A relação do presidente Jair Bolsonaro com a Câmara dos Deputados termina 2019 em baixa, depois de ter tido uma melhora no meio do ano. Apesar disso, há uma percepção entre os parlamentares que o Planalto está melhorando o atendimento de suas demandas – o que sinaliza uma possível mudança de humor da Casa em relação a Bolsonaro em 2020. As informações estão em pesquisa, encomendada pela empresa XP Investimentos, que ouviu os próprios deputados.
O porcentual de deputados que consideram que sua relação individual com o governo é ótima ou boa caiu de 47% para 41% no comparativo entre o início de 2019 (fevereiro) com este fim de ano – depois de um período de melhora em junho, quando chegou a 49%. Já os que argumentam que o relacionamento é ruim ou péssimo subiram de apenas 19% em fevereiro para 31% agora. Fevereiro foi o mês que os atuais deputados tomaram posse.
Mesmo entre os deputados que não se declaram de oposição há uma deterioração no relacionamento. Nesse grupo, os que consideram a sua relação individual com o governo como ótima ou boa caiu de 64% para 56%, no comparativo entre o início de 2019 (fevereiro) com este fim de ano – depois de um período de melhora em junho (68%). Dentre os oposicionistas, 72% dizem que é péssimo ou ruim sua relação com a Presidência.
INFOGRÁFICO: veja todos os dados detalhados da pesquisa da XP
A pesquisa indica que houve também queda na análise que os deputados fazem sobre o relacionamento institucional da Câmara com o Palácio do Planalto. O “ótimo/bom” teve uma queda de 24 pontos, também na comparação entre fevereiro e dezembro. Atualmente, apenas 33% acham que a relação da Casa com a Presidência é ótima ou boa. Já foram 57% em fevereiro.
O único indicador da relação entre Bolsonaro e Câmara que melhorou em dezembro foi o atendimento das demandas dos parlamentares pelo Planalto. Na comparação entre junho e dezembro, a porcentagem de deputados que avalia que o atendimento às suas demandas transcorre “muito bem ou bem” passou de 40% para 44%. Em fevereiro eram apenas 12% e em abril, 19%.
A pesquisa da XP também identificou quais projetos do governo Bolsonaro os deputados consideram prioritários para 2020. O primeiro é a reforma tributária, seguida pelo “pacote social” – conjunto de medidas que visa, entre outras propostas, aprimorar a gestão do Bolsa Família. Na sequência, aparecem o pacto federativo, a reforma administrativa, a PEC Emergencial e as privatizações.
Expectativa contrariada
A piora da relação entre o governo Bolsonaro e os deputados no segundo semestre de 2019 contraria uma expectativa dos dois lados. Ao longo dos primeiros seis meses do ano, diante dos ruídos que se repetiam, um argumento rotineiramente citado era o de que as rusgas se davam porque tanto Congresso quanto Executivo estavam sendo formados, em grande parte, por “novatos” em suas funções – e que a pacificação seria uma tendência.
Mas muitas vezes isso não se verificou. As insatisfações e as queixas de ambos os lados continuaram. Entre os exemplos da relação pouco harmônica está a derrubada, pelo Congresso, de oito vetos de Bolsonaro às mudanças na Lei Eleitoral, aprovada pelo Parlamento em setembro. Em outro caso, os deputados aprovaram uma versão "desidratada" do pacote anticrime – o que contrariou as pretensões do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Nem mesmo o PSL passou ileso da tensão com o Planalto. As críticas à relação entre o governo e a Câmara fizeram parte da crise interna do bolsonarismo. Os atritos racharam o PSL e levaram à saída do presidente do partido para fundar a Aliança pelo Brasil.
Governo Bolsonaro e Câmara: níveis diferentes de diálogo
Um dos motivos dos atritos entre Bolsonaro e a Câmara é a própria forma com que o presidente havia prometido conduzir essa relação desde o período eleitoral. O presidente disse que constituiria seu governo sem distribuir cargos em troca de apoio político, como fizeram seus antecessores. E a proposta foi cumprida. Apesar de ter ministros com vinculação partidária, Bolsonaro não fez manteve a lógica política tradicional da negociação com o Congresso – o que desagrada parte dos parlamentares.
“Quando o governo não tem maioria, precisa fazer coalizão para poder governar – o que não foi construído até hoje", diz o deputado Carlos Bezerra (MDB-MT), que está em quinto mandato. "Então o jogo que existe hoje é de perna de pau. Ninguém sabe para onde vão as coisas. Ainda bem que o Parlamento está com sua pauta e cumprindo suas obrigações, independentemente do Executivo.”
Segundo o deputado, o governo não está colocando “gente do ramo” para dialogar com os parlamentares. Bezerra citou o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que em recente entrevista à Folha de S.Paulo descreveu o ambiente político como um “serpentário”. “Ele [Ramos] é um homem bom, mas não entende do assunto”, diz Bezerra.
A deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) diz que há ministérios que não se caracterizam por manter diálogo com o Parlamento. Embora a deputada elogie a qualidade da equipe econômica montada por Bolsonaro, diz que o Ministério da Economia é um deles. “Em relação ao próprio presidente da República e à Casa Civil [comandada por Onyx Lorenzoni], não existe articulação. Eles não estão aqui [no Congresso] para fazer articulação”, diz.
Segundo Paula Belmonte, os diferentes ministérios do governo agem de modo distinto na aproximação com deputados e senadores. Uma pasta que, para a deputada, atua de modo positivo é a da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiada pela ministra Damares Alves.
Há quem acredite que o governo ainda está em uma fase de aprendizado. “O próprio Bolsonaro está passando por uma fase de transição. Ele sempre foi deputado federal, ligado a uma pauta corporativista. Está aprendendo a ter diálogo. Até porque conversar com quem concorda [contigo] é fácil. O difícil é conversar com quem discorda”, afirma o deputado Vinicius Poit (Novo-SP).
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