Bolsonaro em encontro com oficiais militares que participavam do curso de Política Estratégia e Alta Administração do Exército.| Foto: Marcos Correa/PR
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Os militares estão insatisfeitos com o presidente Jair Bolsonaro. Não existe um movimento de ruptura entre os oficiais das Forças Armadas e o Palácio do Planalto. Mas há um desconforto com a forma como o presidente da República os tem tratado, sendo eles um dos principais pilares do governo federal. O incômodo é crescente e atingiu seu ápice com dois posicionamentos emitidos neste mês pelo comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.

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Em conversas com integrantes das Forças Armadas que não ocupam cargo no governo e com alguns militares que estão na gestão Bolsonaro, a Gazeta do Povo ouviu relatos que explicam a cronologia do incômodo, bastidores de como o presidente tentou pôr um fim ao desconforto e como o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, atuou "diplomaticamente" para acalmar os ânimos de ambos os lados.

“Tem, sim, uma insatisfação por causa de situações recentes que aconteceram. Por conta da forma como [o general Eduardo] Pazuello [ministro da Saúde] foi tratado, e [o general] Rêgo Barros [ex-porta voz do Planalto] também. As coisas não estão caminhando tão legal. Mas vamos ver como se resolvem nos próximos dias”, diz um interlocutor militar do governo. “Não é uma ruptura, mas uma insatisfação nos quartéis”, afirma outro militar.

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Como tomou forma a insatisfação dos militares

O mal-estar não é recente e começou quando Bolsonaro desautorizou publicamente o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre o acordo para a compra de 46 milhões de doses da coronavac – a "vacinha chinesa" que será produzida no Brasil numa parceria com o Instituto Butantan, vinculadao ao governo de São Paulo. O Ministério da Saúde acabou divulgando uma nota informando não haver “qualquer compromisso com o governo de São Paulo ou seu governador [João Doria]” para a aquisição da coronavac, mas, sim de que tratou-se de um “protocolo de intenção”.

A desautorização causou um mal-estar entre militares. Pazuello aceitou bem o episódio, a ponto de ter recebido Jair Bolsonaro mesmo em isolamento, quando estava acometido da Covid-19.

Mas os oficiais das Forças Armadas não encararam da mesma forma. Um sinal disso é que, dias depois, o general Otávio Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência da República, escreveu artigo, publicado no Correio Braziliense, em que fez críticas indiretas a Bolsonaro.

Intitulado de Memento Mori, o artigo de Rêgo Barros sugere que Bolsonaro confunde discordância leal com oposição, mas afirma que nem toda discordância é uma deslealdade. “Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! E se não há mais escravos discordantes leais a cochichar: ‘Lembra-te que és mortal’, a estabilidade política do império está sob risco”, diz ele, em um trecho. Nos bastidores, o artigo acabou traduzindo o sentimento de muitos militares.

O artigo de Rêgo Barros, portanto, apenas aflorou uma insatisfação. O próprio ex-porta-voz da Presidência foi gradualmente isolado e posteriormente demitido no governo.

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Comandante do Exército se posicionou e Bolsonaro retrucou

Outro fator que provoca insatisfação é o uso político das Forças Armadas por Bolsonaro. Militares viram que isso foi feito pelo presidente ao dizer que “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora”, em referência à possibilidade de os Estados Unidos, num governo de Joe Biden, imporem sanções econômicas ao Brasil por causa da Amazônia.

Pouco após a declaração de Bolsonaro, o comandante do Exército, general Edson Pujol, afirmou numa videoconferência que os militares não querem “fazer parte da política governamental”, nem desejam que a “política entre nos nossos quartéis.”

Um dia depois, em seminário de Defesa Nacional, na Escola Superior de Guerra de Brasília, Pujol voltou ao assunto: “Não somos instituição de governo, não temos partido. Nosso partido é o Brasil. Independentemente de mudanças ou permanências em determinado governo por um período longo, as Forças Armadas cuidam do país, da nação”, declarou.

O que se fala nos bastidores é que ambas as declarações foram uma resposta a Bolsonaro após os militares observarem e ouvirem, calados, todos os fatos recentes. “O presidente sabe que não pode ter ingerência sobre o Exército e não vai trocar o comandante. Pujol sabe disso e, às vezes, sobe esses tons provocativos”, comenta um militar.

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As falas de Pujol geraram rápida reação de Bolsonaro. O presidente cobrou do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, uma postura porque entendeu que o comandante do Exército falou em nome de todos os militares. E que o único representante político e institucional de todas as forças é o próprio Fernando Azevedo e Silva.

“O presidente telefonou ao ministro, que se viu forçado a se posicionar. Causou um incômodo na Defesa e o ministério soltou uma nota, afirmando o que Pujol falou, mas com outras palavras”, explica um interlocutor militar.

O ministro da Defesa, então, mobilizou os três comandantes de Força para construir uma nota conjunta tentando desfazer a impressão de que haveria um descontentamento das Forças Armadas com o presidente. “Todos revisaram a nota, fizeram observações, passou por várias mãos. Foi importante para mostrar que as Forças estão com a instituição 'presidente da República', independentemente de ser Bolsonaro ou outro”, diz um técnico.

No fim das contas, Azevedo e Silva acabou atuando para aparar as arestas. “Foi um dos principais nomes a buscar essa pacificação”, diz um assessor.

Insatisfação não significa rompimento de militares com Bolsonaro

Embora o incômodo entre militares e o presidente da República sejam evidentes nos bastidores, nenhum membro das Forças Armadas da ativa ou da reserva, fora do governo ou não, fala em rompimento político com o Planalto.

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Com a ascensão do PSol nas eleições municipais, fortalecendo uma nova esquerda, a avaliação de integrantes ouvidos pela reportagem de que é muito improvável que haja uma debandada de militares do governo. “Esses incômodos não significam que haverá uma ruptura. Até porque existe um adversário em comum, a esquerda”, diz um interlocutor militar do governo.

Apenas uma situação provocaria um racha político de militares com a gestão Bolsonaro: a troca do comando do Exército. “Se fizer isso, aí sim acaba [o apoio], há ruptura, e perde a base de sustentação. Mas ele sabe disso e não vai fazer [a troca]”, analisa um membro das Forças Armadas. “Em condições normais de temperatura e pressão, isso não acontecerá."

Um dos motivos para tal confiança são os requisitos para a escolha de um eventual novo comandante do Exército. "Para um militar assumir como comandante de Força, ele tem que ser o ‘01’ em todos os cursos da carreira. Tem que ter comandado em quase todas as patentes, ter tido conceito exemplar durante a carreira inteira, ter cumprido 45 anos [de carreira militar]. A questão não é simples”, acrescenta a fonte.

O especialista em segurança e defesa Alexis Risden, consultor da BMJ Consultores Associados, diz não ver qualquer chance de racha entre militares e governo. “Eu não acho que tenha ação realista que possa levar a isso. Talvez eles passem a não ser mais tão abertos em emitir apoios ao Bolsonaro, ou a aceitar ceder pessoal da ativa para trabalhar no governo”, avalia.

Um militar diz à Gazeta do Povo que isso já ocorre. “A preocupação [dos militares], agora, é assumir um cargo no governo e se misturar na política. Quem é da ativa e tem ambição de crescer na carreira está calculando os riscos de fazer isso. Tem gente que fala: ‘Poxa, ainda bem que fui para tal organização militar e não fui para o governo’."

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Ex-aliado cobra postura de presidente a Bolsonaro

O receio de militares virem a ocupar novos cargos no governo abre a possibilidade de essas vagas virem a ser preenchidas por indicados do Centrão ou da ala ideológica do governo.

Para o general de brigada reformado Paulo Chagas, candidato a governador do Distrito Federal nas eleições de 2018, não é algo positivo. “Durante a campanha eleitoral, o presidente execrou o Centrão. E aí, de repente, se abre para esse blocão por uma questão de se garantir politicamente, etc. Sou totalmente contra essa abertura”, critica. “E, do outro lado, tem aqueles mais ligados ao tal ‘gabinete do ódio’, que montaram uma já provada fake news contra o general Santos Cruz e achavam que o general Rêgo Barros não trabalhava direito”, acrescenta.

Chagas diz compreender a situação enfrentada pelos militares e aponta os problemas nessa relação. “Entendo perfeitamente as insatisfações, mas entendo que não há desprestígio do presidente com os militares. Bolsonaro não os está escutando como deveria, e isso está prejudicando o governo. Está trabalhando mais em função da impulsividade e da intuição”, diz. Para o general, o presidente deixou de escutar seus conselheiros militares. “Resolveu fazer do jeito dele, mas o jeito dele não é bom. É jeito de deputado, não de presidente da República”, avalia.

Nas eleições de 2018, Chagas apoiou a candidatura de Bolsonaro. “Não só votei no presidente como, em Brasília, me empenhei pela candidatura dele. Como era seu candidato para o governo aqui do Distrito Federal, eu tinha a obrigação de conhecer suas propostas e defendê-las”, comenta. Mas ele acha que o presidente tem de mudar de postura. “A campanha acabou, é preciso ter postura de presidente, que está bastante aquém. Ele age muito mais por intuição e por força do temperamento do que por função do cargo que ocupa”, diz.

O general ainda lembra o episódio envolvendo Pazuello, que, para ele, agiu errado. “O ministro adotou uma solução que acho que diminui a ética militar [Pazuello, ao receber Bolsonaro no hospital, concordou que o presidente manda e ele obedece, ao se referir à suspensão da intenção de compra da coronavac]. Na minha opinião, ele [Pazuello] errou. E ele sabe disso, porque Pazuello foi meu cadete. Mandei a ele, por intermédio de um amigo, que também foi meu subordinado, minha opinião: a obediência não torna mudo o obediente, nem o comando torna surdo o comandante. Fosse eu [sendo desautorizado por Bolsonaro], entregava o cargo. Mas não sei o grau de amizade que existe entre eles.”

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Apesar do incômodo entre militares e o governo, Chagas também não acredita em ruptura. “Pode haver uma insatisfação interna na Força, mas não da Força. Pode ter uma insatisfação no meio dos militares como cidadãos integrantes da Força, mas a instituição não vai jamais se manifestar”, avisa.

Embora a possibilidade de troca no comando do Exército seja uma prerrogativa do presidente da República, o general não acredita nessa possibilidade. “O presidente estaria dando uma resposta política para um assunto que não é político. Jamais ele será impedido de fazer isso. Mas, para nós, pegaria muito mal”, reconhece.

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