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O presidente Jair Bolsonaro vive um "inferno astral". Foi derrotado pelo governador João Doria (PSDB-SP) na "guerra das vacinas". É alvo de críticas pela caótica situação da pandemia de Covid-19 em Manaus (AM); e vem sendo fustigado por uma campanha que pede seu impeachment por causa dos erros na condução das ações federais contra o coronavírus. Não tem mais o auxílio emergencial – que aumentou os índices de aprovação de seu governo –, e agora vê sua popularidade diminuir. Finalmente, em meio tudo isso, perdeu seu maior aliado internacional, o ex-presidente dos EUA Donald Trump.
Diante desse cenário desfavorável, o Planalto traçou uma estratégia para tirar Bolsonaro das cordas e dar a volta por cima. E a missão depende, sobretudo, da vitória nas eleições pelo comando da Câmara e do Senado.
A avaliação é de que o presidente precisa de aliados na condução das pautas do Congresso para aprovar os projetos de interesse do governo que possam mostrar que Bolsonaro tem algo a apresentar para a população.
A situação é delicada, reconhecem interlocutores do Palácio do Planalto. Por mais que alguns assessores minimizem a vitória política de Doria na guerra das vacinas, o clima na Esplanada dos Ministérios é diferente em relação ao fim do ano passado. Quando o auxílio emergencial ainda abastecia os lares brasileiros e dava fôlego à aprovação do governo, a avaliação era de que o Planalto tinha superado bem a crise da Covid-19. Agora, o momento é o oposto. "A comunicação foi muito ruim nesse quesito da pandemia. Agora, é reverter no Congresso", diz um governista.
O próprio Bolsonaro sabe que o controle da Câmara e do Senado é essencial. Ele vem se reunindo pessoalmente com parlamentares para pedir votos para os candidatos que apoia: o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL).
Só nesta semana, Bolsonaro recebeu em seu gabinete os deputados Ricardo Izar (PP-SP), Júlio Cesar Ribeiro (PSD-PI) e o primeiro-vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), presidente nacional de seu partido. Também conversou com o senador Jorginho Mello (PL-SC), líder de sua legenda.
O gesto de um presidente receber parlamentares pessoalmente é bem visto na política brasileira.
Mas a campanha por Pacheco e Lira não envolve apenas Bolsonaro. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política, mantém diálogo constante com parlamentares. Pede voto, garante que acordos serão honrados e fala dos benefícios de ter o governo como um aliado de primeira hora.
Vitória política é importante para mudar a economia
“Vamos seguir na linha do que está sendo proposto. Temos que vencer as eleições na Câmara e no Senado, colocar aliados do governo, para que possamos implementar de forma ampla a agenda que se propõe para o país”, diz um interlocutor do Planalto à Gazeta do Povo.
A leitura do governo é de que, sem aliados políticos nos comandos da Câmara e Senado, o governo terá maiores dificuldades para aprovar a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. E, sem essas reformas, o Planalto sabe que dificilmente vai criar um ambiente para que o país possa crescer de forma sustentada para reduzir sensivelmente a marca de 14 milhões de desempregados no Brasil.
“O crescimento econômico destrava tudo. Destrava investimentos em infraestrutura, a adoção de políticas públicas. E tudo isso gera emprego e bem-estar social", diz um interlocutor do Planalto.
Governistas apostam ainda que a simples percepção do mercado de que as reformas vão avançar já é suficiente para melhorar a economia. Aliados de Bolsonaro inclusive dizem que se o Planalto for vitorioso em ao menos uma das Casas legislativas, o governo deve fechar acordo para lançar uma “agenda econômica pelo Brasil”. A avaliação é de que uma cerimônia formal teria o impacto necessário para transmitir ao mercado e empresários o empenho em tocar as reformas.
O foco nas ações econômicas tem outro componente: evitar que se crie o clima político para que algum pedido de impeachment contra Bolsonaro avance no Congresso. Líderes partidários relataram à Gazeta do Povo que, nos bastidores do Parlamento, há inclusive um prazo para que a economia melhore para que a ideia da cassação do presidente não prospere: abril.
E a economia é essencial para o Bolsonaro ter projetos sociais e obras
Para os governistas, a construção de políticas sociais ou mesmo a ampliação de algumas já existentes também depende do avanço da agenda econômica. O Planalto está convencido de que a ampliação do Bolsa Família ou a retomada do auxílio emergencial, por exemplo, estão atreladas à melhora da economia. Isso porque, sem crescimento econômico, a arrecadação federal não aumenta e, consequentemente, não é possível ampliar os gastos sociais.
“Neste momento, até para que faça um reforço do Bolsa Família e torne as ações sociais mais efetivas, precisaremos vencer essas grandes barreiras”, diz um interlocutor palaciano.
A mesma avaliação vale para a conclusão de obras e investimentos públicos.
Privatização, PEC Emergencial e reformas: as prioridades
Governistas afirmam que uma sinalização do governo e do Congresso em favor das reformas seria destravar a privatização da Eletrobras, votando logo após o fim do recesso legislativo o Projeto de Lei (PL) 5877/2019. “Sinto que essa é a principal demanda hoje. As críticas que os liberais fazem ao Guedes é de que ‘o cara das privatizações' não fez nenhuma’. Existe um estigma no Brasil sobre essa pauta”, diz um parlamentar aliado de Bolsonaro.
“A partir do momento que faz a primeira privatização, já vão mudar o discurso”, diz outro congressista. O PL 5877/19 aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados para começar a tramitação. Com Lira eleito na Câmara, a aposta é que a privatização da Eletrobrás possa avançar.
Para esses governistas, é possível colocar diferentes propostas da agenda econômica para tramitar ao mesmo tempo. O Senado, por exemplo, pode discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, a chamada PEC Emergencial, que regulamenta os gatilhos do teto de gastos.
Parlamentares da base do governo dizem ainda que Câmara e o Senado, juntos, poderiam definir os rumos de uma reforma tributária e administrativa consensual, de modo a mitigar as rejeições que ambas as Casas atualmente têm às duas propostas. Isso iria agilizar a tramitação delas.
“Dá para começar tudo ao mesmo tempo. Criam-se as comissões especiais para as reformas tributária e administrativa. Aprova-se a privatização. E, aí, começa a subir a popularidade do governo”, diz um governista.