Ouça este conteúdo
Um dos momentos de mais repercussão no ato governista do último domingo (3) foi a fala do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em que ele mencionou uma suposta conexão entre sua gestão e as Forças Armadas. "Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade", disse, numa declaração direcionada ao público que acompanhava a transmissão do ato pela internet. Ao fim da manifestação, o presidente reiterou: "vocês sabem, o povo está conosco, as Forças Armadas estão ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade, também estão ao nosso lado".
Além do apoio a Bolsonaro, o ato contou com cartazes e palavras de ordem contra a Câmara dos Deputados, o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF), como tem ocorrido em outras manifestações governistas. Bolsonaro disse que chegou ao seu "limite": "peço a Deus que não tenhamos problemas esta semana. Porque chegamos no limite, não tem mais conversa. Daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição".
Nos dias anteriores, o presidente vira duas determinações suas serem barradas pelo STF, a nomeação de Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal e a expulsão de diplomatas venezuelanos. As decisões da corte motivaram críticas de bolsonaristas, que viram nos atos um ataque à independência dos poderes.
A menção de Bolsonaro às Forças Armadas e a contestação aos outros poderes abriu caminho a críticas e especulações sobre o vínculo entre os militares e o presidente. Bolsonaro é o primeiro presidente de formação militar desde a redemocratização do país e também o primeiro a defender a ditadura que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Além disso, recheou o primeiro escalão do seu governo de fardados. Até que ponto os militares estariam dispostos a defender Bolsonaro? E mais: os militares teriam interesse em uma ruptura institucional, como defendem parte dos apoiadores do presidente, que pedem fechamento do Congresso e STF e um novo AI-5?
“Day after” foi de negativas
Às 14h36 da segunda-feira (4), o Ministério da Defesa divulgou uma nota cuja primeira linha diz: “As Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional”. Outros trechos do texto trazem as frases “Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País" e “a liberdade de expressão é requisito fundamental de um País democrático". A nota ainda critica a agressão praticada por apoiadores de Bolsonaro a profissionais da imprensa que cobriam o ato do domingo.
O texto fala também sobre a Covid-19 – “enfrentamos uma Pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis” – e é encerrado com as frases “As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso”.
O posicionamento do Ministério da Defesa, assinado pelo titular da pasta, General Fernando Azevedo e Silva, foi uma das manifestações da segunda que buscaram diminuir a temperatura do dia anterior, e tentar fazer com que o clima de racha institucional não evolua.
Outra fala neste sentido foi apresentada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Durante entrevista no Palácio do Planalto para falar sobre as ações do Executivo no combate ao coronavírus, Ramos negou interesse em se tornar o novo comandante do Exército, em substituição a Edson Pujol.
A possibilidade de substituição ganhou força nos últimos dias, numa alteração que seria protagonizada pelo próprio Ramos. O ministro também negou, em seu perfil no Twitter, a especulação: “NÃO há possibilidade de eu assumir o comando do Exército por contrariar os Preceitos básicos da hierarquia e os valores mais caros do Exército Brasileiro como a honra e lealdade".
Já o general Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal em 2018 com o apoio de Bolsonaro, também utilizou as redes sociais para dizer que não vê possibilidade de uma ruptura chefiada pelas Forças Armadas. “Estar ao lado do povo é estar ao lado da lei e da ordem. Não sou porta-voz das FFAA, mas asseguro que elas estarão sempre ao lado da lei e da ordem e não apoiarão nenhum golpe, tenha ele a origem que tiver", publicou, na manhã da segunda-feira.
A imagem dos militares
Um dia antes do ato a favor de seu governo, Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas, em Brasília. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, uma das pautas do encontro foi a série de derrotas impostas pelo STF a Bolsonaro, e discussões sobre como o presidente deveria “reagir” às medidas do Judiciário. A matéria menciona também que o encontro encorajou Bolsonaro a dizer que “as Forças Armadas estão ao lado do povo".
O discurso de Bolsonaro, porém, desagradou integrantes da cúpula das Forças Armadas. Outra reportagem do Estadão apontou que generais veem na atitude do presidente uma tentativa de puxar para seu governo o prestígio que os militares detêm. Reportagem da Folha de S. Paulo relata que Bolsonaro espera reforçar a presença de militares em seu governo para contrabalancear o aumento de apadrinhados do Centrão, o que fará para ampliar seu apoio no Congresso.
Já um integrante das Forças Armadas que conversou de modo reservado com a Gazeta do Povo endossou a ideia de que propostas de golpe ou “intervenção militar constitucional” não têm o apoio dos membros mais graduados de Exército, Marinha e Aeronáutica. “É o tipo de coisa que só quem é de fora fala. Para quem está dentro, é algo como mula-sem-cabeça, bruxa, nada além de folclore", afirmou o militar.