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O governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), planeja se reunir em breve com o presidente Jair Bolsonaro, no que promete ser o mais importante aceno de uma relação “ganha-ganha”. Para Castro, é a oportunidade de ganhar capital político e cavar sua permanência à frente do Executivo fluminense. Para Bolsonaro, é a oportunidade de construir um relacionamento político em um estado chave para ele e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
A conversa dos dois oficialmente será voltada à renovação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Rio — pauta de uma reunião que Castro teve com o ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta quinta-feira (3), em Brasília —, mas tem um pano de fundo mais amplo. O governador interino quer respaldo para permanecer no cargo e não deve medir esforços para isso. Segundo um interlocutor de Guedes, Castro disse que fará os "sacrifícios que forem necessários para colocar o Rio nos trilhos".
Ainda na quarta-feira (2), o governador intensificou a articulação com o Palácio do Planalto para buscar apoio e conseguir um espaço na agenda de Bolsonaro. Desde o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), em 28 de agosto, Castro conversa com ministros de Bolsonaro — sobretudo os palacianos — e alguns de seus principais conselheiros e filhos.
Flávio foi um dos que trabalhou para convencer o pai a conversar com o governador em exercício. Durante o julgamento de quarta no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou o afastamento de Witzel, ele voltou a fazer as ligações. “Ele [Castro] atua fortemente para construir pontes com o governo federal, ligando para vários ministros”, admite à Gazeta do Povo um interlocutor do presidente da República.
O movimento de aproximação de Castro com o Planalto não é feito a esmo. É meticulosamente calculado para conseguir se sustentar, reconhecem interlocutores da Presidência da República. Afinal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) suspeita que, em conjunto com Witzel e André Ceciliano, presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o governador em exercício organizou um esquema criminoso para desvio de sobras do orçamento do Legislativo fluminense em proveito dos deputados.
Por esse motivo, o governo acena com a construção de uma relação pragmática com Castro. Afinal, se ele não se sustentar no cargo por questões judiciais, o Planalto não sai com a imagem arranhada de alguém que o abraçou como um velho aliado. A permanência no cargo, entretanto, muda o jogo e garante ao governador em exercício um posto de aliado de primeira hora. No frigir dos ovos, é um relacionamento em que o governo também sai ganhando.
Os interesses de Bolsonaro em compor com Castro
O cálculo político do Planalto é ter o governador do Rio de Janeiro como aliado para fortalecer a imagem do Executivo para 2022, reconhece um assessor palaciano. “A aproximação [com Castro] é positiva porque o Rio é um estado importante, é a base eleitoral do presidente”, destaca. Com Witzel, Bolsonaro tinha um adversário. Sem ele, o espaço se abre para composições políticas. “Fora que o Rio é um estado conturbado. É interesse do Palácio ter essa aproximação e ajudar a resolver os problemas do estado, ainda mais durante a pandemia”, acrescenta o interlocutor.
O governo não é o único a ter interesse no relacionamento com o governador em exercício. Bolsonaro e Flávio têm um interesse pessoal. A permanência de Castro no cargo pode levar Bolsonaro a ter influência indireta na escolha do futuro procurador-geral de Justiça do Rio, chefe do Ministério Público fluminense (MP-RJ). A escolha é feita a partir de uma eleição interna da qual o governador é o responsável por escolher os três primeiros colocados de uma lista tríplice. Ou seja, a depender da composição política costurada, presidente da República e governador poderiam escolher um nome consensual.
O MP-RJ apura um suposto esquema de "rachadinha" na Alerj, do qual Flávio é investigado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Bolsonaro e Flávio negam aos mais próximos qualquer intenção em influenciar mudanças na procuradoria-geral fluminense. Mas ambos não negam o desejo de uma gestão mais “isenta” do MP. “Você já viu o MP do estado do Rio de Janeiro investigar qualquer pessoa, qualquer corrupção, qualquer deslize, qualquer agente público do Estado? E olha que o Estado mais corrupto do Brasil é o Rio de Janeiro”, criticou Bolsonaro em dezembro do ano passado.
Recuperação fiscal é prioridade para o governador interino
A renovação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) promete ser cumprida à risca por Castro. O atual acordo com a União vence no próximo sábado (5), por isso o governador em exercício intensificou as conversas com a equipe econômica e o Planalto para apresentar as cartas. O projeto desenvolvido promete reestruturar o plano de recuperação do Rio, que deve contemplar pontos não cumpridos por Witzel, a exemplo da privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae).
O deputado federal Felício Laterça (PSL-RJ), primeiro-vice-líder do partido, tem boas expectativas com o início de Castro. “O governador afastado não estava preocupado em fazer a boa política. Tinha uma megalomania que realmente atrapalhava e muito, e depois ainda queria ser bem recebido”, critica.
Já o governador em exercício, pondera, entendeu o que precisa ser feito. “O governador Castro precisa caminhar com o governo federal. A União ainda é a dona da chave do cofre”, destaca.