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Pandemia

Incentivar invasão de hospitais, como fez Bolsonaro, é crime? O que dizem especialistas

Bolsonaro em live na quinta-feira (11): presidente estimulou a invasão de hospitais ao incitar as pessoas a fiscalizarem alas destinadas a pacientes com Covid-19.
Bolsonaro em live na quinta-feira (11): presidente estimulou a invasão de hospitais ao incitar as pessoas a fiscalizarem alas destinadas a pacientes com Covid-19. (Foto: Reprodução)

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Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro tem por hábito minimizar a doença e suas consequências sanitárias. Na última quinta-feira (11), porém, ele foi além. Em sua live semanal, Bolsonaro incentivou a invasão de hospitais ao pedir que a população entre em alas destinadas a pacientes da Covid-19 para filmar as instalações e averiguar se os leitos estão, de fato, ocupados.

"Tem um hospital de campanha perto de você, um hospital público? Arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis. (...) Tudo o que chega para mim nas redes sociais, eu faço um filtro e encaminho para a Polícia Federal e para a Abin [Agência Brasileira de Inteligência]", afirmou o presidente.

Após a fala, casos de invasão de hospitais públicos – que já haviam ocorrido antes da live – voltaram a acontecer. No domingo (14), cinco deputados estaduais entraram em um hospital no município de Serra, no Espírito Santo, e se depararam com a maior parte dos leitos destinados ao tratamento da Covid-19 ocupados. Outros casos também foram registrados no Distrito Federal e no Rio de Janeiro.

Diante dos relatos, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ofício aos procuradores estaduais, pedindo que investigações sejam instauradas nos casos de invasão aos hospitais.

No dia 5 de junho, cinco deputados estaduais de São Paulo invadiram o hospital de campanha do Anhembi, na zona norte da capital paulista, sob o argumento de verificar os gastos públicos durante a pandemia do novo coronavírus. Participaram da ação, repudiada pelo governo de São Paulo, os deputados Adriana Borgo (Pros), Marcio Nakashima (PDT), Leticia Aguiar (PSL), Coronel Telhada (PP) e Sargento Neri (Avante).

Gilmar Mendes diz que Bolsonaro cometeu crime e PSB vai à PGR

A fala do presidente não repercutiu só entre seus apoiadores, mas também provocou reações no mundo jurídico e político. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o estímulo à invasão de hospitais é um crime. "É vergonhoso – para não dizer ridículo – que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública", escreveu o ministro no Twitter.

A bancada do PSB na Câmara, por sua vez, decidiu apresentar uma notícia-crime contra o presidente à Procuradoria-Geral da República, por considerar que Bolsonaro "agiu de forma irresponsável e criminosa".

Também no Twitter, um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, rebateu as críticas, afirmando que o pai não incentivou a invasão de hospitais, mas sim que "cidadãos cumpram seu direito de fiscalizar os gastos públicos".

Advogados apontam possíveis crimes de Bolsonaro ao estimular invasão de hospitais

Advogados criminalistas ouvidos pela Gazeta do Povo, entretanto, se alinham ao que afirmou o ministro Gilmar Mendes, e apontam que a fala do presidente pode, sim, ser enquadrada no Código Penal. As divergências, dessa forma, não envolvem dúvidas sobre a presença de crime nas declarações, mas sim em torno de quais artigos seriam aplicáveis neste caso.

De acordo com Acacio Miranda da Silva Filho, advogado especialista em Direito Penal e Constitucional, parece ser consenso que o artigo 286 do Código Penal, que diz respeito à incitação ao crime, é aplicável nesse caso. Na opinião dele, também caberia o crime de prevaricação, previsto no artigo 319. "É um crime contra a administração pública, praticado para satisfazer interesse pessoal. Nesse caso, trata-se do interesse ideológico do presidente", opina.

Francisco Monteiro Rocha Júnior, advogado e coordenador-geral dos cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), por sua vez, afirma que o estímulo à invasão de hospitais também pode ser enquadrado no artigo 268, que trata da disseminação de doenças contagiosas. "Ao incentivar seus seguidores a invadirem hospitais, o presidente incita as pessoas ao cometimento de crime contra a saúde pública e faz apologia ao crime", afirma.

Elias Mattar Assad, advogado criminalista e presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), concorda, e explica que, ao incentivar a invasão de hospitais, o presidente contribui para a disseminação do vírus. "Nesse caso, ele está colocando a saúde pública em perigo. Caberia também a aplicação do artigo 29, já que quem ordena a prática de um crime não pode ficar isento", explica.

Além dos crimes previstos no Código Penal, Acacio Miranda da Silva Filho aponta que seria possível enquadrar as declarações de Bolsonaro no artigo 85 da Constituição, que trata dos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República.

"Em tese, com essas afirmações, o presidente está quebrando o decoro do cargo. Por mais que isso não reverbere em sanções penais, pode acarretar sanções constitucionais que levariam até à cassação do mandato", opina o advogado.

Por ser presidente, Bolsonaro pode ser responsabilizado por incentivar a invasão de hospitais?

Como o caso envolve o presidente, entretanto, os trâmites são diferentes dos que envolvem os cidadãos comuns. Para que seja responsabilizado, Bolsonaro teria que, inicialmente, ser alvo de um inquérito. Nesse caso, caberia à Procuradoria-Geral da República pedir ao STF a abertura de uma investigação – como ocorreu na apuração de uma possível interferência de Bolsonaro na Polícia Federal.

Se a investigação concluir que houve o cometimento de crimes comuns, além disso, o Congresso Nacional tem a prerrogativa de determinar que o processo tenha andamento somente depois do encerramento do mandato. O cenário só é distinto no caso de crime de responsabilidade, que pode resultar em sanções políticas como o impeachment.

Veja quais artigos do Código Penal e da Constituição são aplicáveis à fala de Bolsonaro, segundo especialistas:

  • Código Penal
    • Art. 29 - "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade".
    • Art. 268 - "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa";
    • Art. 286 - "Incitar, publicamente, a prática de crime";
    • Art. 287 - "Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime";
    • Art. 319 - "Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".
  • Constituição Federal:
    • Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
      • I -  a existência da União;
      •  II -  o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
      • III -  o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
      •  IV -  a segurança interna do País;
      •  V -  a probidade na administração;
      • VI -  a lei orçamentária;
      • VII -  o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

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