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Crise do diesel

Bolsonaro admite intervenção na Petrobras e arranha verniz liberal do governo

O presidente da República Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
Bolsonaro telefonou para presente da Petrobras e literalmente vetou o reajuste do óleo diesel. Foto: Evaristo Sá/AFP (Foto: )

Na ânsia de acertar, o presidente Jair Bolsonaroultrapassou uma linha perigosa. Com apenas 100 dias de governo, o verniz liberal pintado por ele durante a campanha eleitoral sofreu um arranhado que não sai com um simples polimento.

Sem consultar a equipe econômica e assombrado pelo risco de uma nova greve de caminhoneiros, Bolsonaro impediu a Petrobras de aumentar em 5,7% o preço do óleo diesel na noite quinta-feira (11), que chegou a ser anunciado publicamente.

A decisão fez as ações da estatal despencarem nesta sexta (12) e gerou temor da volta de uma política de interferências do governo na estatal, como a praticada na gestão de Dilma Rousseff (PT). Em seu primeiro mandato, a presidente petista conduziu uma política artificial de preços dos combustíveis, a pretexto de manter a inflação sob controle, que arruinou com o caixa da Petrobras.

Em Macapá (AP), para onde viajou para a inauguração de um aeroporto nesta sexta-feira (12), Bolsonaro admitiu a interferência na política de preços da estatal de petróleo. "Eu liguei para o presidente [da Petrobras], sim, me surpreendi com o reajuste de 5,7%. Não vou ser intervencionista, não vou praticar política que fizeram no passado, mas eu quero números da Petrobras", afirmou.

O presidente disse – para espanto e incredulidade do mercado – que o Brasil não pode continuar "com essa política de preços altos dos combustíveis". E convocou uma reunião com ministros e técnicos da área econômica e de energia para a próxima terça-feira (16).

O argumento dado por ele para interferir foi de que não havia clareza dos números da estatal para conceder o aumento. Segundo o presidente, é preciso "esclarecer porque 5,7% de ajuste quando a inflação projetada para o ano está abaixo de 5%".

A política de preços atual da Petrobras, adotada durante o governo de Michel Temer, leva em conta apenas a oscilação do preço do petróleo do mercado internacional e do câmbio.

À noite, após ter detonado a mais nova crise do governo, Bolsonaro tuitou na internet que "nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia" e que a suspensão do reajuste é "temporária". Mas o estrago já estava feito.

Filho-deputado aprova atitude do pai e defende controle sobre os outros combustíveis

À tarde, em Porto Alegre, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendeu a atitude intervencionista do pai no preço do diesel. E, pior, deu a entender que o governo deve estender o controle sobre a política de preços dos demais combustíveis.

"É necessário. Eu acredito que, em alguma medida, isso aí (intervenção no preço) vale para todos (os combustíveis)", disse em entrevista ao jornal Zero Hora.

Eduardo afirmou que a intervenção “não esmorece” o viés liberal do governo Bolsonaro, mas reconheceu que em uma economia de livre mercado essa medida jamais seria tolerada.

"O mundo que a gente entende como perfeito é sem intervenção. Mas isso daí é feito a passos graduais", afirmou, antes de exemplificar. "O ideal, no mundo liberal, é um país sem barreiras alfandegárias. Se reduzirmos a zero as taxas de importação e exportação, o produtor nacional vai quebrar? É óbvio que sim. O que temos que ter em mente é reduzir o custo Brasil, para colocar o mercado nacional em condições de competir de igual para igual com o internacional. Mas, é claro, no mundo ideal essa intervenção não existiria", disse, conforme registrou o Zero Hora.

As afirmações de Eduardo ocorreram no Palácio Piratini, em Porto Alegre, após encontro de cerca de uma hora com o governador Eduardo Leite.

Liberal de carteirinha, Paulo Guedes nem sequer foi consultado

Aconselhado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, Jair Bolsonaro telefonou para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, por volta das 20 horas de quinta. E determinou que ele recuasse do reajuste. Àquela altura, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e quase toda a equipe econômica estavam em viagem aos Estados Unidos.

Onyx disse ao presidente que a alta e, em consequência, uma possível greve dos caminhoneiros manchariam a imagem do governo, que acabara de atingir a marca de cem dias.

A decisão incomodou a equipe econômica. Guedes, que está em Washington (EUA) para participar de encontro do FMI (Fundo Monetário Internacional), foi pego de surpresa, segundo pessoas próximas. Defensor de uma política econômica liberal – com pouca interferência do estado –, ele ficou incomodado com o gesto do presidente.

Em Washington, o ministro foi questionado 13 vezes por jornalistas sobre sua possível participação na decisão do governo. Inicialmente, disse que não sabia do que os repórteres estavam falando e, em seguida, ao ser perguntado diretamente se não havia sido informado pelo presidente sobre a interferência nos preços do combustível, respondeu: "É uma inferência razoável, aparentemente".

CEO da Petrobras se viu em uma saia justa

Indicado por Guedes para comandar a Petrobras, Castello Branco atendeu a contragosto ao pedido de Bolsonaro, numa medida que resultou numa perda de R$ 32 bilhões em valor de mercado para a estatal nesta sexta. Em nota, disse que considerou legítima a preocupação do chefe do poder Executivo e reiterou que a Petrobras é uma empresa autônoma para tomar decisões.

Na conversa com Castello Branco, o presidente pediu que a estatal praticasse um preço justo do óleo diesel, alegando o temor de que nova alta dos preços provocasse uma greve dos caminhoneiros semelhante à que gerou uma crise de desabastecimento no país entre maio e junho de 2018.

A ideia de interferir no preço teve Onyx como principal defensor. Ao saber que a Petrobras elevaria o valor do combustível, ele se apressou em falar com o presidente e esperou o fim de uma transmissão ao vivo pelas redes sociais para alertá-lo sobre o risco de uma paralisação dos caminhoneiros.

Monitoramento feito pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) apontou ainda no mês de março que havia um risco de novos protestos da categoria. Diante disso, o ministro da Casa Civil fez uma série de reuniões na últimas semanas com lideranças do grupo.

Onyx disse a Bolsonaro que ele precisava interferir para dar uma resposta aos caminhoneiros, que contiveram o iminente movimento grevista.

Bolsa despenca e mercado se arrepia

A Bolsa brasileira abriu com queda de mais de 5% das ações da estatal, em movimento que se intensificou ao longo do dia, sobretudo após a declaração de Bolsonaro em Macapa admitindo a intervenção. "Já falei que não entendo de economia", disse o presidente.

Na sequência, Onyx concedeu uma outra entrevista à Rádio Bandeirantes minimizando a interferência do governo na Petrobras. Ele rebateu as comparações feitas com a política intervencionista no setor energético adotada pela gestão Dilma Rousseff. "No governo Dilma roubaram mesmo a Petrobras, é diferente. Esse é um governo sério, o nosso não rouba. É muito diferente", disse.

Ao desembarcar em Brasília no fim da tarde, Bolsonaro convocou duas reuniões com equipes ministeriais. Da primeira delas, participaram sete ministros, entre eles Bento Albuquerque (Minas e Energia), Onyx, Fernando Azevedo (Defesa), Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional), Floriano Peixoto (Secretaria-Geral) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), para tentar desfazer o mal-estar gerado pela decisão de quinta e pelas sucessivas declarações de integrantes do governo ao longo do dia.

A inglória tarefa do porta-voz de explicar o inexplicável

Na sequência, ele conversou ainda com Azevedo e o general Augusto Heleno (GSI). Na reunião, decidiu-se que o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, faria um pronunciamento para amenizar a impressão de que o governo adotará uma política intervencionista na Petrobras daqui para frente. Segundo ele, o encontro de terça "caracteriza a necessidade do dirigente do poder Executivo de identificar quais os aspectos que levam realmente às decisões que são tão importantes à sociedade".

"A reunião, por princípio, é para tomar uma decisão. Mas se exigir um aprofundamento de alguns dados, naturalmente não será na terça-feira o resultado final", disse o porta-voz. "Por princípio, o presidente entende que a Petrobras, uma empresa de capital aberto, sujeita às regras de mercado, não deve sofrer interferência política em sua gestão. Aliás, uma das razões para a crise que vínhamos incorrendo em governos passados e que quase destruiu aquela empresa", afirmou.

Questionado sobre por que o governo nunca discutiu a política de reajustes da estatal antes, o porta-voz respondeu que, no passado, as decisões eram impostas à petrolífera. "Realmente nunca se discutiu, se impunha. É diferente. O presidente Jair Bolsonaro não impõe, ele discute. Ele busca as informações."

Rêgo Barros também não respondeu sobre por que o presidente nunca buscou conhecer a política de reajuste de combustível da Petrobras antes da intervenção desta quinta. Desde o início do ano, a estatal já promoveu 13 reajustes, sendo 10 para cima e três para baixo. No ano, o preço do diesel sobe 18,5%.

O porta-voz também negou que o recuo signifique que o governo ficará refém dos caminhoneiros diante de futuras ameaças de greve. "O governo não é refém de ninguém, está aqui representando a sociedade e para conduzir o país para os rumos para os quais a sociedade deseja, não rumos transversos e equivocados do passado."

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