O Congresso Nacional pretende discutir nesta semana um pacote de reações contra a campanha de boicote dos franceses ao agro brasileiro e dos demais países do Mercosul. Um dos projetos que pode avançar cria disposições sobre a não aceitação de acordos internacionais que imponham restrições discriminatórias aos produtos brasileiros. Enquanto isso, nos bastidores do Palácio do Planalto, a crise frustrou expectativas da diplomacia para fechar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia ainda neste ano.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se reúne nesta terça-feira (26) com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para discutir a votação do Projeto de Lei 1406/24, de autoria do deputado Tião Medeiros (PP-PR), que cria um Programa Nacional de Monitoramento da Isonomia Internacional de Políticas. Lira sinalizou que pretende colocar a proposta em votação ainda nesta semana.
“Nos incomoda muito o protecionismo europeu, principalmente da França com o Brasil. E deverá ter nesta semana, por parte do Congresso Nacional, em sua pauta, a lei da reciprocidade econômica entre os países”, afirmou Lira. "O Brasil, o Congresso Nacional, os empresários e a população têm que dar uma resposta clara para que esse protecionismo exagerado, sobretudo da França, não seja motivo de injusto protecionismo contra interesses de quem protege [o meio ambiente] debaixo da lei mais rígida com nosso código brasileiro florestal", continuou.
Além da discussão da proposta, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) protocolou um requerimento de convocação do embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, para cobrar explicações na Comissão de Relações Exteriores do Senado. “Não há qualquer razão real, a não ser o protecionismo francês a seus produtos, que recebem subsídios, para essas medidas, que merecem mais do que indignação, merecem resposta recíproca”, defendeu a senadora.
Já o senador Nelsinho Trad (PSD-MT), presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, o posicionamento da França coloca em risco a confiança a relação mútua com o bloco europeu. "Essas ações prejudicam as negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, contradizem o espírito de cooperação e as bases de comércio justo que têm orientado o diálogo entre os blocos", disse o parlamentar.
Além da reação do Congresso Nacional, a decisão do Carrefour também está sendo acompanhada pelo Palácio do Planalto. Nesta segunda-feira (25), Fávaro defendeu a decisão dos produtores brasileiros de suspender as vendas para a rede Carrefour no Brasil.
“Se para o povo francês o Carrefour não serve comprar carne brasileira, que o Carrefour também não compre carne brasileira para colocar nas suas gôndolas aqui no Brasil”, disse Fávaro à Globo News. O Ministério da Agricultura já havia afirmado que "não aceitará tentativas vãs de manchar ou desmerecer a reconhecida qualidade e segurança dos produtos brasileiros e dos compromissos ambientais brasileiros”.
CEO do Carrefour pede desculpas "se gerou confusão"
A crise teve início na semana passada, depois que o presidente global do grupo de supermercados Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou que a rede, na França, não compraria mais carne dos países-membros do Mercosul – Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile e Colômbia.
Bompard afirmou que a decisão do boicote foi tomada após ouvir o “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que têm protestado contra o acordo de livre-comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia. O tratado vem sendo negociado há quase 30 anos e havia a expectativa por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que ele saísse do papel ainda em 2024.
Frigoríficos brasileiros reagiram à declaração do francês e iniciaram, ainda no fim de semana, um embargo no fornecimento de carnes ao Carrefour no Brasil. A movimentação foi tamanha que a rede de supermercados no Brasil admitiu que a suspensão do fornecimento de carne impactaria seus clientes, embora tenha negado desabastecimento.
Na manhã desta terça-feira (26), após a repercussão, Bompard redigiu uma carta de esclarecimento ao ministro Carlos Fávaro (Agricultura), dizendo que, "se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas". Apesar disso, a nota de Bompard que pediu pelo boicote aos produtos do Mercosul continuava no perfil do CEO no X.
Crise com a França dificulta acordo comercial com a UE
Dentro do Palácio do Planalto, o boicote do Carrefour da França foi visto como mais uma forma de protecionismo do país europeu contra a conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
O acordo comercial entre os dois blocos é uma das prioridades de Lula, mas ele vem enfrentando resistências, principalmente, por parte dos franceses. Durante a cúpula do G20, no Rio de Janeiro, o presidente da França, Emmanuel Macron, reforçou que a proposta enfrenta dificuldades para sair do papel.
"Realmente não queremos importar produtos agrícolas que não respeitem as regras que impusemos a nós mesmos", afirmou o francês, referindo-se a normas ambientais e sanitárias que os agricultores franceses cobram do Mercosul como forma de impedir a entrada em vigor do acordo.
Aliado de Lula, Macron disse que propôs ao presidente brasileiro empreender "novos trabalhos para tentar desenvolver um marco de investimentos conjunto, mas que proteja" a agricultura francesa e europeia. Além do presidente da França, o governo da Polônia se comprometeu publicamente, no último final de semana, a não assinar o tratado, como forma de acabar com os protestos dos produtores poloneses.
“Mantemos nossa oposição inquestionável ao tratado com o Mercosul, como exigem os agricultores. Isso será formalizado não apenas como posição do Ministério da Agricultura, mas também do governo e do parlamento polonês”, informou o ministro da Agricultura da Polônia, Czeslaw Siekierski.
Crise frustra expectativas da diplomacia de Lula
O episódio de boicote provocado pelo Carrefour e a sinalização do governo da Polônia frustraram as expectativas do governo quanto ao fechamento do acordo comercial entre os dois blocos ainda neste ano. Aliados de Lula não descartam uma ação coordenada por parte da França para enterrar o tratado entre o Mercosul e o bloco europeu.
Integrantes da diplomacia brasileira atuam agora para pressionar os demais países da Europa para uma nova tentativa de negociações. A avaliação entre os governistas, no entanto, é de que será preciso encontrar uma nova linha de negociação.
"O posicionamento do Ministério da Agricultura é de não acreditar em um movimento orquestrado por parte de empresas francesas visando dificultar a formalização do Acordo Mercosul – União Europeia, debatido na reunião de cúpula do G20", informou a pasta em nota.
A Comissão Europeia, com o apoio de vários países importantes do bloco, como Alemanha e Espanha, são favoráveis ao fechamento do acordo de livre comércio com o Mercosul antes do fim deste ano. As negociações entre os dois blocos se arrastam desde 1999. Em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um acordo geral foi finalizado, mas desde então o tratado passou por revisões e não foi ratificado por nenhum país.
Se a Comissão Europeia levar o pacto adiante sem o consenso francês, Paris precisaria do apoio de outros países para bloquear a aprovação. Neste cenário, precisaria formar a chamada "minoria de bloqueio" com ao menos quatro dos 27 países da UE em caso de os apoiadores da decisão não alcançarem 65% da população do bloco.
Além da França e da Polônia, a Itália também já sinalizou resistências em assinar o acordo comercial. Se o tratado for firmado, a União Europeia deverá zerar as tarifas que incidem sobre 92% das importações do bloco sul-americano em até 10 anos. O Mercosul, por sua vez, deverá acabar com 72% das tarifas que incidem sobre produtos comprados do bloco europeu no mesmo período. Em 15 anos, esse percentual chegará a 91%.
Para o setor agrícola, 81,8% do que a União Europeia importa do Mercosul terá tarifa zero em 10 anos. No mesmo período, 67,4% do que o bloco sul-americano compra ficará sem tarifa.
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