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Novo rumo

Governo diz que Bolsa Família está desvirtuado e planeja mudanças no programa

(Foto: Arquivo Gazeta do Povo)

O Bolsa Família é comumente citado e reconhecido por organismos internacionais como um dos melhores programas de transferência de renda do mundo, porque é bem focalizado, tem custo baixo (0,5% do PIB brasileiro) e apresenta resultados consistentes no combate à pobreza – segundo o Ipea, em 15 anos o auxílio reduziu a pobreza em 15% e a extrema pobreza em 25%. Mas essa não é a avaliação feita pela gestão de Jair Bolsonaro (PSL). Para o governo, o principal objetivo do programa, que seria a complementação de renda, está desvirtuado.

De acordo com o Ministério da Cidadania, “devido às frequentes mudanças no cenário econômico, o programa necessita passar por um redirecionamento”. Técnicos da pasta “têm se debruçado em estudos para aperfeiçoar a gestão do programa e os processos de inclusão, exclusão e manutenção de famílias na folha de pagamento, com o objetivo de beneficiar os que realmente precisam”.

Esse posicionamento da pasta é consistente com declarações recentes do ministro Osmar Terra. Ao participar de uma sessão da Comissão Mista de Orçamento (CMO), em 19 de setembro, para debater verbas para ações voltadas à primeira infância, o ministro teceu algumas críticas ao programa, classificado como "o menor" no quesito transferência de renda.

“Transferência de renda não diminui pobreza. Nós temos grandes programas de transferência de renda. Aliás, o Brasil é um dos países do mundo que mais tem programas de transferência de renda. O Bolsa Família é o menor deles. Há programas muito maiores que o Bolsa Família que ajudaram a diminuir a pobreza, como a aposentadoria do trabalhador rural, que não é uma aposentadoria na prática, mas é uma transferência de renda”, declarou.

Terra ainda citou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um tipo de aposentadoria destinada a idosos muito pobres ou pessoas com deficiência, como outra iniciativa maior do que o Bolsa Família. “Nenhum desses programas resolve sozinho o problema da pobreza. Juntos, eles melhoram a situação das pessoas, mas não acabam com a pobreza nem transferem as pessoas numa situação de pobreza para uma situação de não pobreza. A experiência é essa”, afirmou o ministro.

Estudos sobre o Bolsa Família divergem do governo

A visão apresentada por Terra e pelo Ministério da Cidadania não é consensual. O Banco Mundial, por exemplo, em 2017 publicou o estudo “Um ajuste justo”, em que analisa a qualidade do gasto público no Brasil, e concluiu que o “sistema de proteção social” do Brasil não configura um sistema, porque é composto por programas sobrepostos e mal articulados. Mas elogiou justamente o Bolsa Família.

“De todos os programas de assistência social, somente o Bolsa Família é bem direcionado e eficaz em termos de custo. O Bolsa Família constitui a única rede de proteção significativa para os pobres não idosos, principalmente as famílias com crianças”, aponta o documento.

O Banco Mundial ainda traça uma comparação justamente com o BPC. Enquanto o Bolsa Família custa R$ 30 bilhões por ano, o BPC consome o dobro de recursos, cerca de R$ 60 bilhões, e atende a um público muito menor – enquanto a média mensal do Bolsa Família está em 13,5 milhões de famílias, o BPC atende a cerca de 4,5 milhões de pessoas.

“Embora o programa Bolsa Família seja muito progressivo, o BPC, em contraste, não é bem direcionado: 70% dos benefícios cabem aos 60% mais ricos, e somente 12% dos benefícios cabem aos 20% mais pobres da população”, pondera o relatório. Outro problema em relação ao BPC é o excesso de judicialização a que está exposto.

O ministro também declarou que “só aumenta o número de famílias [no programa], não diminui”. O Bolsa Família de fato cresceu desde que foi criado, em 2003. Segundo o Ipea, que estudou os efeitos dos primeiros 15 anos do programa, o número de famílias beneficiárias passou de 6 milhões em 2004 para 13,3 milhões em 2017. Ao longo desse período, 3,4 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza extrema e outras 3,2 milhões superaram a pobreza.

Na análise dos pesquisadores, essa redução dos indicadores pode ser explicada pela boa focalização na transferência do dinheiro público. Cerca de 70% dos recursos do Bolsa Família alcançaram a faixa dos 20% mais pobres. E eles ainda fazem uma ressalva, que pode parecer redundante, mas não é: “a redução da pobreza pode ser entendida de outras formas que não a redução da taxa de pobreza”.

Essa observação tem a ver com o fato de que a distribuição de renda entre os pobres é até mais desigual do que em outras camadas da sociedade. “A renda média dos pobres é sempre menor que a linha de pobreza empregada para identificá-los, e a distância entre a média e a linha é conhecida como o hiato de pobreza”, lembra a pesquisa. O hiato mede a intensidade da pobreza. E no Brasil, esse é um grande problema.

Na Síntese de Indicadores Sociais (SIS) publicada no fim de 2018, o IBGE calculou que seria necessário investir R$ 10,2 bilhões por mês para erradicar a pobreza, que atinge 54,8 milhões de brasileiros. A despesa mensal do Bolsa Família é de aproximadamente R$ 2,5 bilhões.

As apostas do governo para combater a pobreza

O ministro Osmar Terra sinalizou duas apostas que o governo deve fazer para o combate à pobreza e desigualdade. “Nós nos debruçamos em acrescentar aos programas de transferência de renda duas ações que, estas sim, apostamos que vão nos ajudar a diminuir a desigualdade e diminuir a pobreza. Eles são o Criança Feliz [...] e o Programa Progredir, de geração de emprego e renda”, declarou também na sessão da CMO.

Ele explicou que o ministério está focando em jovens que são beneficiários do Bolsa Família e têm entre 18 e 29 anos, e que não trabalham nem estudam. “Há 4,6 milhões de jovens entre 18 e 29 anos nas famílias do Bolsa Família que não trabalham nem estudam. Isso é uma tragédia. Isso é uma tragédia para eles, porque anula qualquer possibilidade de um futuro melhor, e para a família também, porque eles são a esperança da família de progredir mais rápido e sair da pobreza. Esses programas são vinculados basicamente à área da educação”, declarou o ministro.

Já em relação às crianças, o objetivo é ampliar a cobertura do Criança Feliz, programa de visita domiciliar que faz o acompanhamento de crianças até 6 anos e oferece instrumentos para que os pais estimulem o desenvolvimento cognitivo, emocional e psicossocial dos filhos. “Esse é o maior programa em escala do mundo. Nós estamos chegando a 765 mil pessoas atendidas dentro do programa: 640 mil são crianças, 125 mil são gestantes, todas do Bolsa Família ou do BPC, para as famílias mais pobres que têm deficiência mental ou física”, disse o ministro.

O problema é que, para ampliar esse atendimento, o governo precisa de dinheiro. Segundo Terra, o programa começou a realizar as visitas em 2017, com um custo de R$ 207 milhões. A proposta é terminar 2019 atendendo a 1 milhão de famílias, mas o recurso é de apenas R$ 377 milhões.

A progressão de atendimentos encontra um descompasso financeiro. A expectativa é ampliar para 2 milhões de famílias em 2020 e alcançar 3,2 milhões – a totalidade de famílias inscritas nos dois programas que têm crianças nessa faixa etária – até o fim do governo.

“Talvez não chegue nisso, por vários motivos. Não é simples se chegar em todas ao mesmo tempo”, disse o ministro. Uma razão é o custo: a verba prevista é de R$ 517 milhões, mas o orçamento necessário é de R$ 1,9 bilhão.

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