Como era esperado, o presidente Jair Bolsonaro usou parte do discurso exibido na abertura dos debates da 75ª Assembleia Geral da ONU para falar sobre a Amazônia e os esforços do governo brasileiro para preservar sua natureza. Bolsonaro disse que o Brasil é vítima de "uma brutal campanha de desinformação" na área ambiental motivada por interesses comerciais de outras nações. O país está sob pressão internacional por causa de episódios de desmatamento e queimadas na região amazônica e no Pantanal.
"A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil", discursou.
O presidente disse que o Brasil zela pelo seu meio ambiente. Afirmou que o país é líder em conservação de florestas tropicais e tem a matriz energética mais limpa do mundo. “Mesmos sendo uma das 10 maiores economias do mundo, somos responsáveis por 3% da emissão de carbono [no mundo]. Garantimos segurança alimentar a um sexto do mundo, mesmo usando apenas 27% do nosso território para agropecuária”, disse, citando que o agronegócio do Brasil tem uma produção capaz de alimentar 1 bilhão de pessoas no mundo.
Bolsonaro frisou que as queimadas no Pantanal e na Amazônia não são incomuns e "ocorrem praticamente nos mesmos lugares, no entorno da floresta”. O "índio e o caboclo", afirmou ele, costumam queimar áreas já desmatadas em busca de sobrevivência. O presidente garantiu que focos criminosos são contundentemente combatidos. O zelo com as florestas já havia sido foco do discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU em 2019.
A preocupação do governo em demonstrar ao mundo que cuida da Amazônia tem raiz em um temor, motivado por teorias conspiratórias, de que nações estrangeiras possam questionar a soberania nacional sobre a região. Há ainda o fator da presença em peso dos militares no governo, sempre preocupados com a integridade do território nacional e a proteção das fronteiras, sobretudo na Amazônia.
Comunidade internacional questiona política ambiental do Brasil desde 2019
Desde o ano passado, as políticas de preservação ambiental têm criado embaraços para o governo federal no cenário internacional. Em agosto do ano passado, por exemplo, o então diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), Ricardo Galvão, deixou o cargo após o presidente da República e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, questionarem os dados sobre queimadas na região amazônica. Bolsonaro alegou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”, minimizando os alertas do instituto. Dados do Inpe apontam que o número de queimadas na Amazônia em 2019 foi 30% maior em comparação com 2018. Foram registrados 89.178 focos de incêndio durante o ano, ante 68.345 em 2018.
Já em 2020, o governo federal vem sendo obrigado a lidar com o aumento de 96% no número de focos de queimadas no Pantanal. Imagens divulgadas pelo Inpe no final de semana apontam que as fumaças na Amazônia e no Pantanal se estendem por aproximadamente 4 mil quilômetros. De acordo com o instituto, a fumaça já se espalhou para Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Porém, são cada vez maiores os indícios de que as queimadas não são acidentais.
Dentro do governo, a Amazônia tornou-se assunto central e alvo de divergências de duas alas distintas. A ala associada ao general da reserva Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, alega que há uma pressão internacional pelo controle da Amazônia e que as críticas ao governo brasileiro por sua política de preservação ambiental, na realidade, são tentativas de minar a soberania nacional na região.
Heleno e Araújo acreditam que a Europa e a Ásia, sob a justificativa de salvar a Amazônia, querem ter o controle do bioma brasileiro. “Não podemos admitir e incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso no seu objetivo principal, obviamente oculto, mas evidente aos não inocentes: prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, disse o general Augusto Heleno, durante audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (21), sobre a política ambiental brasileira. Para o governo, essa busca pelo controle amazônico é liderado pela chanceler alemã Angela Merkel.
Uma ala mais pragmática ligada ao agronegócio e à ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, vem pressionando o Ministério do Meio Ambiente a dar respostas mais efetivas nas questões ambientais com receio de boicotes internacionais de produtos brasileiros.
O cientista político Antônio Testa, que ajudou o presidente a elaborar seu plano de governo e integrou a equipe de transição presidencial, reconhece que há uma pressão internacional pelo controle da Amazônia. Entretanto, para ele, o governo não pode ignorar o problema sob essa justificativa. “O governo não deveria negar que existem queimadas. De fato, houve aumento no desmatamento. Agora, há ações criminosas e o governo precisa mostrar o que está sendo feito para se preservar o meio ambiente”, analisa.
Em junho de 2019, o governo brasileiro anunciou como vitória a assinatura de um acordo comercial entre Mercosul e a União Europeia. A negociação durou 20 anos e, de acordo com o Ministério da Economia, essa parceria pode resultar em um incremento da ordem de R$ 336 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em um período de 15 anos. Há uma preocupação do governo de que as informações sobre queimadas sejam utilizadas por países europeus como justificativa para cancelar esse acordo.
Em julho último, representantes de fundos de investimentos de Reino Unido, Suécia, Noruega, Holanda e Japão afirmaram ao vice-presidente que vão levar em consideração fatores como redução das taxas de desmatamento para medir o nível de comprometimento do país na área ambiental. O Palácio do Planalto teme que uma eventual deterioração da imagem internacional do país possa afugentar a administração destes fundos, que gerem aproximadamente US$ 4,1 trilhões (em torno de R$ 21,6 trilhões).
O que o governo fez de fato para proteger a Amazônia
A preservação da Amazônia e a soberania nacional vem sendo discutidos desde o processo de transição governamental, ainda no último trimestre de 2018. Na época, foi elaborado o programa Amazônia 4.0, um projeto de desenvolvimento sustentável que tinha como objetivo fomentar políticas públicas visando ao desenvolvimento integrado entre o meio ambiente e o agronegócio.
Com o tempo, o programa elaborado na fase de transição foi esquecido. Agora, dentro do governo, há um esforço concentrado para tentar mostrar ao mundo que as críticas não têm qualquer fundamento. O vice-presidente Hamilton Mourão foi designado por Bolsonaro para estar à frente do Conselho Nacional da Amazônia, atuando nas ações de gestão e enfrentamento ao desmatamento na região.
O Ministério da Defesa pretende implantar um sistema de satélite no valor de aproximadamente R$ 580 milhões, com recursos obtidos pela Operação Lava Jato, como estratégia de proteção da Amazônia. Além disso, o Ministério do Meio Ambiente criou nesta segunda-feira (21) uma secretaria específica para cuidar da Amazônia.
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