Ouça este conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro disse, na última quinta-feira (25), que estava construindo um "entendimento" com os comandantes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. A declaração parece marcar uma mudança de comportamento do chefe do Executivo e um período de trégua nas relações com os outros poderes.
O presidente aparentemente tenta manter distância de eventos com potencial de gerar polêmica. No último fim de semana, pelo segundo domingo consecutivo, Bolsonaro não compareceu a manifestações em defesa de seu governo e nem sequer divulgou os atos em suas redes sociais. Ele também tem evitado falar com a imprensa e seus apoiadores no portão do Palácio da Alvorada, onde frequentemente disparava críticas a adversários.
Bolsonaro intensificou o uso das redes sociais como canal para divulgação do governo e executou também ações no campo político com o objetivo de ampliar sua base de apoiadores e apaziguar os ânimos. São exemplos disso o desligamento do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, e a recriação do Ministério das Comunicações, com sua entrega a um deputado do Centrão, Fábio Faria (PSD-RN).
Há ainda uma movimentação, por parte do bolsonarismo, de isolar grupos considerados mais radicais. Aí se incluem desde os "300 do Brasil", facção liderada pela ativista Sara Winter, como também manifestantes espontâneos que comparecem nos atos pró-governo com faixas pelo fechamento do Congresso, do STF e pela realização de uma intervenção militar.
Bolsonaro busca também criar uma agenda positiva em torno do governo. Percorrer o Brasil para a inauguração de obras, como o ocorrido na semana passada, com a entrega da transposição do Rio São Francisco, no Ceará. No último domingo (28), o presidente publicou um vídeo com uma música sobre o Ceará, na qual o cantor pede "perdão" em nome da região por não ter votado em Bolsonaro. "Me desculpe se fui com o senhor indecente. É que falaram que o senhor era o presidente que ia cortar o Bolsa Família, o nosso alimento", diz um trecho da canção.
Mudança de comportamento de Bolsonaro gera elogio e desconfiança
A nova movimentação de Bolsonaro se dá em um momento político delicado para o presidente. A prisão do ex-policial Fabrício Queiroz, que trabalhou para o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), trouxe preocupações extras ao chefe do Executivo. O rompimento entre Flávio e seu antigo advogado Frederico Wassef é outro foco de tensão no governo. Soma-se a isso os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, conduzidos pelo STF, que miram aliados do presidente nos meios político e empresarial. E a possibilidade, frequentemente ventilada, da abertura de um processo de impeachment contra ele na Câmara dos Deputados.
Nesse contexto, Bolsonaro vê a necessidade de dialogar com outros grupos, para além de sua base mais definitiva de apoiadores. Para o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), a movimentação é positiva: "a pacificação de Bolsonaro com as outras instituições é algo que esperamos há muito tempo. Desde a posse estamos falando que o Congresso está à disposição para discutir os melhores caminhos para o Brasil".
"Mas ele ficou nesse dia a dia de confusão, de buscar inimigos no escuro… felizmente, nunca é tarde para se chegar à relação amistosa que se deve ter entre presidente e Congresso", acrescentou o parlamentar.
Membro da oposição no Congresso, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) define as ações recentes do presidente como um "movimento tático". "É um movimento que não tem nada a ver com o que ele estruturalmente representa. É um governo autoritário, antidemocrático, e isso está sobejamente demonstrado. Mas precisa de um movimento como esse por conta de um momento de alta fragilidade", apontou.
Para o petista, a "trégua" de Bolsonaro não deve ter vida longa. "A prisão do Queiroz e outras circunstâncias estão levando a isso. Espero que as pessoas não se iludam", disse.
Nesse um ano e meio de mandato, houve momentos em que Bolsonaro anunciou tréguas como agora. A diferença é que elas duravam pouco. O anúncio da paz era rotineiramente atropelado por uma nova polêmica causada pelo presidente. Agora não, ele se mantém em silêncio e isso ajuda o país a focar no que realmente importa: o combate à pandemia e a recuperação da economia, fustigada pelo coronavírus.
"Silêncio não combina com o presidente"
Vice-líder do governo no Congresso, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) rejeita a ideia de que Bolsonaro estaria recolhido em virtude de preocupações com o cenário. "Não concordo que exista um silêncio por receio. Se tem uma coisa que ele [Bolsonaro] já demonstrou é o destemor", disse.
Para o senador, os atos recentes de Bolsonaro se encaixam na postura da "importância do diálogo" que o presidente tem enfatizado nas últimas semanas.
"Bolsonaro já falou que não vai ser o primeiro a chutar o pau da barraca. Não fez nada que justifique censura, ou que possa ser interpretado como autoritário. Eu faço um apelo para que os membros do STF e os ocupantes de outros cargos públicos adotem postura igual à de Bolsonaro, que é a de um decoro, de compostura", disse.