Que Jair Bolsonaro (PSL) nunca foi um liberal de carteirinha na economia todo mundo já sabia – bastava observar o posicionamento estatizante e intervencionista que o presidente exibiu em três décadas de vida pública. O manto liberal caiu bem durante a campanha eleitoral, e o discurso afiado do ministro da Economia, Paulo Guedes, poderia dar a entender que o capitão seguiria esse caminho. Mas Bolsonaro tem dado vários sinais de que não abraçou de fato o liberalismo econômico.
O presidente se meteu em uma encruzilhada quando questionou e reverteu um reajuste anunciado pela Petrobras para o diesel, na quinta-feira (11) passada. A empresa segurou o aumento, num movimento que desagradou ao mercado e fez com que as ações da companhia despencassem na Bolsa.
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Para apagar esse incêndio, Bolsonaro atuou em duas frentes. Convocou uma reunião com ministros e direção da Petrobras para esta terça-feira (16), sob a justificativa de tentar entender como a empresa compõe o preço dos combustíveis. Também declarou – e tuitou – que não entende de economia, mas que seu governo não estava sendo intervencionista.
A questão, de acordo com o presidente, foi o temor pela deflagração de uma nova greve dos caminhoneiros. Dos Estados Unidos, Paulo Guedes ajudou a conter os ânimos no final de semana: reafirmou que o presidente não é um especialista em economia e que pode ter atuado para tentar manobrar algum efeito político de uma possível paralisação dos caminhoneiros.
Nesta segunda-feira (15), o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, negou que tenha havido uma intervenção do governo na empresa. “A decisão foi tomada pela diretoria da Petrobras”, disse. “Ninguém ordenou que a Petrobras não reajustasse.”
O episódio da Petrobras é o mais recente em uma lista de atos nada liberais do governo. Veja outros sinais de que Bolsonaro não é tão liberal quanto se apresentou durante a eleição.
1) A intervenção na Petrobras
Mal havia anunciado um reajuste no preço do diesel, na noite de quinta-feira (11), e a Petrobras voltou atrás. A nova política de preços da companhia segue acompanhando a flutuação do petróleo no mercado internacional, mas só faz alterações por aqui a cada 15 dias. Nesse caso, o aumento seria de 5,7%, o que acendeu uma luz vermelha para o presidente Jair Bolsonaro.
“Ontem, às 19h40, fui informado sobre o aumento de 5,7% no óleo diesel. Liguei para o Presidente da Petrobras preocupado com o percentual num nível sequer previsto para a taxa de inflação do corrente ano. Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia. O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste”, explicou, via Twitter, na sexta-feira (12).
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Para justificar o recuo, a Petrobras disse que “revisitou sua posição de hedge e avaliou ao longo do dia, com o fechamento do mercado, que há margem para espaçar mais alguns dias o reajuste no diesel”. Bolsonaro, que não quer ver atribuída a si a pecha de intervencionista que tinha Dilma Rousseff (PT), disse que sua ação foi um reflexo do monitoramento das atividades dos caminhoneiros, que ameaçariam uma nova paralisação caso o preço nas bombas subisse.
As ações da Petrobras despencaram e a companhia perdeu R$ 32 bilhões em valor de mercado. Os caminhoneiros, por sua vez, comemoraram. E cobraram o cumprimento da tabela de frete mínimo.
2) Subsídios mantidos. E no terceiro dia de mandato
Ao longo da campanha, Paulo Guedes sempre falou em reduzir os benefícios fiscais que o governo concede para o setor privado. Pois no terceiro dia de mandato, Bolsonaro sancionou um projeto que prorrogou as desonerações para empresas instaladas nas áreas da Sudam e Sudene, no Norte e Nordeste do Brasil.
Nessa mesma ocasião, ele vetou um trecho do texto, que estendia esses benefícios para as empresas instaladas na área da Sudeco, no Centro-Oeste. A estimativa é de um impacto de ao menos R$ 2 bilhões nas contas públicas que, como todos sabem, andam em uma situação complicada.
Essas medidas tinham sido aprovadas pelo Congresso, no final de 2018. Quando sancionou o projeto, Bolsonaro disse que foi obrigado a prorrogá-los, porque fora vítima de uma pauta-bomba do Parlamento. Talvez a concessão tenha sido um aceno para tentar angariar a simpatia de deputados e senadores dessas regiões para a reforma da Previdência. Só resta saber se o aceno não se perdeu no meio da troca de farpas entre o Executivo e o Legislativo.
3) Agenda de privatizações desfalcada
A proposta de campanha era de uma agenda de privatizações bastante ampla. Mas Bolsonaro foi apresentando alguns vetos à venda de estatais consideradas estratégicas, como é o caso da Petrobras. Ele também desistiu de vender a EBC, conglomerado de mídia do governo, e a EPL, empresa que tiraria do papel o projeto do trem bala.
Ora, se o presidente pode se opor, alguns de seus ministros seguiram pelo mesmo caminho. É o caso do astronauta Marcos Pontes, responsável pela pasta de Ciência e Tecnologia. Desde o ano passado, ele já se declarava contrário à venda dos Correios, por exemplo. Na Infraero, a situação é curiosa: a atual presidente da empresa, a economista Martha Seillier, já traçou o plano de venda de 44 aeroportos da estatal até 2022. Mas antes que todos sejam vendidos, ela quer convencer o governo da importância de transformar a Infraero em uma prestadora de serviços de gestão de aeroportos para estados e municípios.
Passados os cem primeiros dias da gestão de Bolsonaro, a agenda de privatizações não deslanchou. E se o governo não alinhar as expectativas internas, o risco de o programa que aliviaria o caixa da União não acontecer é grande.
4) Um benefício para os amigos
Quando era candidato, Bolsonaro buscou apoio do agronegócio e sinalizou que poderia apoiar o perdão de dívidas de produtores rurais e agroindústrias com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A Receita Federal estima que essa renúncia fiscal possa chegar ao montante de R$ 15,8 bilhões.
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O problema é que, na atual circunstância das contas públicas, esse é um dinheiro do qual o governo não pode abrir mão. Tanto que áreas técnicas do Planalto recomendam que não haja apoio a um projeto de lei que está tramitando e pode perdoar essa dívida. O temor é que o suporte do presidente para essa questão configure crime de responsabilidade, o que poderia levar a um pedido de impeachment.
A anistia bilionária prometida pelo candidato Bolsonaro é uma dor de cabeça e tanto para o presidente. Recentemente o chefe do Executivo deu sinais de que continua apoiando o perdão das dívidas dos ruralistas. Enquanto isso, Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e um dos principais conselheiros de Bolsonaro, já disse que o presidente não vai se precipitar para agradar o setor e correr o risco de perder o mandato.
5) Leite aguado
O Funrural não é a única polêmica envolvendo o setor do agronegócio e a gestão Bolsonaro. Paulo Guedes bem queria impor ações liberalizantes da economia mais rapidamente, mas seu ímpeto foi freado em fevereiro pela bancada ruralista. Ela não gostou nada do fim de medidas antidumping contra o leite em pó importado da União Europeia e da Nova Zelândia. O resultado? O governo decidiu sobretaxar o leite importado, sob o argumento de que a cadeia leiteira nacional estava correndo graves riscos.
Pelo Twitter, Bolsonaro comemorou o aumento do imposto de importação de leite em pó. “Comunico aos produtores de leite que o governo, tendo à frente a ministra da Agricultura Tereza Cristina, manteve o nível de competitividade do produto com outros países. Todos ganharam, em especial, os consumidores do Brasil”, escreveu na rede social.
Mas não adianta chorar pelo leite derramado: o fracasso na tentativa de impor um choque liberal é mais uma concessão do governo na tentativa de conquistar o apoio dos parlamentares para a reforma da Previdência.
6) A guerra das bananas
Sabe de onde vem a banana que você compra no mercado? Um assunto que aparentemente não preocupa muito os brasileiros chamou a atenção do presidente Jair Bolsonaro, que resolveu tratar do tema "importação de bananas" em uma de suas tradicionais lives pelo Facebook, ainda no começo de março. A ideia dele era proteger os produtores nacionais da concorrência externa.
O presidente contou que atuava com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para revogar uma portaria de 2014 que incentiva a importação de bananas do Equador. O argumento é que isso gera uma concorrência desleal com os produtores do Vale do Ribeira, em São Paulo. Bolsonaro voltaria ao assunto em pelo menos mais duas transmissões ao vivo nas semanas seguintes.
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