

Bia Kicis: Eu tenho feito lives todas as semanas, mas convido, inclusive, em qualquer ambiente que ele queira, aqui na comissão especial, onde ele quiser, vamos debater isso.

A senhora entende que o posicionamento contrário do ministro Barroso é embasado em argumentos técnicos, porque talvez não tenha recursos ou porque é inconstitucional, ou ele está fazendo oposição ao tema porque, em outras ocasiões, ele mesmo disse que o voto impresso seria um “retrocesso”?

Bia Kicis: Olha, não sei se o ministro realmente acredita nisso. Porque você tem que pensar o seguinte: o jurista normalmente não conhece muito da área de TI [tecnologia da informação]. Eu não sou especialista, mas esse tema eu conheço, porque estou desde 2014 envolvida nisso, estudando e conversando com especialistas, acompanhando testes. Mas é possível que a área técnica do TSE produza esse convencimento nos ministros quando eles assumem o tribunal. Agora, a área técnica do tribunal é suspeita, porque tem pessoas lá que são os pais do projeto.

Então, quero chamar o ministro para o debate porque eu acredito que, com argumentos, para demonstração de que o que ele está repetindo não é real, não é digno, que ele possa até se aliar a nós nessa luta pelo voto impresso auditável.

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O principal argumento para rejeição do voto impresso é a questão orçamentária, a falta de recursos... Como solucionar essa questão? Qual é melhor momento para debater isso?

Bia Kicis: Na comissão especial, a gente pode tratar disso. Inclusive porque existe até a possibilidade, eu não quero me precipitar falando muito disso, porque a gente vai depender de análise e de viabilidade, de transformar aquela impressora que já existe na urna que imprime o BU [boletim de urna] em uma impressora que vai imprimir os votos. Depois, você altera a programação apenas ao final para que mude ali, altera alguma coisa para que ela, então, passe a imprimir o BU. Talvez a própria impressora hoje existente já seja possível de ser usada. Se não, eles falam aí em R$ 2 bilhões em 10 anos. Mas eu pergunto: o que significa R$ 2 bi em 10 anos se é para garantir a democracia?

Outro motivo que impediu o voto impresso de se tornar realidade foi o entendimento da ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de que isso poderia comprometer o direito constitucional ao sigilo e inviolabilidade do voto. A senhora pretende convidar o atual PGR, Augusto Aras, para discutir o assunto na comissão especial? Já conversou com ele sobre isso?

Bia Kicis: Já conversei com o dr. Augusto Aras sobre esse tema desde quando ele era candidato à PGR. E ele me assegurou que é favorável ao voto impresso auditável, exatamente porque acha que quem tem que decidir isso é o Congresso, não é o TSE. Então, se existe lei e aqui, no caso, será mais do que uma lei, será uma emenda à Constituição, a Constituição passará a dizer que o voto impresso deve ser aplicado. Eu tenho certeza que a Procuradoria-Geral da República estará ao lado do povo.

Qual a importância das manifestações populares em apoio ao voto impresso auditável e que impacto isso tem no Congresso?

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Bia Kicis: O impacto é muito grande. Todo parlamentar, quando vota aqui, ele vota de olho também no que as ruas estão dizendo. Aqueles que não fazem isso são os que vêm de um sistema que não precisa muito de voto, que é puxado pelo outro. Esses se importam menos. Mas quem sabe que o eleitor está de olho realmente se impressiona pela voz das ruas, e isso é muito importante.

Foi o que a gente observou agora, por exemplo, no dia 1º de maio, em todas as cidades do Brasil, quando as pessoas foram para as ruas e pediram o voto auditável. Isso é uma coisa que já entrou no inconsciente coletivo da população brasileira e não vai parar, porque as pessoas despertaram para isso e, hoje, não confiam mais no sistema. E não tem eleitor que queira ser feito de besta. Todo eleitor quer que o seu voto vá para o candidato de sua escolha.

A senhora usa muito o termo voto impresso auditável. Essa pauta começou com o nome de voto impresso, mas, agora, teve o acréscimo do “auditável”. Qual é a importância na escolha das palavras? É para mostrar que não representa a volta do voto eletrônico para o voto em cédula, mas, sim, apenas a auditagem do voto? 

Bia Kicis: É muito importante, porque a narrativa comunica algo. E a gente observou que há muita desinformação na questão do voto impresso auditável. Muitas pessoas até letradas, cultas, estavam compreendendo que nosso clamor pelo voto impresso seria o retorno à cédula de papel, e ninguém quer isso.

Então, nós estamos dando preferência para usar voto auditável para mostrar o seguinte: nosso objetivo é que o sistema seja auditável, transparente. A impressão do voto é só um meio para se conseguir isso. Se houvesse outro meio, seria também muito bem vindo, mas a gente desconhece outro meio que torne o sistema auditável.

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O que nós queremos é a urna eletrônica, não há dúvidas, ninguém aqui quer voltar para o velho voto no papelzinho, que era confuso, também tinha fraudes. O que nós queremos? Urna eletrônica para simplificar o sistema, agilizar, mas não ao ponto de deixar o eleitor sem a segurança de que seu voto foi para seu candidato. Tem que ser simples, tem que ser ágil, mas tem que ser segura, e tem que ser transparente.

Onde está hoje o principal foco de oposição ao voto auditável? É no Congresso?

Bia Kicis: Eu tenho certeza que a grande maioria [no Congresso] é favorável ao voto impresso auditável e vai lutar por isso. Aqui dentro vai votar por isso. A resistência não vem do Parlamento, a resistência vem da Justiça Eleitoral, o que é uma pena. Porque o TSE, a Justiça Eleitoral, presta um serviço. A nossa Justiça Eleitoral tem várias características ao mesmo tempo, o que a torna, realmente, uma anomalia, porque eles têm o poder de legislar, por meio de resoluções, de executar o serviço, de fiscalizar e de julgar.

Quando você entra, por exemplo, com uma reclamação no TSE dizendo que houve um problema na eleição, é ele que vai julgar, é ele que fala: “não, não houve não”. Ou: “esse problema não foi capaz de causar transtorno”. Quantas vezes nós vimos pessoas que iam votar e reclamavam que, quando chegavam para votar, dava como se ela já tivesse votado. Ou ela digitava um número e aparecia outro. O que eles diziam? “Ah, vai lá na delegacia e registra isso”. O que adianta?

O grande problema é exatamente essa coisa “4 em 1” da Justiça Eleitoral. Não dá para ser assim, isso não existe em lugar nenhum do mundo. E isso não trabalha em prol da lisura do sistema.

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Hoje, a Câmara já debate simultaneamente as reformas administrativa, tributária e política. Para ser validado nas eleições de 2022, o voto impresso auditável precisa ser aprovado pelo Congresso e sancionado até outubro deste ano, conforme prevê a legislação eleitoral. Com tantas prioridades, há espaço para se discutir e ter a proposta aprovada em tempo hábil?

Bia Kicis: Olha, em primeiro lugar, sobre essa coisa de ter que ser um ano antes, há controvérsias. Eu quero ir por uma questão de segurança, porque muita gente fala: “isso não é mudança no sistema político eleitoral, isso é só um meio de apuração, não é mudança no sistema”. Então, pode ser que a impressora estando pronta [para imprimir o voto], vai e vota, não precisaria ter um ano de antecedência.

Mas eu sei que, como tem muita resistência, não quero dar mais motivo para resistirem. Agora, a questão é a seguinte. Que dá tempo, dá. Todo tempo aqui dentro do Congresso é vontade política. A gente viu [o ex-presidente da Câmara] Rodrigo Maia votando PEC em dois dias direto no plenário. Então, tempo aqui é questão de vontade política.

O presidente Arthur Lira disse em entrevista recente que ele mesmo se prontificaria a conversar com o presidente do TSE. Como o apoio do presidente da Câmara ajuda na aprovação da PEC? 

Bia Kicis: Só de ele não ser contra já ajuda. Ele tem esse compromisso conosco, que montaria a comissão especial e criou. Sempre soube que [o voto auditável] não é, digamos, a pauta dele. Mas ele não tem nada a se opor, isso é muito importante. E até agora, ele vem cumprindo as promessas dele. O que a gente precisa, agora, é que os líderes indiquem os seus liderados e seus indicados aqui para essa comissão especial e, claro, contar com o apoio do presidente da Casa, vai fazer toda a diferença.

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Mudando de assunto para falar sobre a reforma administrativa. Como estão as conversas sobre o projeto e em quanto tempo a senhora acredita que consegue colocar para votação a admissibilidade da PEC?

Bia Kicis: Creio que, na semana que vem, a gente já pode votar a admissibilidade. E aí, acho que daqui 15 dias essa PEC deve estar na comissão especial da reforma administrativa.

A senhora conversa com o presidente Arthur Lira sobre a reforma administrativa? Já ouviu dele se acredita na possibilidade de aprovação ainda este ano?

Bia Kicis: Sim, ele acredita na possibilidade. E tem, também, a reforma tributária, que é muito importante, que a gente também quer ver andar.

É possível aprovar a reforma administrativa mesmo com todas as rejeições atualmente existentes na Câmara, dentro até mesmo da base governista?

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Bia Kicis: O momento político não é dos melhores. Se tivesse sido no ano passado, eu creio que passaria com muito mais facilidade. Estamos nos aproximando do ano eleitoral, isso faz com que os parlamentares fiquem mais receosos de aprovar uma reforma administrativa, tem tanta gente contrária. Talvez não em quantidade, mas assim, pessoas que são muito presentes aqui, articuladas, instituições, servidores públicos, então, assusta um pouco. Já a reforma tributária eu acho que ela teria a aquiescência e o aplauso da grande maioria da população. Mas eu acredito que as duas reformas são importantes, vamos ver qual passará primeiro.

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