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A nomeação do ministro da Previdência, Carlos Lupi, a um assento no Conselho de Administração da Tupy, uma grande empresa privada de capital aberto, viola a política de indicações do BNDES para conselhos de empresas e entidades nas quais o banco tem participação societária, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. A regra, aprovada em abril, determina que dirigentes partidários, ainda que licenciados, não podem ser indicados pelo BNDES para ocupar cargo em conselho de administração de empresas.
Lupi está licenciado da presidência do PDT desde que assumiu o ministério da Previdência, e é identificado desta maneira em notícia publicada no próprio site do PDT em 24 de agosto.
Na semana passada, a Tupy informou que Lupi e outra ministra do governo Lula, Anielle Franco (Igualdade Racial), foram eleitos membros do Conselho de Administração da companhia. A indicação deles foi feita pela Companhia BNDES Participações S.A (BNDESPar), que possui 28% da Tupy, após a renúncia de dois conselheiros que haviam sido indicados pela BNDESPar em abril, Carla Gaspar Primavera e Fabio Rego Ribeiro. Os perfis dos recém-indicados contrastam com os dos membros que estão de saída, que têm longas carreiras na instituição.
Estima-se que o salário de um conselheiro da Tupy gire em torno de R$ 36 mil por mês. Como ministros, Lupi e Anielle recebem R$ 41,6 mil.
A Gazeta do Povo tentou contato com a assessoria de Lupi para saber se o ministro continuará vinculado ao PDT, porém não obteve nenhum retorno. O BNDES, por sua vez, emitiu nota afirmando que a “indicação de lideranças dos setores público e privado para conselhos de administração das [27 empresas] investidas da BNDESPAR é um movimento natural, que busca levar essa experiência às instâncias estratégicas dessas empresas, em seu melhor interesse, sem descuidar dos interesses do BNDES e do seu controlador”.
O banco também afirmou que as indicações de Lupi e de Anielle atendem às regras legais aplicadas ao mercado de capitais, porém não fez nenhum comentário ou esclarecimento sobre a situação de Lupi e sobre a política do BNDES para indicação de conselheiros.
A Tupy também não respondeu nada sobre os questionamentos da reportagem sobre as indicações, limitando-se a dizer que a BNDESPar e a Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) – que também é acionista da Tupy desde a década de 1990 e compõe o Conselho de Administração da multinacional – “acreditam e estimulam o crescimento e internacionalização” da multinacional.
O BNDES tem conselheiros indicados em ao menos 22 empresas, como Copel, Cemig, AES e JBS. Para regulamentar essas indicações em colegiados, inclusive em estatais, o BNDES aprovou uma política que tem como objetivo “a adoção das melhores práticas de gestão, governança e sustentabilidade pelas companhias investidas”.
O documento, aprovado em abril deste ano e disponível no site da instituição, veda a indicação para Conselho de Administração de pessoa que “seja dirigente estatutário de partido político ou titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente federativo, ainda que licenciado”.
Também há uma regra mais rígida para indicações a conselhos administrativos de estatais, que proíbe que o BNDES indique ministros de Estado, secretários estaduais ou municipais. Como a Tupy não é estatal, Anielle Franco e Lupi não poderiam ser barrados por esse critério.
“A indicação feriria, por si só, os princípios dos atos da administração pública. Fere a moralidade claramente e fere a previsão normativa relacionada ao BNDES. Então para mim é muito claro que não poderia acontecer de maneira alguma”, afirma Rodrigo Marinho, CEO do Instituto Livre Mercado e autor do livro “A História do Brasil pelas suas Constituições”.
"Pelos termos da resolução, o impedimento é claro. E ainda há de se considerar que ela é posterior à liminar do STF que flexibilizou a Leis das Estatais", avalia o jurista Fabrício Rebelo.
As indicações políticas para a Tupy, via BNDES, vão ao encontro dos objetivos do presidente do banco, Aloizio Mercadante, que recentemente disse em entrevista que a atual gestão não vai “abdicar dos direitos políticos, ao contrário do que aconteceu no passado recente do BNDES”. Na ocasião, ele comentava uma ação do governo para ampliar seu poder de voto na Eletrobras, empresa que foi privatizada na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na avaliação de Sérgio Lazzarini, autor de livros como "Capitalismo de laços" e "Reinventando o capitalismo de Estado", a indicação dos dois ministros para o conselho da Tupy é mais uma mostra de que o governo Lula está reabrindo as porteiras para as indicações políticas em estatais e em empresas privadas em que o governo tem participação, em uma estratégia para que o Estado consiga se embrenhar no setor privado. “É um retrocesso”, resume. O governo Lula já indicou 52 aliados para conselhos de estatais desde que assumiu o poder.
"Infelizmente, depois da decisão do STF [de flexibilizar a Lei das Estatais], isso deve se tornar uma tendência, o que é um gigantesco retrocesso na profissionalização das estatais, além de reabrir as portas para a corrupção sistêmica. Afinal, a contaminação dessa gestão por fatores políticos, muitas vezes associados a projetos de poder, são um fomento substancial para as más práticas de gestão pública", comenta Rebelo.
Currículo de Lupi e Anielle é questionado para indicação
Os currículos de Lupi e de Anielle também são alvo de críticas, já que nenhum deles possui experiência na área de metalurgia, na qual a Tupy atua. O mesmo documento do BNDES que veda a indicação de dirigentes políticos licenciados também prevê “notório conhecimento e formação acadêmica compatíveis com o cargo”.
O banco justificou a presença de Anielle no conselho da Tupy como uma forma de “avançar no desafio da inclusão de mulheres e negros na alta administração de empresas – uma das metas da política de indicações do BNDES em colegiados - em um cenário no qual apenas 19% de mulheres ocupam esse espaço e 3% são negros”. Já o ministro da Previdência teria, segundo o BNDES, experiência em conselhos fiscais e de administração do próprio banco e de outras instituições governamentais.
Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, Marcelo Trindade, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CMV), lembrou que a Lei das Estatais, antes de ser suspensa em parte pelo então ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibia a indicação de ministros para cargos em conselhos de administração de estatais porque os ministros deveriam se dedicar integralmente às suas funções. Isso, na visão de Trindade, já seria motivo suficiente para que um ministro não pudesse ser indicado para integrar nenhum conselho administrativo, seja de estatal ou de empresa privada. Esse último caso seria ainda um agravante, já que abriria as portas para que o governo fizesse indicações políticas a conselhos nas várias empresas privadas em que o BNDES e a Previ têm ações.
A oposição ao governo Lula também está questionando as indicações de Lupi e de Anielle. Os parlamentares da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) aprovaram nesta quarta-feira (3) um requerimento do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) que cobra do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), explicações sobre a motivação das indicações, o acúmulo de cargos, a falta de experiência dos indicados e pede ainda um detalhamento das funções que serão desempenhadas pelos ministros e dos respectivos salários.
O deputado Zé Trovão (PL-SC) apresentou questionamento similar. As nomeações “parecem ser um clássico caso de aparelhamento político da empresa, o que violaria os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da administração pública”, opinou.