O governo de Jair Bolsonaro vem, há algum tempo, sinalizando que estuda promover uma grande reformulação no programa Bolsa Família. Agora, a situação é um pouco mais delicada, já que houve trocas no comando de ministérios diretamente envolvidos com a questão, além da volta de problemas estruturais, como a fila de espera de famílias que se enquadram nos critérios do programa mas não recebem o benefício.
“Uma ideia de reformular o programa é sempre arriscada, porque o Bolsa Família é um bom programa e você pode sempre torná-lo pior”, pondera o diretor do FGV Social Marcelo Neri, um dos pesquisadores que mais estuda o programa Bolsa Família no Brasil.
Para ele, ainda que haja risco, é saudável rever pontos do programa, que até ganhou mais focalização após os pentes-finos realizados recentemente. “Você tem que melhorar o programa, mas em uma época de crise como a gente teve, era época de estender a rede, e não de recolher a rede”, pondera.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Neri, que na gestão de Dilma Rousseff (PT) foi presidente do Ipea entre 2012 e 2014 e ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e 2015, fala sobre como os problemas do programa – e o avanço da extrema pobreza – começaram ainda em 2015, comenta o 13.º benefício, projetos para ampliar o Bolsa Família e o uso político do programa.
O Bolsa Família voltou a ter fila de espera de famílias que já estão enquadradas nos critérios do programa. Além disso, o governo projetou o orçamento de 2020 com uma projeção de 13,2 milhões de famílias, menos que a média de famílias atendidas no ano passado. O senhor acha que o número de famílias em situação de pobreza foi subestimado?
Nas nossas contas, [o atendimento do Bolsa Família] caiu 900 mil [famílias] no último ano. A fila média, tal como divulgado, foi de 500 mil, mas algumas notícias divulgadas já falam em um milhão agora no final do ano. Um ponto que é importante ressaltar, que quer dizer que esse problema é sério, é que o Bolsa Família vem perdendo não em número de beneficiários, que é o elemento novo, mas em termos de valor dos benefícios já desde 2015, inclusive. Desde o final de 2014, que foi o pico de atendimento do programa, você não recompôs inflação.
Pelas nossas contas, entre 2014 e 2018 a renda dos 5% mais pobres caiu 39%. A extrema pobreza – usando a linha de US$ 1,25, que é a linha mais baixa e que está mais próxima do Bolsa Família, dos R$ 89 [é o valor de renda per capita que determina que uma família está enquadrada na extrema pobreza] –, ela aumentou 67% de 2014 e 2018. Isso reflete esse desajuste, mais até na extrema pobreza do que na desigualdade. É um problema sério porque acontece no topo de outros problemas, de outros desajustes que já vêm acontecendo.
O governo Bolsonaro fala em reformular o programa...
Uma ideia de reformular o programa é sempre arriscada, porque o Bolsa Família é um bom programa e você pode sempre torná-lo pior. Mas é saudável. Da mesma forma que o pente-fino, que foi tentado nos últimos anos, até mostra que o programa ganhou um pouco mais de focalização – pouco, mas ganhou. Você tem que melhorar o programa, mas em uma época de crise como a gente teve era época de estender a rede, não de recolher a rede. Eu acho que são novas direções. Isso é até positivo. Um pouco do histórico é que é complicado ser oposição ao governo que tem Bolsa Família. Existe um uso político que não é saudável – 2019 não foi ano de eleição, mas 2020 vai ser, ao menos municipal.
Mas nos últimos anos não tem havido um aumento consistente no orçamento do programa, que tem se mantido na casa dos R$ 30 bilhões.
Eu acho que o programa é tão barato porque, na verdade, foi feito ao longo desse período todo um ajuste fiscal em cima dos pobres, que nenhum outro grupo da sociedade teve. Foi o grupo que mais perdeu: nenhum benefício, nenhuma transferência do governo perdeu como o Bolsa Família perdeu. Então, esse ajuste fiscal em cima dos mais pobres não resolve nada. Você aumenta a extrema pobreza, cria um problema sério, e atrapalha a própria macroeconomia, principalmente em regiões mais pobres em que a economia local depende desses benefícios também, não só as pessoas.
Para compensar a ausência de reajustes no valor da bolsa básica paga aos beneficiários do programa, o governo criou o 13.º benefício do Bolsa Família, que foi pago em 2019 e ainda não há previsão para ser instituído como um adendo permanente, embora o governo declare que o pagamento não vai cessar. Qual sua opinião sobre esse extra?
Você ter um aumento da renda das famílias na época do Natal, que é quando elas têm um emprego temporário, quando tem o 13.º da Previdência... Era melhor você ou dar o reajuste, para dar a garantia no mês a mês, ou dar a liberdade para a família escolher o mês em que ela quer receber, seja para comprar o material escolar para o filho ou se alguém ficar doente comprar remédio, e não necessariamente no Natal. Eu acho que não é uma boa, não justifica. Na verdade, o orçamento dele, seja pela redução do número de pessoas ou pelo congelamento nominal do benefício em alguns anos e a perda real ao longo do tempo, mostra que o Bolsa Família foi o único benefício que foi reduzido em 2018, analisando a Pnad. É uma coisa meio sem sentido.
A Câmara dos Deputados apresentou um pacote social, com uma série de medidas que impactariam o Bolsa Família, determinando um foco mais prioritário na primeira infância e fixando linha de extrema pobreza e valor de benefício básico com reajuste anual. Seria uma forma de evitar essas perdas do programa?
[O pacote] vai na direção correta. Infelizmente, o que a gente aprendeu nos últimos anos, é que o ajuste [fiscal] estoura na parte mais fraca, o que não faz o menor sentido. A princípio, você não deveria indexar nada, mas tudo é indexado. Então, proteger o Bolsa Família nesse contexto faz sentido.
Considera que o governo fica apenas no discurso de proteger o Bolsa Família?
Isso está acontecendo nos governos. Nos últimos cinco anos, foi uma coisa ou outra, desde 2015, inclusive [Neri ficou no governo Dilma até fevereiro daquele ano]. Por que a desigualdade e particularmente a extrema pobreza subiram muito no Brasil? Foi por conta... revela uma certa despreocupação de alguma forma da sociedade, do governo, dos atores com esses dois problemas que ainda são grandes no Brasil, tanto a extrema pobreza quanto a desigualdade, mas dentro de um contexto que a gente tem os instrumentos e um bom exemplo é o Bolsa Família.
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