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Jair Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro| Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

A Polícia Federal (PF) concluiu que o ex-presidente Jair Bolsonaro “planejou, dirigiu e executou” atos para abolir o Estado Democrático de Direito e consumar um golpe de Estado. A tentativa de se manter no poder após a derrota eleitoral em 2022, conforme a PF, só não se concretizou “por circunstâncias alheias a sua vontade”, principalmente pela oposição do então comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior; do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes; e da maioria do Alto Comando do Exército.

A conclusão está no relatório final (íntegra) da investigação sobre a suposta tentativa de golpe de Estado, divulgada nesta terça (26) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O material, entregue ao ministro Alexandre de Moraes na semana passada, já foi encaminhado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, a quem cabe formular uma denúncia sobre o caso. Bolsonaro e mais 36 pessoas, incluindo militares e ex-integrantes de seu governo, foram indiciados pelos crimes de organização criminosa, golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.

Em entrevista à imprensa, nesta terça (26), Bolsonaro negou as acusações. “Tem que estar envolvidas todas as Forças Armadas, se não, não existe golpe. Ninguém vai dar golpe com general da reserva e mais meia dúzia de oficiais”, disse.

“Da minha parte, nunca houve discussão de golpe. Se alguém viesse discutir golpe comigo, ia falar: ‘tá tudo bem, e o ‘after day’, e o dia seguinte, como é que fica? Como é que fica o mundo perante a nós? Agora, todas as medidas possíveis, dentro das quatro linhas, dentro da Constituição, eu estudei. Jamais faria algo fora das quatro linhas. Dá para resolver os problemas do Brasil, seus problemas inclusive, dentro da Constituição”, afirmou ainda.

A defesa de Bolsonaro ainda não havia se manifestado sobre as conclusões do relatório até a última atualização desta reportagem.

No documento, de 884 páginas, a PF diz que as provas reunidas no inquérito demonstram que Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito”. Afirma que, desde 2019, o ex-presidente disseminou “a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do país”.

Segundo a PF, havia dois objetivos na “narrativa” contra as urnas: “primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022”.

O relatório diz que Bolsonaro esteve envolvido nos principais fatos, revelados ao longo dos últimos meses, para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Bolsonaro pediu a ministros do governo para descredibilizar urnas eletrônicas

O primeiro é a reunião, ocorrida em 5 de julho de 2022, em que o então presidente juntou ministros do governo – Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), e o Secretário-geral da Presidência em exercício, Mario Fernandes – para que promovessem e difundissem “desinformações” sobre as urnas.

O relatório destaca várias declarações de Bolsonaro aos auxiliares. “As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE”, disse Bolsonaro na reunião, insinuando fraude na apuração do Tribunal Superior Eleitoral. “Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar”, disse ainda. “Os cara tão preparando tudo, pô! Pro Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e porquê […] Não tem como esse cara ganhar a eleição no voto. Não tem como ganhar no voto”, afirmou.

A PF também destaca que, após a derrota para Lula, Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, teriam autorizado a apresentação, no TSE, de uma representação para contestar o resultado do segundo turno. O pedido de verificação foi negado de forma sumária por Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, e o PL multado em R$ 22,9 milhões.

Pressão de Bolsonaro sobre o comandante do Exército para aderir a golpe

Segundo a PF, Bolsonaro também teria autorizado a pressão sobre o então comandante do Exército, Freire Gomes, para aderir à suposta tentativa de golpe, por meio da “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. O general disse em depoimento que o objetivo era mesmo convencê-lo a participar da ruptura. Nesse documento, publicado em 28 de novembro de 2022, havia um apelo para que os “Poderes e instituições da União assumam os seus papéis constitucionais”, insinuando que o Exército teria papel na “pacificação política, econômica e social, especialmente para a manutenção da Garantia da Lei e da Ordem”.

Em 26 de novembro, durante a elaboração da carta, o tenente-coronel do Exército Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros perguntou ao então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, se “01 sabe disso?”. Cid respondeu: “sabe”. Em depoimento, Cavaliere disse que se referia a Bolsonaro saber sobre a carta.

Elaboração de minuta de decreto para prender Moraes e refazer as eleições

No relatório, a PF ainda acusa Bolsonaro de participar da elaboração da minuta para decretar um estado de defesa no TSE para revisar a apuração dos votos. “Na concepção dos integrantes da organização criminosa, a assinatura deste decreto presidencial serviria como base legal e fundamento jurídico para o golpe de Estado”, diz a PF.

Em sua delação premiada, Mauro Cid contou que Bolsonaro recebeu o documento do então ex-assessor de Assuntos Internacionais Filipe Martins e do advogado Amauri Saad. A versão inicial previa a prisão de Moraes, do ministro Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em 7 de dezembro, o ex-presidente teria apresentado a minuta aos comandantes das Forças Armadas.

Diante da recusa de Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica), Bolsonaro teria então se reunido, em 9 de dezembro, com o general Estavam Theóphilo, comandante do Coter (Comando de Operações Terrestres), que segundo a PF, aceitou executar as ações a cargo do Exército.

Bolsonaro sabia de plano para executar Moraes, Lula e Alckmin, diz PF

Bolsonaro, ainda segundo a PF, era informado sobre os atos para consumar o golpe. Dá como exemplo o plano conhecido como “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a prisão ou execução de Alexandre de Moraes, bem como o assassinato de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin. A PF destaca o fato de o general Mario Fernandes, que liderava a iniciativa, ter imprimido o documento no Palácio do Planalto em 9 de novembro de 2022 e depois dirigir-se ao Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, onde se encontrava Bolsonaro.

Quase um mês depois, em 6 de dezembro, Mario Fernandes imprimiu novamente o documento no Palácio do Planalto em horário em que Bolsonaro estava na sede da Presidência. “Após saírem da Sede do Poder Executivo Federal, Mario Fernandes encaminhou mensagem para Mauro Cid evidenciando o ajuste de ações”, relata a PF.

No dia seguinte, Mario Fernandes enviou a Mauro Cid um áudio com a seguinte fala: “Mas, p...., a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas. A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo”. No dia 12, Lula foi diplomado presidente no TSE e o dia 31 era o último de Bolsonaro no cargo.

A PF conseguiu provar, por meio da recuperação de um grupo de mensagens, chamado “Copa 2022”, no aplicativo Signal, que um grupo de seis militares seguiu Alexandre de Moraes em Brasília, em 15 de dezembro, para prendê-lo ou mata-lo. Nesse mesmo dia, era esperado que Bolsonaro decretasse o estado de defesa no TSE para realizar uma nova eleição presidencial.

“De acordo com os elementos de prova colhidos, o golpe de Estado seria consumado no dia 15 de dezembro de 2022. Nesta data, uma equipe de militares Forças Especiais executaria a ordem de prisão/execução do ministro Alexandre De Moraes. No dia 16 de dezembro de 2022, após a consumação da ruptura institucional, seria criado o Gabinete Institucional de Gestão de Crise, formado em quase a totalidade por militares, sob comando dos Generais Heleno e Braga Netto, havendo poucos civis, dentre eles Filipe Martins”, diz a PF.

A PF relata que, em 15 de dezembro, em reunião com Bolsonaro, somente o comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier, e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, aderiram plano de golpe, mas ficaram contra o chefe do Exército, Freire Gomes, e o da Aeronáutica, Baptista Júnior. “Assim, a operação Copa 2022, na data de 15 de dezembro de 2022, enquanto já estava em andamento teve que ser abortada.”

Apoio do governo para manifestações em frente aos quartéis do Exército

Por fim, a PF diz haver provas de que militares envolvidos na trama buscavam apoio do governo e da Presidência para manter e direcionar a mobilização popular em favor de uma reversão da eleição nos acampamentos em frente aos quartéis do Exército. Em 11 de novembro, o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira enviou mensagem a Mauro Cid com o seguinte teor: “Ae... o pessoal tá querendo a orientação correta da manifestação. A pedida é ir para o CN e STF? As FFAA vão garantir a permanência lá??. Perguntas recebidas”.

Para a PF, “já havia a intenção de que as manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, fato que efetivamente ocorreu no dia 08 de janeiro de 2023”.

O relatório ainda destaca que, em 9 de dezembro, quando Bolsonaro se reuniu com o general Estavam Theóphilo, comandante do Coter (Comando de Operações Terrestres), para convencê-lo a mobilizar o Exército, o ex-presidente apareceu em frente ao Palácio da Alvorada para falar com os manifestantes.

“O discurso seguiu a narrativa da organização criminosa, no sentido de manter a esperança dos manifestantes de que o então Presidente, juntamente com as Forças Armadas iriam tomar uma atitude para reverter o resultado das eleições presidenciais, fato que efetivamente estava em curso naquele momento. Jair Bolsonaro, em várias oportunidades em sua fala, vinculou uma ação a ser desencadeada pelos militares para atender aos anseios dos seus seguidores”, relata.

No discurso, Bolsonaro pediu apoio para “decidir para onde as Forças Armadas vão”. “Quem decide o meu futuro, pra onde eu vou são vocês! Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês!”, disse o ex-presidente na ocasião. “Nada está perdido. Ponto final. Ponto final somente com a morte!”, afirmou ainda para os eleitores. “Sabemos que o tempo voa. Cada minuto é um minuto a menos. Vamos fazer a coisa certa! Diferentemente de outras pessoas. Vamos vencer!”

Para a PF, era uma tentativa de Bolsonaro incentivar a continuidade das manifestações deveriam para pressionar integrantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe de Estado.

“Importante destacar ainda que, conforme detalhado no presente relatório, a expectativa entre os investigados de que um Golpe de Estado, apoiado pelos militares, ainda pudesse ocorrer perdurou já na vigência do novo governo, principalmente quando se desencadearam os atos golpistas do dia 08 de janeiro de 2023”, diz, em referência à manifestação que partiu do Quartel General do Exército em Brasília, e resultou na invasão e depredação das sedes do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF.

A PF registra que, na tarde de 8 de janeiro, Mauro Cid passou a receber fotos da invasão de sua mulher. “Em resposta, Mauro Cid afirmou que caso o Exército brasileiro saísse dos quarteis, seria para aderir ao golpe de Estado. Diz: ‘Se o EB sair dos quarteis...e para aderir’”, diz a PF.

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