“Sistema trabalhou quatro anos contra a minha pessoa”, disse Bolsonaro na Paulista| Foto: EFE
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Prometido como o maior ato da direita até o momento contra o ministro Alexandre de Moraes, a manifestação que tomou a Avenida Paulista neste 7 de Setembro também transpareceu, nos discursos, a ideia de reafirmar a posição do ex-presidente Jair Bolsonaro como líder da direita no país, sobretudo em razão da recente ascensão, na disputa pela prefeitura de São Paulo, da candidatura do empresário Pablo Marçal (PRTB), que tentou tirar proveito do evento no final.

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Todos que falaram do alto do principal caminhão de som do ato, contratado pelo pastor Silas Malafaia, exaltaram a figura e o governo do ex-presidente, inclusive o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sempre citado como principal alternativa eleitoral da direita para a Presidência caso Bolsonaro permaneça inelegível em 2026.

“Quanta saudade eu tenho do período do presidente Bolsonaro. Quem está com saudade do Bolsonaro aí?”, disse Tarcísio para o público na Paulista, citando depois algumas das realizações do governo do padrinho político, com destaque para reformas que ajudaram a alavancar a economia, ajuste nas contas públicas e redução de impostos.

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“Estamos aqui para dizer que a direita dá resultado”, arrematou o governador, antes de enaltecer o valor da “liberdade”, meio de conexão com o mote oficial do ato – o impeachment de Moraes, o fim de seus inquéritos e a anistia para os “presos políticos”.

O próprio Bolsonaro, em seu discurso, fez questão de, em vários momentos, se colocar como vítima do “sistema” – dentro do qual estaria Moraes – que não só tentou travar seu governo, como também trabalhou contra sua reeleição em 2022.

“Se hoje sou o ex mais amado do Brasil, esse divórcio não foi feito pelo povo, foi feito por parte desse sistema que trabalhou quatro anos contra a minha pessoa. Não tinha uma semana que não era fustigado por uma sentença judicial atrapalhando nosso governo”, afirmou. O resgaste da retórica antissistema não é por acaso – apoiadores de Pablo Marçal, que tenta capturar parte do eleitorado de Bolsonaro, marcaram forte presença no evento, vendendo bonés.

Bolsonaro se disse perseguido porque “estava atrapalhando o sistema” combatendo a corrupção. Nesse ponto, também buscou marcar sua diferença com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Aqui do lado o Porto de Santos dava prejuízo de 500 milhões por ano. Conosco passou a dar lucro de 500 milhões por ano. Para onde ia essa grana, de 1 bilhão por ano? Para o bolso de políticos e gente integrante do sistema [...] A gente estava atrapalhando o sistema. Não tinha mais como roubar o Brasil. As estatais passaram a dar lucro”, disse.

O ex-presidente também fez questão de marcar sua diferença com relação a Lula chamando a atenção para a redução de tributos em sua gestão, na contramão do que faz o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Quanto mais nós diminuíamos ou zerávamos os impostos, mais o Brasil arrecadava. Isso importunava o sistema, porque na verdade eles não estavam roubando mais”, disse o ex-presidente.

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Após defender-se das acusações encampadas por Moraes – principalmente de que teria tentado dar um golpe entre o final de 2022 e início de 2023 – clamou por anistia aos presos do 8 de Janeiro, e também para si mesmo, nas condenações a inelegibilidade.

“Nós daremos essa anistia, porque só assim nós podemos começar a sonhar com a pacificação do nosso país. Quanto à minha inelegibilidade, eu tenho certeza, que essas duas acusações estapafúrdias, sem razão, sem materialidade, será mais cedo ou mais tarde, conseguida [a anistia] por trabalho dentro do Congresso Nacional. Quem tem que escolher seus futuros chefes é o povo brasileiro, e não um ou outro ministro que temporariamente esteja à frente do TSE”, disse, reafirmando a insinuação de que Moraes agiu em favor de Lula na disputa de 2022.

Ao final, como era esperado, não falou explicitamente em impeachment do ministro, mas em “botar freio através dos dispositivos constitucionais naqueles que saem, que rompem com o limite das quatro linhas da nossa Constituição”.

“Espero que o Senado Federal coloque um freio em Alexandre de Moraes, esse ditador, que faz mais mal ao Brasil que o próprio Luiz Inácio Lula da Silva”, disse, antes de encerrar com o tradicional “Brasil acima de tudo”, seguido pelo “Deus acima de todos” por parte multidão.

Marçal tentou se aproveitar, e saiu criticado por Malafaia

No início de seu discurso, Bolsonaro se incomodou com outro carro de som, onde apoiadores também discursavam. Pediu ao menos duas vezes para pararem enquanto ele falava. “Se for possível parar esse som, a gente agradece. Ou então peço para alguém sabotar, arranca o cabo da bateria desse cabo. Se esse picareta quer fazer um evento, anuncie, convoque o povo e faça. Não atrapalhe pessoas que estão lutando por algo muito sério”.

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Malafaia, ao final do ato, também reclamou, inclusive de Pablo Marçal, que chegou no final, tentou subir no caminhão de som principal, mas foi barrado. “Ele chegou no final, querendo aparecer. Ele não foi [antes] porque está com medo do Alexandre de Moraes, então é metido a corajoso, mas é um frouxo. Chegou no final, quer subir para fazer graça e corte na campanha eleitoral? Comigo não. O palanque estava franqueado a todos os candidatos, até a garota do Novo subiu. Mas chegar no final?”, disse à Gazeta do Povo.

Marçal apareceu ao final do discurso de Bolsonaro. Ficou na avenida, e cercado de cabos eleitorais, fez pose em frente às câmeras de celular gesticulando com a mão o “M”, sua marca de campanha.

Sua concorrente pelo Novo, Marina Helena, que também vem conquistando votos na direita, subiu no trio elétrico de Bolsonaro. É a única, entre os postulantes à Prefeitura de São Paulo, que defende abertamente o impeachment de Alexandre de Moraes.

Além deles, também apareceu no ato, rapidamente, o prefeito e candidato à reeleição Ricardo Nunes, que conta com o apoio oficial do PL e de Bolsonaro. Chegou junto com o ex-presidente e com Tarcísio de Freitas, todos tendo partido do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Nunes não discursou, ficou um tempo e depois saiu para outros compromissos.

Marco Antônio Costa, fundador da canal de direita Fio Diário e que contratou o outro trio elétrico, estranhou a queixa de Bolsonaro e Malafaia em direção ao som de seu veículo, no momento do discurso do presidente. Negou que apoie Pablo Marçal e que seja pré-candidato. “Sou jornalista, não estou apoiando ninguém... Mas não estou apoiando o Nunes, de jeito nenhum!”, afirmou à Gazeta do Povo.

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Acrescentou que, se houve incômodo em razão de um suposto apoio a Marçal, que negou, “é a leitura mais medíocre e imaginável que alguém pode fazer do momento histórico que a gente está vivendo. Existe um ditador no STF, um cara sanguinário e sem escrúpulo, sem nenhum tipo de controle, e os caras vêm falar para mim de disputa municipal? É o ápice da miopia.”

Moraes chamado de psicopata e criminoso

As palavras mais duras contra Moraes partiram dos deputados que subiram no trio de Bolsonaro. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) o equiparou a um psicopata.

“Um psicopata é capaz de separar uma mãe de seus dois filhos, sem qualquer remorso, como tem sido feito com a senhora Débora Rodrigues dos Santos. Um psicopata é incapaz de analisar um recurso de uma pessoa doente na cadeia e infelizmente ele vir a óbito, como é o caso do querido Clezão. Um psicopata é capaz de jogar um homem inocente para ser torturado por mais de seis meses nas condições mais desumanas possíveis, na tentativa de forçá-lo a intervir, a inventar mentiras contra seus amigos e colegas de trabalho, como foi feito com Filipe Garcia Martins”, disse, relembrando alguns dos casos que mais estarreceram a direita.

Nikolas Ferreira (PL-MG) disse que o ministro é “um criminoso que usa de seus poderes a qualquer preço para poder silenciar e calar e impedir que nós saibamos a verdade”.

Dedicou o maior tempo de seu discurso, no entanto, para cobrar do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a deflagração do processo de impeachment do ministro – na segunda-feira (9) um novo pedido deve ser protocolado, assinado por 150 deputados federais e com apoio de 30 senadores.

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“Cada homem decide o legado que quer deixar aqui nessa Terra. Pelo visto Pacheco escolheu o da covardia. Os homens do passado teriam vergonha de você, Pacheco. Os homens do presente sentem vergonha de você, Pacheco. E nós asseguraremos que os homens do futuro tenham vergonha de você, Pacheco. Paute o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, seu covarde. E o resto nós faremos nas ruas, nos plenários e no Congresso. Será a primeira vez, em 200 anos, que nós iremos ‘impeachmar’ um ministro da Suprema Corte e começaremos com Alexandre de Moraes”, acrescentou depois”, disse Nikolas.

Também cobrou do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que paute a proposta de anistia para os presos do 8 de Janeiro. “Se o presidente Lira deseja ter os votos da direita para seu candidato à presidência da Câmara, que paute ainda neste ano a anistia para os presos políticos”, afirmou.

Bia Kicis (PL-DF) reafirmou que a direita vai obstruir as votações na Câmara e no Senado até que Pacheco paute o processo de impeachment.

Apesar da pressão, as principais lideranças da direita ligada a Bolsonaro sabem que o ato deste sábado (7) provavelmente não levará o presidente do Senado, muito próximo de Moraes, a abrir o processo de impeachment. “Você derrubar um ditador é uma construção, é um longo caminho, não é da noite para o dia não. É tijolo por tijolo, vamos chegar lá”, resumiu Malafaia ao final do evento. Admitiu, no entanto, que a manifestação deste sábado foi “um pouquinho” menor que outra, também na Paulista, em fevereiro, que teve por mote a defesa de Bolsonaro.

“A gente sempre vai fazer o certo, quando é que Alexandre de Moraes vai cair, eu não sei. Mas se não for agora, a gente troca os senadores, mas isso tem que acabar”, disse à Gazeta do Povo Eduardo Bolsonaro, ecoando a expectativa da direita de conquistar maioria suficiente no Senado, em 2026, para que o processo contra o ministro, enfim, avance.

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Quanto a Moraes, Malafaia defendeu, durante seu discurso, que não apenas sofra impeachment, mas que também seja preso.

“Quero declarar que pelos crimes de Alexandre de Moraes, ele tem sangue nas mãos de gente inocente que morreu. Alexandre de Moraes tem que sofrer impeachment e ir para a cadeia. Lugar de criminoso é na cadeia. Não estou caluniando nem difamando ministro. Eu mostrei os artigos da Constituição que ele tem rasgado”, disse, após relembrar seus atos de censura e a condução de inquéritos em que acumula funções de vítima, delegado, promotor e juiz.