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Segurança Pública

Bolsonaro critica Lula e Lewandowski ao destacar perigos das audiências de custódia

Ex-presidente Jair Bolsonaro critica medidas se desencarceramento de Lewandowski e Lula (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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Na semana em que uma juíza ofereceu casaco e café a um preso em uma audiência de custódia e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou a realização dessas audiências e afirmou que elas trazem malefícios à população e às forças de segurança. Por meio do X, o ex-presidente disse que muitos advogam que esse é um artifício correto, como “se vivêssemos em um país onde a criminalidade jamais fosse algo deflagrado como a níveis superiores a nações em níveis de guerra”.

A declaração também pode ser interpretada como uma crítica velada ao futuro ministro da Justiça, um dos principais defensores das audiências de custódia. Elas foram implementadas no Brasil no início de 2015, quando Lewandowski presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pela implementação da Resolução 213, que estabeleceu as regras para a realização de Audiência de Custódia nos casos de prisão em flagrante.

Lewandowski também presidia o Supremo Tribunal Federal (STF) quando a medida foi implantada. Não por acaso, em dezembro de 2015, ao julgar as ADI 5240 e a ADPF 347, o STF confirmou a validade das audiências de custódia. À época, o então ministro afirmou que a medida conferiria efetividade a um dos princípios do texto constitucional: o da dignidade da pessoa humana, referindo-se à condição dos criminosos, mas sem mencionar as vítimas.

Em sua publicação no X, antigo Twitter, Bolsonaro afirmou que a audiência de custódia traz riscos para a população ao “soltar rapidamente sujeitos que voltam às ruas para cometer imediatamente os mais bárbaros crimes contra o povo: estupro, assassinatos, roubos de celular para tomar uma cervejinha (...)”.

Na postagem, o ex-presidente ainda salientou que “o encarceramento não pode ser entendido somente como medida de ressocialização, mas principalmente por punição a crimes bárbaros cometidos contra a sociedade”. Em seguida, pediu à população que cobre mais segurança de seus representantes eleitos, “pois somente com a maioria se pode avançar sempre”.

Ainda sobre as audiências de custódia, o jurista Fabrício Rebelo, especialista em Segurança Pública e responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), afirma que, na prática, elas acabaram se transformando em um mecanismo de desencarceramento no Brasil. “A conversão da prisão em flagrante em preventiva se tornou absoluta exceção, inclusive por orientação do próprio Conselho Nacional de Justiça, com o propósito de desafogar o sistema prisional e aplicar medidas alternativas à prisão”.

Rebelo destaca que, em alguns estados, mais de 70% dos presos em flagrante são logo liberados na audiência de custódia. “E isso, claro, aumenta exponencialmente a insegurança pública, além de permitir casos escabrosos, como as tão noticiadas ocorrências de indivíduos que são soltos e voltam a cometer crimes, inclusive homicídios. Ou seja, de um instrumento para evitar prisões arbitrárias, a audiência de custódia se tornou mecanismo de esvaziamento prisional e de insegurança social”, conclui.

O que é a audiência de custódia

Conforme o site do CNJ, as audiências de custódia consistem na rápida apresentação da pessoa que foi presa a um juiz, em uma audiência onde também são ouvidos Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado do preso. Na audiência, o juiz analisa a prisão sob o aspecto da legalidade e a regularidade do flagrante, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão, de se aplicar alguma medida cautelar e qual seria cabível, ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. A análise avalia, ainda, eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.

Rebelo afirma que a medida tem sua origem na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica. Em seu artigo 7º, item 5, o Pacto estabelece que "toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais".

Segundo o jurista, a disposição sempre teve como objetivo assegurar que ninguém ficasse preso por uma mera determinação policial, ou seja, exigindo que a prisão fosse logo avaliada por uma autoridade do Judiciário.

Implementação via Judiciário e resistência

No Brasil, embora a Convenção tenha sido internalizada desde 1992, a audiência de custódia foi estabelecida como imposição do Judiciário em 2015. A Resolução do CNJ estabelecia o prazo de 24 horas após a prisão em flagrante para sua realização.

Rebelo explica que a medida foi alvo de controvérsia, primeiramente por não se tratar de uma lei e também por estabelecer um prazo impraticável para diversas comarcas do país. “Mesmo assim, muitos julgadores entendiam que, se passado esse prazo, o preso deveria ser logo solto”.

Em 2019, a medida passou a ser prevista no Código de Processo Penal (CPP), com a sanção da Lei 13.964/19 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Conhecida como Pacote Anticrime, a lei foi formulada e defendida pelo então ministro da Justiça, o atual senador Sergio Moro (União-PR).

A nova legislação manteve o prazo de 24 horas (art. 310 do CPP) para realização da audiência de custódia, mas não previu a soltura automática do preso caso o prazo não fosse cumprido.

O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS), presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, explica que já vislumbrava os efeitos de desencarceramento dessa medida. “Eu mesmo votei contra esse dispositivo, porque sabia que só serviria para proteger bandidos”.

Posição do futuro ministro sobre as audiências

Em fevereiro do ano passado, o site Consultor Jurídico descreveu a posição favorável de Lewandowski diante do caráter de desencarceramento com que as audiências de custódias. A reportagem afirmou que, na visão do então ministro do STF, agora futuro ministro da Justiça, elas "melhoraram a qualidade das decisões referentes às pessoas que são obrigadas a entrar no sistema prisional”.

A reportagem afirmou ainda que Lewandowski também defende ser necessário melhorar a fase intermediária — “a situação daqueles que já estão dentro" — e a "porta de saída" — ou seja, a profissionalização e a recolocação dos presos no mercado de trabalho, em um claro aceno a outras medidas de desencarceramento que sua gestão à frente do MJSP tende a adotar.

Ainda que a audiência de custódia seja decorrente de um pacto internacional sobre direitos humanos e que, portanto, sua implementação se repita em vários outros países, Rebelo afirma que não se tem notícia de que seja utilizada como mecanismo de desencarceramento a não ser no Brasil.

“Em regra, [nos outros países] apenas se avalia a validade da prisão e, sendo válida, ela é mantida. Essa agenda de desencarceramento pela Audiência de Custódia tem seu grande destaque no Brasil, sem dúvida, sob o pretexto de resolver a superlotação de presídios, mesmo se tratando de um país com um elevadíssimo número de crimes e que, por isso, tem como absolutamente natural possuir muitos presos”.

Congresso de mãos atadas

Também contrário à realização das audiências, o deputado Delegado Paulo Bilynskyj defende que o Parlamento deve avaliar e agir para limitar a audiência de custódia, que avalia ser um instrumento para colocar suspeitos de cometerem crimes de volta à rua.

“Existem milhares de problemas na segurança pública brasileira e, com certeza absoluta, a audiência de custódia é um deles. No Congresso, certamente este tema estará em pauta neste ano, e vamos trabalhar para melhorar a legislação e afastar bandido das ruas”, afirmou.

Mesmo com a disposição dos congressistas, a aprovação de uma medida que restrinja o alcance das audiências pode estar além de sua competência, justamente pela adesão de juízes e de tribunais, como o STF, à medida.

Como foram as portarias internas dos próprios tribunais e as orientações tanto do CNJ quanto do STF as responsáveis pela implementação das audiências, antes mesmo de se tornarem lei, Sanderson explica que cabe aos juízes reduzir o alcance dessa medida.

“Não basta que o Congresso, por exemplo, modifique a lei, mais especificamente o artigo 310 do CPP, teríamos que mudar o entendimento dos tribunais, inclusive do STF”, afirma. “A saída está nas mãos dos juízes, que podem optar por não utilizar as audiências de custódia como instrumento de solturas indiscriminadas, nem de intimidação a policiais”, afirma ele.

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