O Ministério das Relações Exteriores (MRE) não vai mudar sua política externa por causa da vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. A Gazeta do Povo ouviu fontes do Itamaraty, que dizem já terem iniciado conversas informais com a equipe do democrata iniciaram – que serão mantidas até que Biden tome posse.
Após isso, a tendência é que o diálogo se torne permanente e formal. Mas, de acordo com essas fontes, a linha diplomática mantida sob as ordens do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, vai se manter.
O entendimento no governo brasileiro é que não haverá a “genuína relação de amizade” entre Biden e o presidente Jair Bolsonaro, a exemplo do relacionamento construído entre o presidente brasileiro e Trump. Mas a diplomacia brasileira está empenhada em tirar o melhor de uma relação pragmática para os interesses comerciais, econômicos, defesa e até ambientais do Brasil.
Para isso, a expectativa é de que a diplomacia brasileira terá de se intensificar sem o presidente Donald Trump na Casa Branca. E o próprio Ernesto Araújo passará a atuar pessoalmente para construir uma boa relação com os Estados Unidos de Biden.
Além de Araújo, terá um papel importante o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster. “Conversamos, estamos conversando e conversaremos. E, obviamente, depois da posse, aí, sim, o diálogo será permanente e formal”, diz um interlocutor do Itamaraty. A chancelaria deseja ter um bom canal de interlocução com o futuro secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e, claro, com o próprio Biden.
Apesar disso, o posicionamento no Itamaraty não é de rever a política externa. “Não vamos mudar nossa política externa porque outros querem que ela seja revista, seja por interesses pessoais, de brasileiros ou não”, diz um assessor do governo.
Nesta quarta-feira (6), os Estados Unidos registraram uma confusão sem precedentes, com violentos protestos de manifestantes pró-Trump, que invadiram o Capitólio nesta tarde. O Congresso americano estava reunido em sessão conjunta para contar e certificar os votos do Colégio Eleitoral para presidente e vice-presidente dos Estados Unidos. Até a publicação desta reportagem, o Itamaraty não havia se manifestado sobre o episódio.
A estratégia do Itamaraty contra as pressões sobre a pauta ambiental
Um dos desafios do governo do governo brasileiro para construir um canal de diálogo será na área ambiental. Em um debate com Trump, Biden citou o Brasil e mencionou a preocupação com as queimadas na Amazônia. O presidente eleito dos Estados Unidos ameaçou o governo brasileiro de “consequências econômicas significativas” caso o país não implemente políticas para impedir o desflorestamento da região amazônica. O episódio foi rebatido por Bolsonaro. Com Trump, a gestão Bolsonaro não enfrentava pressão nessa área.
Dos Estados Unidos ou da Europa, o Brasil pretende rebater as pressões, sobretudo na agenda ambiental. “Faremos o que for necessário para defender nossos interesses, com muito diálogo e diplomacia”, diz um técnico do Ministério das Relações Exteriores.
Após todas as polêmicas e informações que chegaram à imprensa nacional e internacional sobre as queimadas e desmatamento ilegal na Amazônia, esse é um assunto que receberá atenção especial. O Itamaraty vai ressaltar seus esforços e participação em todos os foros internacionais que tratam sobre a questão ambiental – tais como a Convenção sobre Biodiversidade, a Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris.
A própria situação interna dos Estados Unidos pode fazer com que não seja possível aos americanos exercerem uma pressão muito forte no Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, mesmo sendo membro da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, nunca ratificaram a Convenção sobre Biodiversidade e o Protocolo de Kyoto, e também saíram do Acordo de Paris. Para técnicos do Itamaraty, será um desafio para o próprio Biden recolocar os os americanos no Acordo de Paris e inserir o país na Convenção sobre Biodiversidade. “Os interesses contrários são grandes. Vai ser uma desafio para ele [Biden] aprovar isso no Congresso”, prevê uma fonte.
Além da presença e participação do Brasil em foros internacionais sobre o meio ambiente, o Itamaraty destacará a matriz energética renovável do Brasil. A chancelaria reconhece que o país precisa melhorar o controle sobre o desmatamento da Amazônia, mas sustenta que os esforços de combate vêm sendo bem conduzidos pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal. A grande aposta do governo para essa agenda é defender o chamado desenvolvimento sustentável. “Vamos mostrar que isso não é só uma figura de retórica e linguagem. Vamos mostrar tudo o que temos feito nessa área, seja na estrita área ambiental, na econômica e social”, diz uma fonte.
OCDE e acordo Mercosul-União Europeia são prioridades para 2021
A defesa da pauta ambiental está dentro de um escopo maior de objetivos do Brasil para 2021. Dentro do Itamaraty, a prioridade é preparar o terreno para que, em 2022, o país esteja dentro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o "clube" de nações desenvolvidas. A expectativa é de que, também em 2022, e o acordo entre Mercosul com a União Europeia entre em vigor.
Para isso, se defender da pressão internacional é imprescindível, dizem diplomatas brasileiros. Isso porque é recorrente o discurso de que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) não será ratificado pelos europeus se o Brasil não preservar sua natureza.
Mas assessores de Ernesto Araújo estão convencidos de que uma parte dessa pressão é uma estratégia de interesses econômicos do setor agropecuário europeu, a exemplo do francês. O agricultor francês, dizem fontes do governo, temem a concorrência dos produtos brasileiros e fazem ecoar junto a políticos e chefes de Estado no continente a pressão contra o Brasil.
Na França, isso é ainda mais presente junto ao chamado “eleitorado verde”, de eleitores ecologistas – uma fatia do eleitorado do presidente francês, Emmanuel Macron, que, por sua vez, é um dos maiores críticos da pauta ambiental brasileira.
Apesar da pressão externa, o Itamaraty está confiante de que é possível avançar nessa agenda. O acordo foi fechado em 2019 e, agora, aguarda a revisão técnico jurídica para ser submetido ao Parlamento Europeu e aos legislativos dos países membros do Mercosul.
Técnicos do governo reconhecem que tudo depende das negociações e da habilidade dos negociadores de intensificar e viabilizar a conclusão da revisão técnico-jurídica do acordo comercial. Mas eles demonstram confiança em pavimentar uma boa interlocução para tornar possível a implementação em 2022, já com a aprovação nos Parlamentos envolvidos.
O mesmo vale para o ingresso do Brasil na OCDE. “Queremos [a entrada na] OCDE e esse acordo [Mercosul-UE] em vigor para 2022”, diz um interlocutor.
Os interlocutores do governo dizem que esses esforços não estão necessariamente voltados a assegurar importantes conquistas para a gestão Bolsonaro em um ano eleitoral. Mas eles reconhecem que é inerente imaginar que, quanto mais conquistas a atual administração tiver, mais poder político o presidente Bolsonaro terá em sua campanha à reeleição. Sobretudo diante da provável reação favorável dos mercados caso tanto as agendas da OCDE e do acordo comercial do Mercosul estejam concluídas em 2022.
Presidência do G20 estimula Itamaraty a fechar outros acordos
O embaixador Carlos Márcio Cozendey, delegado junto às Organizações Internacionais Econômicas, é quem conduz as articulações de ingresso do Brasil na OCDE como membro pleno. O governo brasileiro já se associou a uma série de instrumentos, normas e regras exigidos pela organização. As conversas estão bem encaminhadas e continuarão seu trabalho em 2021, mas a interlocução ainda pode demandar mais tempo e ser concluída somente um ano depois.
A ambição em ser bem sucedido na entrada da OCDE e no acordo Mercosul-UE para 2022 moldam, juntas, a principal pauta da política externa de Bolsonaro: colocar o Brasil em um patamar de maior relevância dentro do G20. O Brasil presidirá a cúpula das 20 maiores economias do mundo em 2024 e a meta é que, até lá, o Brasil tenha maior capacidade de influenciar discussões das grandes linhas da política macroeconômica mundial, como uma abertura maior das economias e a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) no mundo pós-pandemia.
Para chegar ao patamar de ser um ator com poder de influência no G20 daqui a quatro anos, o Itamaraty traça, ainda, outras prioridades para 2021. Além das agendas em torno da OCDE e Mercosul-UE, a chancelaria brasileira deseja concluir outros acordos e revisões burocráticas restantes de tratados fechados entre o Mercosul e países europeus e asiáticos.
São exemplos os acordos com o Reino Unido (que acaba de sair oficialmente da União Europeia), Canadá, Singapura e com a Associação Europeia de Comércio Livre (o European Free Trade Association, EFTA) – composta por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.
Além dessas, outras negociações devem seguir adiante, como os acordos entre Mercosul e países da América Central e do Caribe e também, do Mercosul com países do Oriente Médio.
O objetivo do Itamaraty é retomar o Mercosul à sua vocação original, de um acordo de integração e abertura econômica, não mais um acordo político para defender uma visão antiliberal da economia.
O mesmo vale para o Brics, grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A meta para 2021 entre esses países é dar ênfase a pautas de cunho econômico e comercial, não um foro de acordos políticos.
Agenda conservadora e de direitos humanos também será prioridade
Não menos importante para o Itamaraty em 2021 é a agenda conservadora e de direitos humanos. O Ministério das Relações Exteriores manterá sua postura de enfrentamento e do não reconhecimento do governo do ditador venezuelano Nicolás Maduro.
Diplomatas garantem que a eleição de Biden não mudará a postura do Brasil em relação à Venzuela. Há até quem acredite que o presidente eleito dos Estados Unidos possa ter uma posição menos midiática e agressiva à Venezuela em relação a Trump, mas ninguém acredita que ele simplesmente “fechará os olhos” para a situação no país.
O Itamaraty também promete para o próximo ano uma atuação firme em foros internacionais sobre os direitos humanos em defesa dos “dos homens, das mulheres, do casamento”, e contra a legalização do aborto, afirmam as fontes do governo. “Diremos isso com todas as letras nos foros internacionais: somos contrário à legalização do aborto, seja de forma direta ou indireta", diz um técnico.
"Muitas vezes, se usa a linha dos direitos reprodutivos [para tentar justificar e defender o aborto]. Sem dúvida, os direitos precisam ser entendidos como a defesa da saúde da mulher, atendimento pré-natal, mas o direito reprodutivo não é sinônimo de aborto”, acrescenta a fonte.
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