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Elegibilidade de Bolsonaro
Elegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vira tema no Senado| Foto: EFE/Andre Borges

O Senado está prestes a votar o projeto de lei complementar que relaxa a Lei da Ficha Limpa. Na pauta do plenário desta quarta-feira (9), o PLP 192/2023 propõe unificar o prazo de inelegibilidade em oito anos para casos de condenação judicial, cassação ou renúncia.

O texto, contudo, enfrenta resistência de governistas devido a um ponto controverso que, acreditam, pode abrir uma brecha jurídica capaz de tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) novamente elegível, em tempo para se candidatar nas eleições presidenciais de 2026.

Entre outras alterações na legislação eleitoral, o texto propõe alteração na alínea “d” do artigo 1º da Lei Complementar 64/1990 (Lei das Inelegibilidades), que determina a inelegibilidade por abuso de poder político - como no caso do ex-presidente -, para que passe a exigir "comportamentos graves que possam resultar em cassação". Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo reconhecem que a especulação vem dessa mudança, pois Bolsonaro não teve o seu mandato cassado.

O debate do projeto em plenário começou em 3 de setembro, mas foi suspenso a pedido de senadores, tanto contrários quanto favoráveis, para analisar questões mais sensíveis. Aprovado pela Câmara, o texto recebeu no Senado parecer favorável do relator, Weverton Rocha (PDT-MA).

Márlon Reis, um dos criadores da Lei da Ficha Limpa, alertou sobre a possibilidade de o projeto atual beneficiar Bolsonaro ao afirmar que a inelegibilidade só ocorre em casos que envolvem cassação de registro ou diploma, que não é o caso do ex-presidente.

Neste sentido, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) propôs uma emenda ao texto para garantir que candidatos condenados por abuso de poder econômico ou político permaneçam inelegíveis, mesmo que não tenham sido eleitos.  

Projeto define data para começar a inelegibilidade, com duração de oito anos

O PLP 62/2023 estabelece que os oito anos de inelegibilidade devem ser contados a partir dos seguintes marcos: decisão judicial que leva à perda do mandato; eleição em que o abuso de poder foi cometido; condenação por um órgão colegiado; ou renúncia ao cargo. Hoje é levado em conta para iniciar o impedimento a data de cumprimento da pena. A lei atual considera inelegíveis os condenados por abuso de poder nas eleições em que participaram e por mais oito anos.

Weverton Rocha destacou que o projeto não atende apenas a interesses políticos e lembrou que a Constituição atribui ao Congresso a responsabilidade de legislar sobre inelegibilidade e seus prazos. "Esse projeto corrige, assim como no Código Penal e em outras leis brasileiras, a questão de que quem erra deve pagar sua pena, mas precisa haver um prazo para isso. Ninguém pode ficar punido indefinidamente", disse o senador.

Flávio Bolsonaro acusa governo de barrar votação de projeto com especulações

Na última sessão de debate sobre o projeto, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) defendeu a mudança por corrigir “pontuais injustiças” da Lei da Ficha Limpa, quando usada de maneira mal-intencionada.

“Há casos de inelegibilidade não decorrentes de uma condenação criminal, mas de outra espécie de julgamento”, sublinhou, dando como exemplo a cassação do ex-deputado Deltan Dallagnol (Novo-PR), “sob um argumento que não convence”.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) defendeu a aprovação do projeto e criticou a estratégia dos líderes governistas de retardar a votação com especulações em torno do suposto favorecimento ao ex-presidente. Ele negou essa possibilidade e lamentou a postura da base do governo.

Condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político nas eleições de 2022, quando se reuniu com embaixadores para avaliar o processo eleitoral, Bolsonaro tornou-se inelegível até 2030. Bolsonaro também foi condenado pelo uso eleitoral das comemorações do Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022. Mas, em ambos os casos, não houve cassação.

Os que questionam o risco de Bolsonaro contestar a inelegibilidade a partir da aprovação do projeto argumentam que a gravidade da sua condenação permanece, sem possibilidade de a alteração legal afetar a situação dele. De toda forma, a reversão da inelegibilidade não ocorreria automaticamente. A defesa de Bolsonaro precisaria encaminhar um pedido ao TSE para avaliar a situação conforme as novas regras.

Segundo o consultor do Senado Arlindo Fernandes de Oliveira, nada modifica o cenário para Bolsonaro. “Ao declarar a inelegibilidade do ex-presidente, o TSE afirmou que sua conduta resultaria na cassação do registro. O tribunal só não cassou o registro do candidato porque não havia registro a ser cassado, uma vez que não foi reeleito”, disse.

Relator governista descarta tese de favorecimento a Bolsonaro e outros

Criticado por alguns companheiros da bancada governista do Senado, o relator, Weverton Rocha, também descartou qualquer favorecimento. Ele disse que o ex-presidente foi condenado pelo TSE em duas ações por abuso de poder político, uso indevido da mídia e conduta vedada a agente público. “Ambas as decisões determinaram a inelegibilidade por oito anos após as eleições de 2022”, frisou. Segundo o senador governista, o fato de o registro não ter sido cassado ocorreu somente porque o ex-presidente não foi eleito.

Outros, contudo, evocam o princípio de benefício retroativo da mudança. Para esses, como o projeto vale para casos de inelegibilidade já definidos e não só para as próximas condenações, ajudaria a derrubar a inelegibilidade de Bolsonaro. O próprio ex-presidente tem dito, sem falar explicitamente sobre o projeto, que "algo ainda pode acontecer" para restaurar seus direitos políticos. Também seriam beneficiados o ex-deputado Eduardo Cunha (Republicanos-RJ), o ex-governador Anthony Garotinho (Republicanos-RJ) e o ex-governador Roberto Arruda (PL-DF).

Críticos apontam risco de o projeto enfraquecer o combate à corrupção

Para Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista, o projeto, sob o pretexto de promover ajustes na legislação eleitoral, representa um retrocesso nos dispositivos da Lei da Ficha Limpa, originada por iniciativa popular. Ele argumenta que a proposta permitiria a revisão da elegibilidade de pessoas já condenadas, aplicando as mudanças de forma imediata, inclusive para casos passados.

Abdouni também ressalta que o texto parece casuístico, beneficiando algumas pessoas ao facilitar seu retorno ao cenário eleitoral, em prejuízo da probidade administrativa e da moralidade no exercício do mandato, considerando o histórico dos candidatos.

Em nota, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) classificou o projeto como “grave retrocesso” por "desfigurar o combate à corrupção" trazido pela Ficha Limpa, beneficiando condenados por crimes graves ao reduzir ou anular a sua inelegibilidade.  

O Instituto Não Aceito Corrupção também divulgou nota condenando o PLP 192/2024 por "enfraquecer brutalmente a Lei da Ficha Limpa", que ao longo de 14 anos "barrou "candidaturas indesejáveis à luz da prevalência do interesse público". A entidade liderada pelo advogado Roberto Livianu reclama ainda da ausência de debate democrático em torno da proposta tanto na Câmara quanto no Senado.

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