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O presidente Jair Bolsonaro e o senador Ciro Nogueira (PP-PI) selaram o começo de uma relação que tem tudo para dar a almejada governabilidade ao governo federal. Isso dependerá, contudo, de um reposicionamento do próprio presidente da República, que precisará comprovar com palavras e ações a guinada ao pragmatismo político.
Em troca, Bolsonaro terá votos para aprovar agendas econômicas e sociais, indicações que precisam da sabatina do Senado e até emendas constitucionais, desde que tudo passe pelo crivo da nova configuração política do Palácio do Planalto.
Na reunião que teve com Bolsonaro na terça-feira (27), que oficializou a ida do senador à Casa Civil, Nogueira se comprometeu com pautas como: a reforma do Bolsa Família; a recuperação econômica; a aprovação da indicação de André Mendonça, ao Supremo Tribunal Federal (STF); melhorar a relação do Executivo com o Legislativo e o Judiciário; e trabalhar pelo voto auditável.
Tão importante quanto as reformas é a estabilidade institucional que Ciro Nogueira pode oferecer a Bolsonaro. A leitura feita por interlocutores do Planalto é que a governabilidade é, no atual momento, até mais importante do que a agenda econômica, uma vez que, com ela, o presidente da República tem garantias de chegar ao fim do governo com chances de reeleição.
Como a governabilidade pode influenciar da política a economia
O senador Esperidião Amin (PP-SC) — um dos fundadores do extinto PDS, que originou o atual PP — é taxativo ao analisar os ganhos da estabilidade institucional que o governo ganha ao inserir Ciro Nogueira no coração do Planalto. "Vai ganhar em governabilidade, em redução das tensões", diz.
O senador avalia que, com a redução de tensões, o governo poderá explorar ao máximo as oportunidades de crescimento econômico e geração de emprego neste segundo semestre, o último do ano pré-eleitoral e o primeiro que marca a travessia da pandemia para o pós-pandemia.
"Se nós tínhamos a expectativa de crescer 5,3% [de acordo com a mais recente previsão do mercado financeiro para o Produto Interno Bruto (PIB)], vamos crescer 6%. Porque as oportunidades serão mais aproveitadas com a distensão que a participação do Ciro Nogueira propiciará", prevê Amin.
O senador acredita que os problemas políticos continuarão a existir, mas tomarão uma proporção menor. "E isso vai favorecer a economia. Os conflitos, as disputas, as polêmicas são próprias da democracia, mas a coexistência entre os diferentes vai prevalecer", analisa.
Na leitura feita por Amin, a governabilidade por si só tende a animar os agentes econômicos, a ponto de ele avaliar que mesmo a esperada reforma do Bolsa Família, por exemplo, será um complemento à estabilidade institucional. "O que dá para votar vai ser votado, o que não dá para votar não será votado, mas haverá menos ruído, intolerância, intransigência. Ou seja, teremos mais política", destaca.
A senadora Mailza Gomes (PP-AC), líder do bloco Unidos pelo Brasil — que é composto por 23 senadores — elogia a escolha de Nogueira e acredita que ele tem muito a contribuir. "Sei o quanto é importante uma pessoa visionária como o senador Ciro Nogueira na articulação, estreitando relacionamentos entre governo federal, Senado, Câmara, ministérios e estados. Isso é fundamental para que avancemos na discussão das pautas positivas do nosso país, principalmente as reformas. Tenho certeza que fará um grande trabalho e teremos grandes desafios pela frente", disse à Gazeta do Povo.
Outro fator que a governabilidade garante a Bolsonaro é a blindagem contra um possível impeachment, avalia o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab. "A consequência imediata [da indicação de Nogueira à Casa Civil] é a consolidação da base no Congresso, dificultando ainda mais um impeachment, que não tem fato concreto", afirmou, em entrevista à CNN Brasil.
Articulador político, de Estado e coordenador eleitoral: o que Bolsonaro espera de Ciro
O próximo ministro da Casa Civil de Bolsonaro deixou boa impressão no Planalto. A reportagem ouviu de interlocutores palacianos que Nogueira e o atual titular da pasta, Luiz Eduardo Ramos — que assumirá a Secretaria-Geral —, tiveram conversas muito cordiais e trabalham juntos na transição.
A tendência, assim, é que ele assuma a articulação de Estado centrado nas discussões de viabilizar a reforma do Bolsa Família, uma pauta prioritária da Casa Civil na qual Ramos vinha trabalhando. No Senado, Nogueira vai atuar pela aprovação de Mendonça e em montar estratégias para o governo na CPI da Covid.
A construção de propostas politicamente viáveis antes e durante a discussão no Congresso será outra prioridade de Nogueira, que trabalhará na contagem de votos. "O Ciro vai cumprir o mesmo papel que o [Eliseu] Padilha [ex-ministro da Casa Civil na gestão Temer] cumpria no Planalto, a de fazer o cálculo das votações. Política é contar votos e ter propostas coerentes com a política do governo, sobretudo em um ano pré-eleitoral", diz um interlocutor palaciano.
Na prática, Nogueira trabalhará para fortalecer a base governista. Quando não tiver os votos necessários para uma votação, articulará com a ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, como obtê-los. Ao longo desse processo, a expectativa de Bolsonaro é que o próximo ministro atue na coordenação de sua campanha à reeleição.
O objetivo de Bolsonaro em fortalecer sua candidatura e evitar reforçar o adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é um dos principais motivos pelo qual Nogueira chega ao governo com status de "braço direito". Uma das principais metas estipuladas pelo presidente da República é a de expandir a base ainda em 2021.
Tal processo envolve até mesmo tratativas de trazer o PSD de volta. O partido, hoje, aguarda apenas o posicionamento de Kassab para deixar formalmente a base governista, mas Nogueira vai tentar convencê-lo a demover a ideia. "O Ciro é o único cara que dá conta de fazer esse movimento de costura com o Marcos Pereira [presidente do Republicanos], o Valdemar [da Costa Neto, dono do PL] e puxar o Kassab de volta", sustenta um interlocutor.
O que Ciro Nogueira espera da relação com Bolsonaro e o Planalto
Entregar tantas responsabilidades nas mãos de Ciro Nogueira exigirá uma contrapartida natural do Planalto ao senador. Não à toa o Centrão, grupo político ligado ao novo ministro da Casa Civil, demandou a estrutura do Planejamento, Orçamento e Gestão, hoje sob a alçada do Ministério da Economia, que pode ser entregue ao PSD.
Além de cargos, o governo se comprometeu a liberar emendas parlamentares ao Centrão. Mas tais instrumentos da articulação política não são tudo o que Nogueira espera do governo. Aliados do novo ministro sustentam que, tão importante quanto isso em um ano eleitoral, será Bolsonaro se comprometer com uma postura mais pragmática e política.
"Não é só cargo e espaço. Caras iguais o Ciro e o Kassab, pela história e inteligência deles, não aceitarão entrar em um 'jogo de louco'. O Bolsonaro tem a defesa da família e das armas, que essa [a do armamento] o pessoal [do Centrão] até aceita. Mas discursos radicais, o 'terraplanismo' político e ideológico, não podem ser tolerados por quem tem o mínimo de equilíbrio", alerta um membro da Executiva Nacional do PP à reportagem.
Além de cargos, emendas e uma mudança comportamental de Bolsonaro, Nogueira vai cobrar do Planalto um maior prestígio em viagens e solenidades à base governista. "Tem que ter a cara dos coadjuvantes, não dá para ter a cara dele [Bolsonaro] em tudo. Política também é dividir os frutos e o capital político", sustenta uma liderança do Centrão.
Diante das demandas da base governista, Bolsonaro precisará ser muito habilidoso para saber quando e como se impor nesse reposicionamento, avalia o cientista político Márcio Coimbra. "O Bolsonaro vai manter a governabilidade, mas não pode perder a autoridade", avalia o coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília sobre os riscos que precisarão ser calculados.